COMO
PEQUENOS GRUPOS SECTÁRIOS PODEM COMANDAR MULTIDÕES
Eu já escrevi dois textos aqui
neste blog, descrevendo comportamentos sectários e intolerantes, e analisando a
maneira como pequenos grupos radicalizam em seus discursos e nos comportamentos
agressivos.
No primeiro deles - https://gramaticadomundo.blogspot.com/2012/03/as-origens-da-intolerancia-e-o-fascismo.html - sobre a intolerância religiosa, o meu foco é como a visão dogmática transmitida
pela maioria das religiões, impõe certos comportamentos que desqualificam o
outro e desrespeitam os que pensam e agem diferente daquilo que é ditado em
suas igrejas.
No segundo - https://gramaticadomundo.blogspot.com/2012/07/o-ovo-da-serpente.html - analiso a intolerância sob outro viés, e abordo a maneira como esse
comportamento está presente nas redes sociais, principalmente em grupos que são
criados para aglutinar um grande número de seguidores em uma comunidade
específica. Fiz uma junção disso com as manifestações que têm reunido multidões
por vários continentes, mas que carregam consigo uma característica
interessante: abdicam da presença de partidos ou de entidades sociais. Nas
redes e na multidão, cada um imagina ser todos, e, assim, tentam pela força
impor sua concepção, sua visão de mundo, sua “verdade absoluta”. A maneira
agressiva e desrespeitosa torna-se uma marca, porque assim se consegue
intimidar seus opositores, ou silenciam aqueles que não têm por hábito ir para
um enfrentamento político. O silêncio transforma-se em aceitação de comportamentos
violentos e intolerantes.
Nos dois casos minha intenção era
fazer uma relação com o surgimento do fascismo, e ir mais além. Na verdade esses
comportamentos que analiso são responsáveis por levarem eventualmente ao comando
segmentos que carregam um forte traço de autoritarismo, se impõe pela
agressividade e, consequentemente pelo medo, e pela desinformação que é comum
na maioria das pessoas. Quando em determinado momento a insatisfação se espalha
em um lugarejo, cidade, ou em uma comunidade, o discurso radical, sectário e a
criação de expectativas falsas, mediantes propostas mirabolantes, se impõe. O
controle será mantido a partir de alguns elementos comuns a sociedades que se
guiam por esses padrões autoritários: manipulação da informação, desqualificação
das propostas alternativas, reduzindo-as a meras tentativas conciliatórias; agressão
a adversários de forma a intimidá-los e fazê-los desistir de prosseguir no
embate. E acima de tudo, a virulência nos seus comportamentos.
Mas há um elemento principal a conduzir
tudo isso, a necessidade de convencer as pessoas de que tudo está sendo feito
seguindo-se a ordem democrática. A democracia, desde que a burguesia soube
encontrar nesse mecanismo um instrumento de controle da sociedade, passou
também a servir pequenos grupos. Dessa maneira, em nome da democracia, uma
multidão, ou uma sociedade, torna-se refém daqueles que dizem conduzi-los em
nome da maioria (quanto a isso escrevi outro artigo: https://gramaticadomundo.blogspot.com/2012/07/como-iludir-o-povo-com-slogan-de.html Para isso, constrói-se uma estrutura uniforme, coesa, verticalizada, e
elegem-se representantes mediante uma ordem estatutária, pela qual a maioria que
se visa não é a da totalidade representada, mas dos que se apresentam em
determinados momentos, nas chamadas assembleias “representativas”.
Paquidermicamente, a comunidade
queda-se parcimoniosa, e aceita ser representada por “lideranças” eleitas pela
maioria em meio a uma minoria, em nome de todos e de todas. Melhor não querer
entender toda essa matemática “democrática”. Mas o certo é que isso é
consequência da abdicação que cada um faz, nessa comunidade, em participar. Aceita-se
o jogo, embora dele não participe, senão na condição de um mero espectador. À
distância, realizando outros afazeres, além daqueles que a “greve” não permite.
