domingo, 20 de janeiro de 2013

DEZ MACROTENDÊNCIAS GLOBAIS PARA OS PRÓXIMOS ANOS

Imagem: edufin.com.br

Recebi da jornalista Carla Guimarães, do jornal Tribuna do Planalto uma série de questionamentos sobre um estudo da Euromonitor Internacional: “Dez macro tendências globais para os próximos cinco anos”. São citados: Um futuro incerto, devido a incerteza econômica; A classe média emergente; A juventude descontente; A desigualdade entre ricos e pobres crescente; O desafio climático; Um mundo em envelhecimento; Urbanização crescente; Pessoas em movimento (mais viagens para viver, estudar ou trabalhar no exterior); Um mundo mais conectado (crescente uso da internet) e China se torna global(*).
A seguir respondo aos questionamentos (ampliado para a postagem) que em parte já os tenho abordados em alguns artigos postados aqui no Blog. No começo do ano passado, em uma crônica dividida em seis partes (http://www.gramaticadomundo.com/2012/01/cronica-de-um-mundo-em-transe-1-parte.html) procurei fazer uma análise geopolítica sobre as transformações em curso no mundo, e acredito que ela se mantém atual. Sem querer fazer previsões, minha análise baseia-se na realidade concreta, naquilo que está acontecendo no momento presente. O que virá dependerá das circunstâncias e das respostas que a humanidade dará para buscar solucionar seus problemas.
"Indignados", na maioria jovens,
protestam na Espanha
1- O senhor avalia que esses dez itens de fato são tendências mundiais? Acrescentaria algo mais como macro tendência não citada no estudo?
R – Todas as questões colocadas nesse estudo são reflexos da própria realidade que o mundo está vivendo. O futuro, em qualquer circunstância é incerto, já que é uma construção idealizada. Ele se explica pelas tendências do presente, e podemos projetá-lo com base na própria experiência, de situações parecidas. E isso é muito comum desde que o sistema capitalista se consolidou. Mas não necessariamente essas previsões podem se concretizar, muito embora eu concorde que a situação atual aponta para a direção que o estudo está indicando.
2- Como o Brasil, Goiás/Goiânia, se insere nesse contexto previsto? Impactos locais, por exemplo.
R – O Brasil não pode ficar imune a, por exemplo, uma situação de agravamento da crise econômica mundial. Já podemos sentir isso com um lento processo de industrialização, ou como alguns economistas preferem chamar, de desindustrialização. Isso ocorre porque o país passa a produzir menos para exportação, consequência do desaquecimento do mercado mundial em decorrência da quebradeira da economia de muitos países, principalmente os europeus e os EUA, que sempre foram os principais mercados para os produtos brasileiros.
Mas há um fator diferencial no caso brasileiro. Primeiro há um forte aquecimento econômico nas camadas populares, e boa parte delas estão ascendendo à classe média, embora essa classe já esteja dividida em três. Mas houve nos últimos dez anos uma melhoria das condições de vida das pessoas mais pobres, como decorrência de programas sociais e do aumento do salário mínimo sempre acima da inflação. Isso possibilitou um aquecimento na economia inferior, aquela que não está necessariamente submetida às oscilações do mercado internacional(**). Havia, e ainda há, uma forte demanda por crescimento nessas camadas, o que manterá a economia brasileira aquecida ainda por muito tempo e o nível de desemprego em patamares baixíssimos. A despeito de o crescimento do PIB não ser muito elevado, e isso se explica pelo que eu disse no primeiro parágrafo, já que a economia superior se manterá estagnada como decorrência da crise econômica mundial. O capitalismo deverá se reinventar, em decorrência disso.
Outra particularidade – que afeta fortemente o Estado de Goiás – é a crescente demanda por alimentos no mundo. Fatores diversos, como situação climática, guerras e recessão em algumas economias, tornarão alguns países dependentes da produção de alimentos em países da América Latina e África. O Brasil se destacará por isso, o que agravará os problemas ambientais. Mas dará um forte impulso ao agronegócio e ampliará a fronteira agrícola em direção aos estados do centro-norte. A exportação de produtos agrícolas e pecuários continuará a ser nos próximos anos a base da economia brasileira. Esses Estados, como já vem acontecendo, crescerão acima da média nacional, mas manterá uma forte tendência, histórica, de má distribuição da riqueza, aumentando a concentração de rendas nas mãos de grandes produtores latifundiários e corporações transnacionais.
3- A maior presença da China no mercado econômico mundial pode prejudicar atividades regionais, como agronegócio, fabricação de carros (já que temos fábricas instaladas no Estado), confecção...?
