É interessante observar "o problema das
drogas", nessas várias discussões que vão surgindo, sociológicas (a
violência que se segue a elas) ou geopolíticas (pela dimensão que ela toma para
além das fronteiras nacionais). Há uma absoluta ausência de abordagem sobre a
forte demanda existente hoje no mercado de drogas. Não se vê uma vírgula, por
exemplo, sobre para quem serve todo esse aparato industrial. Pois vou aqui ter
a coragem de falar claro e botar o dedo na ferida.
É evidente que isso é um comércio, ele enriquece
o traficante e o chefe do tráfico, mas quem é o consumidor desse produto? Para
onde vão as drogas que transformam, por exemplo, o México em um verdadeiro
inferno? O maior mercado é ali ao lado, os EUA. Quem usufrui dessa droga? Se o
crack se espalha por entre a classe média e a periferia das grandes cidades e
avança celeremente para as médias e pequenas, no Brasil, nos grandes centros
urbanos (São Paulo, Rio de Janeiro... Goiânia, etc.), e em outros países, da
Avenida Paulista a Wall Street, é a elite que consome a cocaína, pura e de
qualidade, paga a preço de ouro.
É a lógica do sistema capitalista, existe uma
mercadoria disputadíssima porque há um mercado consumidor fortíssimo. No meio
de muitas manifestações contra os crimes do tráfico existe um enorme
contingente de pessoas, de todas as camadas (no uso de drogas baratas) e das
classes médias e da elite (no uso de cocaína pura, refinada) que se dedicam em
seus horários de "lazer", e até nos intervalos do trabalho, a usar e
abusar do consumo dessas drogas que são uma das causas principais do crime
organizado. Incluindo as chamadas drogas “sintéticas”. Isso não é só alegoria
de filme, é fato.
Nas baladas e nas festinhas "raves", ou
em qualquer uma dessas festas, organizadas inclusive por setores engajados, nas
torcidas organizadas de futebol, permeia o uso descontrolado de todo o tipo de
drogas, contrabandeadas por essas quadrilhas que infernizam a sociedade. Aí se
dá a iniciação. Inclusive em baladas em boates ou festas universitárias.
Enfim, a quem serve essas drogas? Quem se
beneficia delas? Quem consome esse produto do crime? Acho que seria mais
honesto se começássemos a colocar o dedo nessa ferida e parar com hipocrisia de
somente atacar o Estado.
Numa paráfrase
maldosa, possível de ser criticado por isso, ouçamos o Coronel Nascimento, do
filme Tropa de Elite: O Sistema é f...!
Mas aqui eu me refiro a outro sistema, em sua
totalidade. Contudo, os viciados, mesmo culpando o sistema, são em última
medida os consumidores desse produto. Onde eles estão, enfim?
É preciso usar
a acidez na crítica, pois é muito fácil fazer análise sociológica de tal
problema e ver o inferno por todos os lados, diabos e demônios. O Estado, a
polícia, os políticos. O viciado não é somente vítima. Ele é um agente ativo de
uma lógica sistêmica que se fundamenta em drogar e prostituir a juventude, e de
uma sociedade hipócrita que faz um discurso e esconde-se em outra prática, onde
tudo é permitido porque se faz em nome da liberdade.
O sistema é f...! Ou você serve a ele ou se opõe
a ele. Se drogar e ser revolucionário é incompatível. Combater o traficante e
santificar o viciado também não dá. É certo que depois de viciado o indivíduo
torna-se "doente", mas DOENTE É O SISTEMA! E uma doença crônica, sem
cura.
É possível que um colega ao lado possa ser
viciado. É lamentável, mas ele financia o tráfico. É tão responsável quanto o
Estado que não o combate. Não podemos deixar de apoiá-lo e ajudá-lo se
precisar, mas vai continuar sendo culpado até se livrar do vício e ele vai terminar atraindo o traficante para o convívio dos seus, e para perto de você. Combater isso, e ajudá-lo, sabemos que não é fácil, depende de uma decisão própria. Mas, na medida em que se tornou viciado ele é culpado e vítima
ao mesmo tempo.
É uma roda
viva. Como romper isso? O crack está aí, a destruir vidas, e as pessoas a se acostumarem a andar nas ruas por entre corpos irreconhecíveis, de zumbis que deixaram de ser vistos como humanos, mas são pessoas que tem famílias. E é um cotidiano, uma rotina, que já não sensibiliza mais
Então, deduz-se que, somente combater o traficante
não é suficiente. O tráfico jamais vai acabar enquanto houver demanda. Como
dentro da lógica capitalista o que acontece depois de uma mega-operação dessas
feitas pelas forças de segurança é que o preço desses produtos será alterado,
por tornarem-se mais escassos, e terem a quantidade posta no mercado reduzida, e haverá uma migração dos traficantes para outros crimes, a fim de "recuperarem" o dinheiro que foi "perdido".
A cocaína, pura e de “qualidade” terá o seu preço elevado. É ela quem garante o maior lucro à essa poderosíssima indústria criminosa. Assim como a
heroína e as drogas sintéticas que são distribuídas nas boates sofisticadas das
grandes cidades.
São mercadorias disputadas por um público ávido
de sensação de prazer e de liberdade que não consegue obter no seu cotidiano
estressante. Que mantêm e banca esse mercado ilícito, como assim ocorre na
prostituição e no contrabando de armas, tessituras de uma mesma rede criminosa.
É necessário enfatizar, isso se mantém forte também como decorrência da
corrupção que contamina a polícia. E não somente aqui no Brasil, mas no México,
Estados Unidos e qualquer outro país que esteja dominado pelo alto consumo de
drogas, e cujo combate seja praticamente repressivo. A política de combate ao tráfico de drogas está absolutamente falida, e está consumida pela corrupção e do uso geopolítico de potências hegemônicas que desejam desestabilizar governos hostis a elas. Creio que se torna necessário discutir a possibilidade de legalização do uso das drogas mais leves, que possam assim ser controladas, principalmente a maconha. Não vão deixar de ser mercadorias, mas não se pode lidar com isso somente por meio mecanismos que formam criminosos. Descriminalizar alguns usos, é caminho para diminuir o banditismo que se beneficia dessa situação. Mas o melhor é não cair em tentação, e fugir da experimentação.
Não quero
simplesmente culpar pessoas consumidoras de drogas, mas é inegável que elas
são instrumentos dessa lógica que movimenta os subterrâneos do sistema capitalista. Nesse
submundo juntam-se desde o alto executivo, a mais destacada celebridade, um
indivíduo qualquer, ao narcotraficante. Cada um tem a mercadoria que o outro
precisa: o dinheiro e a droga!
E assim, ficamos a correr atrás da própria
sombra.
(*)
Esse artigo foi escrito originalmente em dezembro de 2010, logo após as ações
policiais que terminou com a ocupação do Morro do Alemão, no Rio de Janeiro,
pelas tropas de segurança e deu seguimento ás instalações das UPPs (Unidades de
Polícia Pacificadoras). Que não foram suficientes para eliminar o comércio de
drogas, somente garantiu a retomada de territórios sob controle de quadrilhas
de traficantes fortes e bem armadas. Fiz uma adaptação ao texto, já que esse é
um assunto recorrente, e agora, mais uma vez, São Paulo é o território onde se
desencadeia uma nova guerra com atores semelhantes.
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