Há uma esperança, vã, de que a
radicalidade seja o caminho para aumentos mais robustos. Como todos querem,
naturalmente, e, em alguns casos, como dos professores, o que é plenamente
justo. Assim, entregues à boutade de in-trépidos e virulentos “comandantes”, o
destino passa a ser conduzido de forma dirigida, por essas pessoas
“combativas”. São os senhores absolutos do destino, e ai dos que divergirem de
seus “encaminhamentos revolucionários”. Agem como Dom Quixotes, a dilacerar os
dragões em uma guerra que é vista somente aos seus olhos. São moinhos,
estúpidos!
Mas, essa aventura surreal chegou a
um fim. Esperado, por quem estava vivendo no mundo real. Sem querer ser mais
realista do que o rei, mas reconhecendo que nesse caso, um esforço pequeno em
nossos neurônios seria suficiente para perceber a estupidez que estava a nos
dirigir, escrevi também um texto criticando a estratégia “burra”, a teimosia
latente e o aparelhamento de uma vontade, em benefício de uma “birra”
política em meio a uma disputa sindical: https://gramaticadomundo.blogspot.com/2012/08/a-greve-nas-universidades-nenhuma.html.
ROMPENDO
COM A ANDES, CONSTRUINDO UMA NOVA ALTERNATIVA
Por causa desses comportamentos,
que já se estendem por décadas, foi que houve um rompimento dentro do movimento
docente. Era impossível conviver com o sectarismo da direção da Associação
Nacional dos Docentes, Andes, muito mais preparada para fazer greves que tinham
objetivos de derrubar governos e reproduzir programas partidários em suas
teses, de grupos cujas propostas caem em descrédito entre aqueles que as leem,
mas tornam-se bandeiras aceitas entre professores universitários. Parece um
paradoxo, já que a maioria da comunidade universitária está bem distante de
adotar a defesa de alguma bandeira esquerdista. Nesse ponto retorno ao que já
escrevi parágrafos acima. Essas teses e propostas não são lidas, e os
professores se limitam a acreditar que a radicalização será o caminho para
“dobrar” o governo, e abdicam de questionar o comportamento adotado pelos
grupos que estão na condução do movimento.
Assim, vários professores que faziam
parte de muitas Associações de Docentes, deram um basta a essa situação. A
máquina construída em torno da Andes, para manter essa política em vigor era
difícil de ser vencida. Começando pela quantidade de professores necessários
para compor uma chapa que pudesse concorrer às eleições: mais de 60. Além do
controle exercido sobre a maioria das associações, cujo poder sempre foi
segurado à custa desse “cheque em branco” concedido pela ausência dos
professores dos órgãos decisórios, e do forte aparelhamento a uma única linha
ideológica.
A consequência foi a criação do
Fórum de Professores das Instituições Federais de Ensino Superior (PROIFES),
surgida como um embrião de uma futura federação dos professores, vista como o
mecanismo ideal e mais democrático de estruturação de uma entidade que nos
representasse de forma mais plural, abrangendo professores com concepções
diversas, refletindo assim a composição da própria universidade.
A ênfase principal se daria sobre a
necessidade de se buscar por todos os caminhos, desde a pressão até a
articulação política via parlamentares, uma mesa de negociação com ministérios
responsáveis por definir nossos destinos enquanto servidores públicos federais:
o Ministério da Educação e o Ministério do Planejamento e Gestão.
Partia-se do pressuposto que
somente dessa forma seria possível corrigir as distorções em nossas carreiras,
e que os embates sectários e de radicalidade artificializada somente
atrapalhavam as nossas negociações. Afinal, pudemos viver nos últimos anos com
governos que, se não cedem em tudo que reivindicamos pelo menos se abrem a
negociação e mantém canais de diálogos que têm sido explorados. Foi assim que
conquistamos mais degraus em nossa carreira. Embora nem tudo seja perfeito, e
alguns comportamentos mais excessivamente conciliatórios devam ser contidos.
