Imagem: edufin.com.br |
Recebi da jornalista Carla Guimarães, do jornal Tribuna do Planalto uma série de questionamentos sobre um estudo da Euromonitor Internacional: “Dez macro tendências globais para os próximos cinco anos”. São citados: Um futuro incerto, devido a incerteza econômica; A classe média emergente; A juventude descontente; A desigualdade entre ricos e pobres crescente; O desafio climático; Um mundo em envelhecimento; Urbanização crescente; Pessoas em movimento (mais viagens para viver, estudar ou trabalhar no exterior); Um mundo mais conectado (crescente uso da internet) e China se torna global(*).
A seguir respondo aos
questionamentos (ampliado para a postagem) que em parte já os tenho abordados
em alguns artigos postados aqui no Blog. No começo do ano passado, em uma crônica
dividida em seis partes (http://www.gramaticadomundo.com/2012/01/cronica-de-um-mundo-em-transe-1-parte.html) procurei fazer uma análise geopolítica sobre as transformações em curso no
mundo, e acredito que ela se mantém atual. Sem querer fazer previsões, minha análise
baseia-se na realidade concreta, naquilo que está acontecendo no momento
presente. O que virá dependerá das circunstâncias e das respostas que a
humanidade dará para buscar solucionar seus problemas.
"Indignados", na maioria jovens, protestam na Espanha |
R – Todas as questões
colocadas nesse estudo são reflexos da própria realidade que o mundo está
vivendo. O futuro, em qualquer circunstância é incerto, já que é uma construção
idealizada. Ele se explica pelas tendências do presente, e podemos projetá-lo
com base na própria experiência, de situações parecidas. E isso é muito comum
desde que o sistema capitalista se consolidou. Mas não necessariamente essas
previsões podem se concretizar, muito embora eu concorde que a situação atual
aponta para a direção que o estudo está indicando.
2- Como o
Brasil, Goiás/Goiânia, se insere nesse contexto previsto? Impactos locais, por
exemplo.
R – O Brasil não pode
ficar imune a, por exemplo, uma situação de agravamento da crise econômica
mundial. Já podemos sentir isso com um lento processo de industrialização, ou
como alguns economistas preferem chamar, de desindustrialização.
Isso ocorre porque o país passa a produzir menos para exportação, consequência
do desaquecimento do mercado mundial em decorrência da quebradeira da economia
de muitos países, principalmente os europeus e os EUA, que sempre foram os
principais mercados para os produtos brasileiros.
Mas há um fator
diferencial no caso brasileiro. Primeiro há um forte aquecimento econômico nas
camadas populares, e boa parte delas estão ascendendo à classe média, embora
essa classe já esteja dividida em três. Mas houve nos últimos dez anos uma
melhoria das condições de vida das pessoas mais pobres, como decorrência de
programas sociais e do aumento do salário mínimo sempre acima da inflação. Isso
possibilitou um aquecimento na economia inferior, aquela que não está
necessariamente submetida às oscilações do mercado internacional(**). Havia, e
ainda há, uma forte demanda por crescimento nessas camadas, o que manterá a
economia brasileira aquecida ainda por muito tempo e o nível de desemprego em
patamares baixíssimos. A despeito de o crescimento do PIB não ser muito
elevado, e isso se explica pelo que eu disse no primeiro parágrafo, já que a
economia superior se manterá estagnada como decorrência da crise econômica
mundial. O capitalismo deverá se reinventar, em decorrência disso.
Outra particularidade –
que afeta fortemente o Estado de Goiás – é a crescente demanda por alimentos no
mundo. Fatores diversos, como situação climática, guerras e recessão em algumas
economias, tornarão alguns países dependentes da produção de alimentos em
países da América Latina e África. O Brasil se destacará por isso, o que
agravará os problemas ambientais. Mas dará um forte impulso ao agronegócio e
ampliará a fronteira agrícola em direção aos estados do centro-norte. A
exportação de produtos agrícolas e pecuários continuará a ser nos próximos anos
a base da economia brasileira. Esses Estados, como já vem acontecendo, crescerão
acima da média nacional, mas manterá uma forte tendência, histórica, de má
distribuição da riqueza, aumentando a concentração de rendas nas mãos de
grandes produtores latifundiários e corporações transnacionais.