Inevitavelmente a China seguirá ocupando o primeiro lugar dentre os países que mais venderá ao Brasil e mais comprará produtos brasileiros, não somente pelo seu grandioso crescimento e pelo seu imenso mercado, mas também pela crise que afeta as economias centrais e, principalmente, os Estados Unidos, que sempre se destacou como o país com maior relacionamento comercial com o Brasil. E a tendência é que essa crise persista por mais de uma década. Mais uma vez a relação com Goiás estará relacionada a questão analisada no item anterior, já que a economia do nosso Estado baseia-se na produção de alimentos. Outra tendência que estará relacionada á China, embora também a outros países, será a busca por adquirir grandes quantidades de terras em Estados propícios à produção agrícola, e Goiás estará nessa lista. Por essa razão o governo federal já está preparando uma lei que limitará a aquisição de terras por estrangeiros. Já que essa será uma questão de segurança nacional em pouco tempo.
É claro que mesmo se ressentindo da crise capitalista global, a China seguirá com forte crescimento econômico, e gradativamente assumirá a liderança em diversos setores industriais e de novas tecnologias. Pela dimensão de seu mercado, provavelmente ela irá definir preços em diversas áreas, como tecnologia (informática), confecção, minério e automobilístico. A China ditará os rumos da economia global em boa parte deste século.
4- Pode avaliar em especial os itens sobre o envelhecimento, juventude e mundo mais conectado? Como o Brasil/Goiás, vive esse momento e o que podemos esperar para os próximos cinco anos (mão de obra, qualificação, manifestos, entre outros...)
O envelhecimento da população é consequência de um estilo de vida conduzido pelos mecanismos capitalistas. As pessoas passaram a optar por uma família menor a fim de possibilitar uma vida mais confortável e com condições de garantir a aquisição de produtos e mercadorias que satisfizesse uma lógica que impõe uma forte relação entre consumo e felicidade. Além da preocupação obsessiva com o futuro e a necessidade de sempre melhorar as condições financeiras de forma a garantir uma boa herança para os seus filhos. A vida demonstraria uma dificuldade maior para os que tivessem maior quantidade de filhos. A vivência nas cidades difere substancialmente do tempo em que a população concentrava-se majoritariamente na zona rural. Naquelas condições ter uma família grande era condição de reforçar a capacidade produtiva. Nas cidades, muitos filhos constitui-se em obstáculo à conquista de um estilo de vida farto e à garantia de que os filhos prossigam com sucesso no futuro.
BBC Brasil
Essa concepção se espalhou pelo mundo a partir da Europa e Estados Unidos. Na China há, forçosamente um controle de natalidade, imposto pelo Estado, em decorrência de um número elevado de habitantes. Nos países onde isso não acontece deve-se à questões religiosas, como na Índia, mas deverá ser uma tendência, à medida em que também aquele país vê sua economia crescer, situação parecida com a do Brasil.
Esse controle populacional, planejado ou não, trará efeitos colaterais. O envelhecimento da população é um deles, e o principal, já que afetará a economia na medida em que o Estado terá como obrigação manter um número crescente de aposentados. Na outra ponta, em alguns países o baixo crescimento populacional tem trazido dificuldades na absorção de mão de obra para alguns setores, principalmente os de baixa qualificação. Havendo necessidade de contar com a presença de imigrantes, que passavam a realizar esse tipo de atividade. Mas a crise econômica está mudando essa  realidade, e é difícil prever o que acontecerá caso a crise persista por mais de uma década.
A juventude é a primeira a sentir essa dificuldade, já que as empresas buscam sempre pessoas com experiências, tornando difícil o primeiro emprego. Por essa razão países como a Espanha, Grécia, Portugal e Itália, dentre outros, alcançaram um percentual de dois dígitos de desemprego entre os jovens. Na Espanha isso atinge quase 50%. A qualificação deixa de ter tanta importância como antes, já que os salários caem gradativamente, à medida em que a economia vai se enfraquecendo e pessoas com boas qualificações são obrigadas a aceitar trabalhos antes desempenhados pelos imigrantes. Resta aos jovens que saem da universidade mudarem-se para outros países, invertendo a situação que existia até então. E isso já está acontecendo. Países como o Brasil passam a receber um número cada vez maior de jovens qualificados, ou recém-formados, ou em busca de salários maiores. Na contramão, aumenta o número de jovens brasileiros que se deslocam para o exterior a fim de fazer cursos de melhores qualidades, com o objetivo de garantir qualificações que os façam competir com um mercado de trabalho que se torna mais exigente nesse quesito.
BBC Brasil
O mundo mais conectado seguirá também essa tendência, de deslocamento da importância econômica para outras regiões do mundo, levando a alteração na hegemonia mundial. Os investimentos em novas tecnologias seguem, além de um padrão, a necessidade de atingir um número considerável de pessoas, principalmente nos países com forte crescimento econômico, que ascendem socialmente. Somente nos países conhecidos pela sigla BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) concentra-se mais da metade da população mundial, e dentro deles um grande percentual encontra-se na economia inferior e agora buscam inserir-se no mercado de consumo. Além do que, novas tecnologias e a imposição midiática para os seu consumo, aliado ao setor de produção de alimentos, seguirá sendo a alternativa para se tentar driblar a crise econômica mundial.
5- Outras considerações?
Creio que falta analisar um aspecto que tem tornado as nossas cidades mais perigosas. O aumento do consumo de drogas, do seu comércio ilegal e o consequente fortalecimento de gangs de traficantes e a violência que se acentua na sequência dessa realidade perversa.
O estilo de vida nas cidades, estressante e impositivo na lógica exigente do trabalho, empurra principalmente os mais jovens à procura de mecanismos de escape das angústias e dependência do tempo, sempre em busca de ganhar mais dinheiro e melhor qualificação. O recurso ao uso de drogas consequentemente leva ao aumento do tráfico na comercialização de uma mercadoria que é ilegal. Essa equação trás resultados previsíveis, mas de difícil controle pelo Estado e corre-se o risco de transformar a nossa sociedade em uma redoma baseada na vigilância permanente e no estabelecimento de um Estado policial, com o fim da privacidade e a desconfiança se disseminando como característica principal na relação entre as pessoas.
O neocolonialismo deverá ser uma
tendência, como resposta à crise
econômica nas grandes potências
Outro aspecto a ser destacado é a alternativa sempre encontrada para sair de crises estruturais como a que atualmente atinge as maiores economias mundiais. A ampliação de conflitos regionais poderá levá-los a uma dimensão global e as potencias capitalistas seguirão encontrando pretextos, como no combate ao “terrorismo” para exercer fortes domínios sobre regiões estratégias e fundamentais para não perderem o controle da economia superior. Será corriqueiro a intromissão em disputas locais, e isso se tornará uma tendência principalmente naqueles países que possuem grandes riquezas minerais em seu subsolo e, principalmente enormes reservas de petróleo e gás. O neocolonialismo seguramente retornará á agenda internacional dos países europeus e dos Estados Unidos. É a condição de prosseguirem no jogo geopolítico sem perder suas posições hegemônicas. Líbia, Síria, e agora Mali, e, sempre a Somália, são exemplos presentes (dentre tantos outros) desse comportamento.
As tendências apontadas no estudo são fáceis de serem identificadas, embora faltem nelas essa identificação dos problemas geopolíticos mais determinantes. Mas, enfim, elas não dizem respeito ao futuro, que sequer existe. Elas já fazem parte do presente e a sua consolidação é que nos leva a fazer previsões sobre o que virá.
Claro que os rumos poderão ser diferentes. Mas as pessoas só acreditarão que o que assistimos hoje será diferente no futuro, se as medidas a serem adotadas nos convençam a respeito disso. No entanto, a perdurar a lógica de funcionamento desse sistema no qual estamos inseridos, não haverá mudança no curso dessa nossa história, e as tendências apontadas reafirmarão e consolidarão a realidade atual, da ampliação de uma crise que não dá sinais de arrefecimento e que tende a tornar-se cada vez mais global. Mas o futuro é uma abstração, ele é consequência do que transformamos no presente em realidade.



(*) Um resumo desses dez pontos levantados pelo Euromonitor Internacional pode ser lido no site da BBC Brasil: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/01/121220_euromonitor_tendencias_pai.shtml . E a reportagem da qual participei, a pedido da jornalista, pode ser encontrado no site: http://tribunadoplanalto.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=15999:vida-online-num-universo-com-mais-idosos&catid=64:comunidades&Itemid=6
(**) Conforme o historiador francês, Fernand Braudel, em sua obra “Civilização Material, Economia e Capitalismo” (Ed. Martins Fontes – 3 volumes), a economia capitalista divide-se em duas partes. No patamar inferior, a economia de mercado funciona como na concorrência tradicional, atendendo aos vários circuitos da vida cotidiana; no patamar superior a economia verdadeiramente capitalista, baseada na acumulação da riqueza e no monopólio determinado pelos grandes circuitos da economia-mundo. 

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