Foi possível ver, com a criação do
Proifes, e mais recentemente da Federação dos Professores nas IFES, o quanto as
propostas apresentadas pela Andes eram, além de irreais, profundamente nocivas
para uma carreira docente que deve se pautar, principalmente, pela valorização
daqueles que se dedicam permanentemente por sua qualificação.
Porcentuais mirabolantes,
claramente inaceitáveis pelos governos, vistos que os impactos momentâneos nas
leis de diretrizes orçamentários seriam extremamente elevados, e propostas de
carreiras absolutamente retrógradas, mirando na valorização maior das camadas
de menor qualificação e nos que não se dedicam exclusivamente à universidade.
Numa completa inversão da lógica que tem conduzido a universidade brasileira
nos últimos anos, e tudo que se espera em uma instituição que aposte cada vez
mais na qualificação de seus profissionais. Essa sempre foi a proposta da Andes
para a universidade brasileira.
Professores em Brasília. A UFG está mesmo morta, como faz crer alguns? (Foto publicada na revista Veja, para atacar a Universidade) |
É natural imaginar que em uma
universidade, cuja maioria de seus professores atualmente encontra-se na
condição de adjunto e associado, portanto já com doutorados, rejeitasse essas
propostas. Mais é surpreendente ver que isso não acontece. Pelas razões já
expostas, a meu ver. Entrega-se em mãos de quem tem comportamentos mais
radicais o destino da categoria, além de, e talvez isso seja a razão principal,
desconhecer completamente as propostas tais como elas são escritas e
apresentadas nas pautas junto às mesas de negociações.
Assim, a maior parte dos colegas
desconhece a real profundidade das propostas que, indiretamente, pela abstenção
e concessão de suas vontades, eles estão apoiando. Se as lessem, certamente
rejeitariam. Porque são bizarras, diante daquilo que temos construído nos
últimos anos em nossas universidades, e na UFG, em particular. São retrógradas,
se comparadas às necessidades de valorização das qualificações, conforme dito,
mas que deve ser repetido.
Mas a ênfase nessas propostas, pois
se sabe que elas não são conhecidas, segue uma estratégia adotada nessas
assembleias em comunicados histriônicos dos comandos locais e nacional de
greve. Para o “convencimento” ser mais convincente, com perdão da redundância,
eleva-se os porcentuais de reajustes a níveis estratosféricos. Mais de cem por
cento. Que beleza! Quem sabe pode ser, afinal, sempre desejamos tocar a lua.
COMO
CONSTRUÍMOS NOSSOS DESTINOS?
Alguns poderão dizer que essa é uma
opinião. Naturalmente, de quem está escrevendo. Mas desafio a discordarem do
que está dito aqui, após analisarem todo o comportamento que guiou essa greve
desde o seu começo até a última assembleia. O não esquecimento é o melhor
remédio para o combate aos comportamentos mais pervertidos. E, principalmente,
lerem a proposta de mudança em nossa carreira elaborada pela Andes e compará-la
com aquela que foi negociada entre o governo e o Proifes. Se depois que isso
for feito a opinião for diferente da minha, humildemente acatarei, mas me
reservo também no direito de incluir o eminente “sábio” no grupo dos que precisam
deixar de lado o surrealismo e se deparar rapidamente com o mundo real.
É uma característica da
universidade, templo do conhecimento e da ciência, a busca permanente pela
verdade – embora ela jamais seja absoluta –, através do caminho da ciência, da
lógica, do método comparativo entre o que construímos em hipótese e aquilo que
a realidade empírica nos impõe.
Então é isso que deve ser feito.
Encerrada esse movimento que intitulei de “a greve dos maias” (já que se
imaginava chegar a dezembro, a fim de ver comprovada a profecia dos povos
Maias, do caos absoluto e do fim do mundo, para em seguida vir à redenção), é
importante que cada professor tome conhecimento das propostas que foram
apresentadas e, de per si, possam firmar uma compreensão
equilibrada a respeito do que estávamos lutando, o que conquistamos, e o que
nos faziam crer ser o começo de uma proposta de “universidade popular”.