3- A
maior presença da China no mercado econômico mundial pode prejudicar atividades
regionais, como agronegócio, fabricação de carros (já que temos fábricas
instaladas no Estado), confecção...?
Inevitavelmente a China
seguirá ocupando o primeiro lugar dentre os países que mais venderá ao Brasil e
mais comprará produtos brasileiros, não somente pelo seu grandioso crescimento
e pelo seu imenso mercado, mas também pela crise que afeta as economias
centrais e, principalmente, os Estados Unidos, que sempre se destacou como o
país com maior relacionamento comercial com o Brasil. E a tendência é que essa
crise persista por mais de uma década. Mais uma vez a relação com Goiás estará
relacionada a questão analisada no item anterior, já que a economia do nosso
Estado baseia-se na produção de alimentos. Outra tendência que estará
relacionada á China, embora também a outros países, será a busca por adquirir
grandes quantidades de terras em Estados propícios à produção agrícola, e Goiás
estará nessa lista. Por essa razão o governo federal já está preparando uma lei
que limitará a aquisição de terras por estrangeiros. Já que essa será uma
questão de segurança nacional em pouco tempo.
É claro que mesmo se
ressentindo da crise capitalista global, a China seguirá com forte crescimento
econômico, e gradativamente assumirá a liderança em diversos setores
industriais e de novas tecnologias. Pela dimensão de seu mercado, provavelmente
ela irá definir preços em diversas áreas, como tecnologia (informática),
confecção, minério e automobilístico. A China ditará os rumos da economia
global em boa parte deste século.
4- Pode
avaliar em especial os itens sobre o envelhecimento, juventude e mundo mais conectado? Como o Brasil/Goiás, vive esse momento e o
que podemos esperar para os próximos cinco anos (mão de obra, qualificação,
manifestos, entre outros...)
O envelhecimento da
população é consequência de um estilo de vida conduzido pelos mecanismos
capitalistas. As pessoas passaram a optar por uma família menor a fim de
possibilitar uma vida mais confortável e com condições de garantir a aquisição
de produtos e mercadorias que satisfizesse uma lógica que impõe uma forte
relação entre consumo e felicidade. Além da preocupação obsessiva com o futuro
e a necessidade de sempre melhorar as condições financeiras de forma a garantir
uma boa herança para os seus filhos. A vida demonstraria uma dificuldade maior
para os que tivessem maior quantidade de filhos. A vivência nas cidades
difere substancialmente do tempo em que a população concentrava-se
majoritariamente na zona rural. Naquelas condições ter uma família grande era
condição de reforçar a capacidade produtiva. Nas cidades, muitos filhos constitui-se
em obstáculo à conquista de um estilo de vida farto e à garantia de que os
filhos prossigam com sucesso no futuro.
BBC Brasil |
Esse controle populacional, planejado ou não, trará efeitos colaterais. O envelhecimento da população é um deles, e o principal, já
que afetará a economia na medida em que o Estado terá como obrigação manter um
número crescente de aposentados. Na outra ponta, em alguns países o baixo
crescimento populacional tem trazido dificuldades na absorção de mão de obra para
alguns setores, principalmente os de baixa qualificação. Havendo necessidade de
contar com a presença de imigrantes, que passavam a realizar esse tipo de
atividade. Mas a crise econômica está mudando essa realidade, e é difícil prever o que
acontecerá caso a crise persista por mais de uma década.
