sábado, 8 de dezembro de 2012

NÃO SEI PORQUE VOCÊ SE FOI...

 ...tantas saudades eu senti, e de tristeza vou vivendo, aquele adeus não pude dar...”. (TIM MAIA)


A música é uma das melhores maneiras de aplacarmos nossos sentimentos, de marcarmos nossas saudades, de chorarmos nossas perdas, tanto quanto nossas alegrias e felicidades. Infelizmente, nos lembramos aqui de uma enorme perda. Como diz Chico Buarque também em uma de suas músicas, um pedaço de nós que se foi.
Quando escrevemos em memória de alguém, queremos marcar para sempre, não somente em pensamentos, mas em mensagens, um pouco da imensidão do que essa pessoa representou para nós. A mensagem que escrevi da minha pequena Carol, lida em sua missa de sétimo dia, carrega um turbilhão de emoções, foi redigida aos poucos em meio a soluços convulsivos, diante do sentimento profundo de uma perda tão precoce. Escrita por mim, com a colaboração de sua mãe e do irmão, é também um desabafo. Procurei por trás de cada palavra transmitir não somente um sentimento de saudade, mas de revolta. Não é uma revolta direcionada contra quem quer que seja, já que falamos de fatalidade, mas por não podermos encontrar explicações para um acaso tão perverso. Afinal crianças não deveriam morrer, muito menos antes de seus pais.
É difícil dimensionar a crueldade da maneira como se morre, pois morrer é sempre uma verdade dolorida e por nós inaceitável, mas independente da forma, a crueldade está em vermos um filho ou filha morrer. Não importa como, e mesmo sabendo que na vida morremos sempre lentamente, perder um filho é ver morrer um pedaço de seu corpo, de sua vida. Precisamente aquela parte de você que carrega o futuro. Sim, nossos filhos representam para nós o futuro, a perpetuação de nossa ancestralidade, a riqueza de nossos genes. Quando os perdemos a sensação é de que o futuro deixa de ter sentido.
Não somos senhores absolutos de nossos destinos, e não podemos estabelecer prazos de existências para nossas vidas. Seguimos em frente, mas não mais como antes, nos entristecemos, perdemos parte importante de nossa vontade de viver olhando adiante e não nos conformamos. Não acho que devamos nos conformar com a morte. Aceitá-la, por sua inevitabilidade, sim, mas temos sentimentos, sensibilidades, e a busca etérea por uma justificativa que vise a aceitação conformista da perda de um ente querido não me satisfaz. Prefiro sofrer com a tristeza e a revolta da perda irreparável. Entendo a complexidade que é a vida, e a permanente presença da morte, mas do fundo da minha tristeza e emoção – e isso é o que nos diferencia na natureza como humanos – creio que não devemos “aceitar” a perda de pessoas queridas, muito menos de nossos filhos. Mesmo com a presença de meu filho e de minha esposa, aos quais tenho um amor imensurável, sinto em mim uma mudança muito grande como conseqüência da ausência da minha filha. E isso se traduz na redução da minha motivação, de meu ânimo, da minha alegria. Creio que isso vai me acompanhar para o resto de minha vida, muito embora a intensidade disso vá diminuindo. Mas jamais vai acabar. Dependendo das circunstâncias, e em determinadas datas, saudade e dor sempre reforçarão a angústia por tê-la ausente para sempre, embora presente nas lembranças.
A Carol foi vítima de uma doença cruel: Leucemia Mielomonocítica Juvenil. Mas seu diagnóstico definitivo só foi conhecido no dia em que ela não suportou o sofrimento na UTI e não sobreviveu a uma insuficiência respiratória causada por constantes sangramentos. Tendo sido internada três dias antes, seu quadro clínico complicou-se aceleradamente, tempo insuficiente para atender as respostas de uma bateria de exames exigidos para se conhecer as causas das debilidades sanguíneas que ela sofria. Em 13 de dezembro de 2007 nós perdemos para sempre a nossa querida filha.
Quatro meses antes (ela ficara internada por 10 dias), quando se constatou um quadro virótico, e a presença de dois vírus agindo em seus órgãos (vírus de Epstein-Barr - mononucleose infecciosa e parvovírus - parvovirose), não foi possível identificar a Leucemia. Soubemos depois tratar-se de um tipo raro de Leucemia, principalmente tratando-se da idade de Ana Carolina. As leituras que temos feito sobre essa doença indicam que encontraríamos muitas dificuldades no tratamento caso Carol houvesse sobrevivido. São poucos os casos dessa doença, e menor ainda o número daqueles pacientes que tiveram uma sobrevida superior a um ano.