Nenhum problema que isso seja feito
lá pelo mês de janeiro ou fevereiro. Assim, em meio a um período em que
deveríamos estar descansando, possa cada colega ver se valeu a pena a
insistência por uma proposta previamente derrotada, porque jamais seria aceita
em uma mesa de negociação com o governo, pelo próprio caráter antagônico ao
projeto de universidade que foi construído nos últimos anos. E que possa se
perguntar, em sendo assim, porque essa greve não acabou antes?
Espera-se então, depois de mais um
ensinamento prático, que continuemos fortalecendo o nosso sindicato (em Goiás, a
ADUFG), para que este possa cumprir o seu destino. Na linha daquilo que
acreditamos ser mais apenso à realidade do que o que se pretendeu alguns aventureiros que buscaram aplicar um golpe, com uma radicalidade que beirou ao
comportamento fascista, desde agressões a professores, intolerâncias e
digressões psicológicas, à aceitação da condução infantilizada por séquitos de “radicalóides”,
uma chusma para a qual o grupo Ultraje a Rigor já havia, na década de 1980
criado a sua trilha sonora, com a música “Rebelde sem causa”. Não generalizo. Mas isso que relato foi fato no começo dessa greve. E não somente em Goiás.
A lição é que a Universidade não pode
abdicar de seus princípios e valores, em um ambiente que se caracterize pelo
respeito à diversidade de ideias, mas que o debate consiga fluir de forma
respeitosa e baseada em uma disciplina que respeite o papel que nela desempenha
quem produz e transmite conhecimento. Ou despertamos para isso imediatamente,
ou em breve nos depararemos com os mesmos problemas que enfrentam escolas de
periferia (mas não somente elas), onde o desrespeito e a agressividade têm
afastado muitos professores. Se prosseguirmos aceitando comportamentos como o
que vimos no decorrer dessa greve, corremos o risco de nos tornarmos um grande
escolão, sem disciplina, com inversões de valores e com a estupidez a nos
comandar.
As coisas não ocorrem
aleatoriamente, tudo está ligado por situações que determinam como será o nosso
futuro. Ele é construído agora, a partir das decisões, ou vacilações, que
definem o caminho por onde vamos seguir. É assim que construímos nossos
destinos. Tudo decorre das escolhas que fazemos, e nada acontece por acaso.
Então, fica a seguinte questão: que universidade queremos? Sua resposta, e o
grau de engajamento para concretizá-la, definirá como poderemos ser amanhã.
Professor, muito lúcida sua análise. Certo dia no "Saia Justa" do GNT um dos debatedores disse que temos, no Brasil, mais advogados que filósofos, para as mais diversas causas. O seu papel neste blog não tem sido de advogar, mas pensar mais além. Pra mim esta greve comprovou que não nos contempla uma "interlocução" como a que tivemos. A meu ver a marca maior desta greve não foi tanto a virulência de sua condução mas a omissão de uma considerável parcela de docentes (sindicalizados ou não) a determinar seus rumos, sobretudo no âmbito local.
ResponderExcluir"... tudo está ligado por situações que determinam como será o nosso futuro. Ele é construído agora, a partir das decisões, ou vacilações, que definem o caminho por onde vamos seguir. É assim que construímos nossos destinos. Tudo decorre das escolhas que fazemos, e nada acontece por acaso."
Grato, FVS
Professor Romualdo, congratulações pela análise impecável.
ResponderExcluirConcordo com você que o mais importante não é a greve em si, mas sim o que ela revelou: (i) O grupo de pessoas que se dizem professores universitários mas que advogam, com intimidação e violência, pelo pacto da mediocridade é maior do que eu pensava; e (ii) A grande maioria que tem uma visão de universidade como lugar de geração de conhecimento e onde prevalece o mérito acadêmico ficou muito passiva em todo o processo.
Essas revelações (e outras tantas que foram feitas) me fazem ficar muito preocupado com os rumos da nossa universidade.
Um texto claro, lúcido, coerente, nos ajuda na perspectiva de uma autoavaliação, como integrante desta instituição, a Universidade.
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