A juventude é a
primeira a sentir essa dificuldade, já que as empresas buscam sempre pessoas
com experiências, tornando difícil o primeiro emprego. Por essa razão países
como a Espanha, Grécia, Portugal e Itália, dentre outros, alcançaram um
percentual de dois dígitos de desemprego entre os jovens. Na Espanha isso
atinge quase 50%. A qualificação deixa de ter tanta importância como antes, já
que os salários caem gradativamente, à medida em que a economia vai se
enfraquecendo e pessoas com boas qualificações são obrigadas a aceitar
trabalhos antes desempenhados pelos imigrantes. Resta aos jovens que saem da
universidade mudarem-se para outros países, invertendo a situação que existia
até então. E isso já está acontecendo. Países como o Brasil passam a receber um
número cada vez maior de jovens qualificados, ou recém-formados, ou em busca de
salários maiores. Na contramão, aumenta o número de jovens brasileiros que se
deslocam para o exterior a fim de fazer cursos de melhores qualidades, com o
objetivo de garantir qualificações que os façam competir com um mercado de
trabalho que se torna mais exigente nesse quesito.
BBC Brasil |
5- Outras
considerações?
Creio que falta
analisar um aspecto que tem tornado as nossas cidades mais perigosas. O aumento
do consumo de drogas, do seu comércio ilegal e o consequente fortalecimento de
gangs de traficantes e a violência que se acentua na sequência dessa realidade
perversa.
O estilo de vida nas
cidades, estressante e impositivo na lógica exigente do trabalho, empurra
principalmente os mais jovens à procura de mecanismos de escape das angústias e
dependência do tempo, sempre em busca de ganhar mais dinheiro e melhor
qualificação. O recurso ao uso de drogas consequentemente leva ao aumento do
tráfico na comercialização de uma mercadoria que é ilegal. Essa equação trás
resultados previsíveis, mas de difícil controle pelo Estado e corre-se o risco
de transformar a nossa sociedade em uma redoma baseada na vigilância permanente
e no estabelecimento de um Estado policial, com o fim da privacidade e a
desconfiança se disseminando como característica principal na relação entre as
pessoas.
O neocolonialismo deverá ser uma tendência, como resposta à crise econômica nas grandes potências |
As tendências apontadas
no estudo são fáceis de serem identificadas, embora faltem nelas essa
identificação dos problemas geopolíticos mais determinantes. Mas, enfim, elas
não dizem respeito ao futuro, que sequer existe. Elas já fazem parte do
presente e a sua consolidação é que nos leva a fazer previsões sobre o que
virá.
Claro que os rumos
poderão ser diferentes. Mas as pessoas só acreditarão que o que assistimos hoje
será diferente no futuro, se as medidas a serem adotadas nos convençam a
respeito disso. No entanto, a perdurar a lógica de funcionamento desse sistema
no qual estamos inseridos, não haverá mudança no curso dessa nossa história, e
as tendências apontadas reafirmarão e consolidarão a realidade atual, da
ampliação de uma crise que não dá sinais de arrefecimento e que tende a
tornar-se cada vez mais global. Mas o futuro é uma abstração, ele é
consequência do que transformamos no presente em realidade.
(*) Um
resumo desses dez pontos levantados pelo Euromonitor Internacional pode ser
lido no site da BBC Brasil: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/01/121220_euromonitor_tendencias_pai.shtml
. E a reportagem da qual participei, a pedido da jornalista, pode ser encontrado
no site: http://tribunadoplanalto.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=15999:vida-online-num-universo-com-mais-idosos&catid=64:comunidades&Itemid=6
(**) Conforme o historiador
francês, Fernand Braudel, em sua obra “Civilização Material, Economia e
Capitalismo” (Ed. Martins Fontes – 3 volumes), a economia capitalista divide-se
em duas partes. No patamar inferior, a economia de mercado funciona como na
concorrência tradicional, atendendo aos vários circuitos da vida cotidiana; no
patamar superior a economia verdadeiramente capitalista, baseada na acumulação
da riqueza e no monopólio determinado pelos grandes circuitos da
economia-mundo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário