“Quem já passou por essa vida e não viveu
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu
Porque a vida só se dá pra quem se deu
Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu”
Vinicius de Moraes – “Como dizia o Poeta”
Quem de nós não chegou a certo tempo de sua vida e não precisou olhar para trás, a fim de poder refletir sobre o presente e indagar o que pode reservar o futuro? São momentos em que precisamos tomar decisões que são baseadas em múltiplas complexidades vividas no presente, verdadeiros turbilhões de sensações e sentimentos que afetam e alteram nossas vidas. Quase sempre, nessas circunstâncias o impulso de todos é olhar para o futuro, diz-se sempre que “é preciso olhar para frente”. A meu ver um equívoco. O futuro é uma construção, ele existirá de conformidade com as decisões que tomarmos no presente.
Há uma música belíssima, de Paulinho da Viola, em cuja frase ele sintetiza esses elementos que para mim são fundamentais para a construção que pretendo fazer nessa crônica: “meu pai sempre me dizia, meu filho tome cuidado, quando eu penso no futuro, não esqueço o meu passado” (Dança da Solidão).
Reencontro de amigos, velhos militantes da política e do movimento estudantil nos anos 1980 (VIRAÇÃO) |
Vivi momentos intensos em minha vida. Às vezes por impulso, influenciado por amigos (bons amigos, razão pela qual não me arrependo de suas influências), e ressalto que uma das qualidades que me orgulho é de sempre ter escolhido bons amigos.
Assembléia de estudantes, na Praça Universitária (1981 |
Mas, depois de 30 anos de militância política, sempre num mesmo partido, e diante das circunstâncias criadas pelas complexidades da vida, algumas naturais, outras porque nós mesmos as complicamos, pelas escolhas que fazemos, algumas dúvidas e questionamentos se avolumam e nos deixam em permanente conflito. Isso nos leva a tomar posição. Algo que, como eu disse anteriormente, jamais deixei de fazer.
Encontro de Viração em Maceió (AL) |
Mas desde algum tempo tenho sido fortemente influenciado por um dos maiores intelecuais brasileiros, que aprendi a admirar quando passei a ter contato com o mundo dos geógrafos, Milton Santos. Sempre me martelou uma de suas frases para mim mais significativas na definição da intelectualidade, dentre tantas outras: “Ser intelectual é exercer diariamente rebeldia contra conceitos assentados, tornados respeitáveis, mas falsos. É, também, aceitar o papel de criador e propagador do desassossego e o papel de produtor do escândalo, se necessário” (Revista Adusp, outubro de 1997).
Não que eu queira me incluir arbitrariamente como intelectual, mas acredito freqüentar esse ambiente formador dessas definições, e exercer eventualmente determinadas situações que podem me condicionar para tal, independente do grau de qualificação que me seja dado.
É assim, então, seguindo os exemplos de Milton Santos, que pretendo me posicionar. Sem jamais abdicar de meus posicionamentos ideológicos, forjados após anos de militância marxista, que encontra na dialética e no materialismo as respostas para o entendimento do mundo e da complexidade que o forma e o cerca.
Uma das minhas prisões. Em 1981, na greve geral dos estudantes, puxada pela UNE |
Mas nossos destinos não são traçados apenas por decisões políticas. Talvez mais complexas do que essas são as que construímos em nossas relações pessoais, mas também igualmente carregadas de contradições. E as alterações desses rumos são muito mais complicadas e não dependem de simples escolhas, de qual o caminho temos de seguir quando nos deparamos em uma encruzilhada.
Aqui as decisões dependem muito de uma série de fatores, e quaisquer que sejam elas possibilitam desencadear uma infinidade de conseqüências porque enredam nossas vidas em tantas outras. Vividas desde o passado, construídas por paixões, amizades, amores possíveis e impossíveis. Mas envolvem valores culturais, tradições e rotinas que estabelecemos ao longo de décadas em que formamos nossos ambientes familiares, ou dos quais não pudemos nos afastar muito.
Com minha filha Carol e minha sobrinha Ana Clara na festa de Viração (2007) |
Mas, conta-se na vida também não somente as partidas. Mas ao seguirmos em frente, apesar das adversidades, das frustrações, dos momentos depressivos pela perda de um filho, nossas vidas vão adiante, em ritmos e sensações diferentes. Mas o universo ao nosso redor não muda tanto quanto sentimos intimamente. Nossos amigos, as pessoas que nos cercam e convivem conosco a rotina de um cotidiano do qual não podemos sempre fugir, seguem nos observando com olhares sutis, companheiros, às vezes, dependendo da sensibilidade de cada um, com carinho e admiração diante do enfrentamento de determinada tragédia.
As pessoas têm olhares diferentes para o mundo. Às vezes não têm sequer dimensão do que acontece ao seu redor. Algumas se entregam ao sobrenatural, às crenças jamais improváveis, mas cuja fé as deixam plenamente cientes de que não há fantasia, há realidade. Confunde-se, então, o irreal com o real, e transpõe-se para um mundo distante daquele que o cerca.
Há, contudo, outras pessoas, cujos sentimentos são plenamente incorporados de amor e carinho, e transferem isso muitas vezes para quem luta, sofregamente, por sobreviver após tragédias que alteram não somente vidas, mas também individualmente, pessoas.
Em evento na UFG, ao lado do colega, amigo e poeta, Eguimar Felício |
Busquei no ambiente do meu trabalho, seja com alunos ou colegas, suportar todos esses conflitos gerados pela perda de minha filha. Tornei-me mais tolerante na relação com meus “discípulos”, para usar uma expressão muito comum na época de Karl Marx. Procurei compreender as dificuldades que cada um de meus alunos carrega, porque são seres humanos, e tanto quanto no meu caso, sujeitos a se depararem com momentos de conflitos e sofrimentos. Mas, mesmo nos momentos mais difíceis em que vivi, sem jamais abdicar da seriedade e responsabilidade que me é dado como mestre.
Em alguns casos, no entanto, as relações confundem-se, da amizade para sentimentos mais complexos, embora carregados de nobreza, e muitas vezes nos colocam frente à dilemas que não dizem respeito somente às nossas escolhas, ou à decisões individuais, mas afetam sentimentos fortes, paixões, que mexem com nossas rotinas e maneiras de ser e viver. Põem-nos diante de muros, muralhas, que transpô-las pode significar surpresas às vezes indigestas, ou quem sabe, não, mas indecifráveis.
Os sofrimentos, ou sacrifícios, fazem parte da cultura judaico-cristâ. Assim se conta a história dos mitos que definiram a maneira de ser do mundo ocidental. Por isso o sofrimento atrai as pessoas e estimulam sentimentos de compaixão e solidariedade. Assim, nos tornamos reféns de nossas próprias tragédias, e muitas vezes não sabemos discernir quando nos confrontamos com determinadas situações em que paixões e compaixões confundem-se, ou nós mesmos confundimos porque não sabemos identificá-las.
E, fragilizados, diante das circunstâncias que nos cercam e tornam nosso futuro indecifrável, sucumbimos às sensações motivadas por amores e carinhos determinados por essas identidades. Mas isso muitas vezes nos coloca diante de outra encruzilhada. Já não se trata de uma escolha política, mas de uma decisão movida tanto pela racionalidade como também pelo coração. São razão e emoção, definindo as escolhas que selam nosso destino.
Cabe-nos então, retornar às questões postas no início dessa crônica, e relembrar a frase de Paulinho da Viola, “não vivo do passado, o passado vive em mim”. Isso torna difícil qualquer escolha que queiramos fazer, porque representaria retirar o passado de dentro de nós, e dificultaria a definição sobre qual caminho devemos seguir nessa encruzilhada que, permanentemente, a vida prepara para cada um de nós.
Por fim, uma dúvida que surgiu no decorrer da elaboração desse texto. Acredito ou não no destino? Para mim o destino é o acaso. Portanto, considero natural que o acaso seja considerado quando pensamos na maneira como nossa vida vai sendo delineada.
Paulinho da Viola - DVD "Meu Tempo é Hoje" |
Temos nossas escolhas, inegavelmente. Mas a vida, às vezes, prepara armadilhas das quais temos dificuldades de nos desvencilharmos. Aí, nesse embate entre razão e emoção, podemos sucumbir ao destino, ou ao acaso, que a vida nos reserva, e perdemos a condição de traçá-lo. Somos carregados por ele.
Para finalizar, ainda inspirado em Paulinho da Viola, cito uma frase de uma belíssima música dele, como tantas outras, para resumir essa relação com o destino: “Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar”.
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(*) Reedito esse artigo que publiquei no final de 2010. O que naquele momento era uma tendência, uma decisão que eu alimentava e que decidira aplicá-la pouco a pouco, reafirmo agora e busco completar um ciclo de minha vida. Como digo em algumas frases, mantendo-me ligado àquelas idéias e concepções que guiaram minha vida nas últimas trés décadas e às quais nunca reneguei. Apenas deixo para o meu filho o legado da militância política e da escolha por caminhos que sempre considerei os mais justos e corretos, razão pela qual jamais me arrependi. Por isso tenho sempre como meu mestre o historiador britânico, recentemente falecido, Eric Hobsbawm.
Dedico-me agora a finalizar um doutorado, por várias vezes adiado, ou por decisões políticas, ou por obra do acaso, em momentos de fatalidades que alteraram os rumos de minha vida. Algumas vezes agimos motivados pelo destino, por outras são nossas decisões racionais, nesse momento as duas coisas se uniram para que, na encruzilhada da vida, eu decidisse pelo caminho a tomar. Afinal, como dizia o poeta (se não me engano Thiago de Melo): "Quem sabe onde quer chegar, escolhe o caminho certo e o jeito de caminhar".
Caro professor, acompanho seus textos desde o ano passado, mas este ficou especial.
ResponderExcluirTudo, tudo tem uma história, isso que você está chamando de passado.
O que fazemos com a nossa história é o que nos torna quem somos.
Ainda bem que você é professor, agradeço a oportunidade de compartilhar dessas leituras.
Maria Ester
Maria Ester, o prazer é todo meu por poder ler comentários como o seu. Obrigado e um abraço.
ExcluirGrande amigo Romualdo, apesar de distante também acompanho a sua bela "gramática " do mundo! Feliz 2013 para você sua família ; e que na medida de nossas limitações impostas pela vida consigamos continuar guiando nossas vidas e acreditar ainda em um novo mundo melhor para todos!
ResponderExcluirCaro amigo Heder, obrigado por me acompanhar nesses desabafos virtuais. Mas ao mesmo tempo procuro também contribuir com a construção do futuro, agora como blogueiro a confrontar a grande mídia. Apesar de tudo, acredito que um outro mundo (melhor) é possível. Um grande abraço, é um prazer tê-lo como amigo. Muito sucesso em 2013 também para você e família.
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