Não sei se poderíamos ter corrigido o rumo de nossas ações até esse desfecho trágico. Sei que fizemos o possível para não perdermos nossa pequena, mas sempre fica a sensação de que poderia ter sido feito algo mais, ou de ter tido uma firmeza maior para questionar determinados procedimentos médicos que às vezes julgamos equivocados. Como por exemplo, o diagnóstico de pneumonia e o uso de antibiótico quando na verdade a doença Leucemia já se manifestava, na segunda internação. Ou, quando na primeira internação a identificação de vírus em seu organismo terminou por impedir a continuidade dos exames para identificar uma possível Leucemia. Talvez ela não sobrevivesse ao tratamento dessa doença, pois, como já disse, são raros os casos que não terminaram em morte, mesmo em alguns casos com transplante da medula, neste caso por rejeição. Mas, embora seja cruel também não pensar no sofrimento dela, preferiríamos ter lutado ao máximo de nossas forças e possibilidades e nos agarrarmos ao último fio de esperança que pudesse nos indicar uma salvação naquele momento para nossa filha. Entretanto, tenho evitado pensar muito nessas questões que acabo de manifestar, pois se trata do imponderável, e não podemos reverter o tempo e retornar ao passado, infelizmente. Aliás, tendo apagar até mesmo as últimas imagens dela na UTI, mesmo às vezes isso sendo inevitável. Lutamos por manter presente sua imagem alegre e sorridente.
Quaisquer que sejam as causas que levam à morte de nossos filhos, jamais aceitamos tamanha perda. Não importa se lentamente ou de forma fulminante a morte tira de nós entes queridos, e, se filhos, pedaços de nossos corpos, partes de nossas vidas. Se o futuro para nós já é uma incógnita, perder um filho, que para os pais representam a continuidade de suas riquezas genéticas, como bem pontuou Darwin, significa bloquear em nós a visão de futuro.
Como fazem os revolucionários, acreditamos que devemos sempre lutar até o limite de nossas possibilidades para alcançarmos nossos objetivos. Lutar, mesmo que com sofrimentos, nos dá a sensação de podermos alcançar o auge de nossas forças, conjuntamente, para tentarmos prorrogar aquilo que o destino inevitavelmente consumará um dia, pois tudo chega a um fim, mas certos de estarmos seguindo em cada momento um caminho que nos conduzirá a um futuro melhor. Não nos entregarmos à fatalidade nos anima mais a sermos protagonistas de nossos destinos, apesar de que algum dia a morte inevitavelmente se apresentará para ceifar nossas vidas.
Contudo, a perda repentina, nos deixa uma sensação de impotência. O que torna mais difícil a aceitação da morte como fatalidade, ao invés de vê-la como parte do ciclo da vida. Isso se agrava quando pais se debruçam sobre o corpo sem vida de uma filha. Mas, queiramos ou não a morte da pequena Carol foi uma fatalidade e dizer se aceitamos é irrelevante, pois nada irá trazê-la de volta. Assim, seguimos nosso caminho, reformulando nossa rotina e deixando na lembrança, alegres momentos de uma criança que parecia sentir que seu tempo era curto, porque procurou viver sempre intensamente, fazendo questão de marcar sua presença de maneira impositiva em nossas vidas.
Lembrarei sempre dela cotidianamente, mas de maneira especial quando ouvir uma música de Caetano Veloso, que desde o berço cantei para ela, e se tornou quase que o “hino da Carol”. Até ela própria dizia sempre que a ouvia: “pai, é a minha música”.  Para mim o que a música diz representava bem o seu jeito de ser: “Linda, e sabe viver, você é linda sim. Onda do mar do amor que bateu em mim...”.
Até breve, minha filha. Aguarde-me na eternidade, pois aqui em vida a terei para sempre em cada momento que me resta.

Um comentário:

  1. lendo aqui sua historia de vida mae!! tao parecida com a minha, e é sempre tão dificil aceitar as perdas em nossa vida, doi muito não é mesmo? hoje resolvi ler historias de pessoas que sente a mesma coisa que eu.. por que hoje senti tanta saudade de meus filhos gemeos fazendo 3 anos que eles partiram e doi tanto saber que nao estao aqui mais.. mais espero ve-los na eternidade...e sempre os terei em meu coraçao eos melhores momentos que vivemos juntos... bom dia e Deus te abençoe

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