sábado, 29 de setembro de 2012

"APERTE O CINTO, O PILOTO SUMIU" – O MUNDO EM TRANSE : A CRISE ECONÔMICA DESORGANIZA OS ESTADOS-NAÇÕES


Mais uma vez retomo no Blog a discussão sobre a crise econômica que afeta o capitalismo em boa parte do mundo. Principalmente entre os países mais ricos. Ainda podemos considerá-los assim, em função de suas riquezas, que determinam o Produto Interno Bruto (PIB). Contudo o agravamento da crise reduz suas reservas monetárias a um déficit que enfraquece a capacidade de quitar suas dívidas, mesmo considerando-se todas essas riquezas.
Os dados são estarrecedores, não vou listá-los aqui no corpo desse artigo, ao final irei inserir alguns links para matérias que dão números, que nos parecem consistentes, e expõe com clareza as dificuldades do sistema capitalista em seguir cambaleante na corda bamba.
Já abordei em outras oportunidades, em artigos que venho escrevendo desde quando a crise ainda estava sob um manto de esquecimento pela grande mídia, já no início desse blog. De lá para cá não se pode dizer que nada mudou. Até porque a dialética nos ensina que “tudo muda, o tempo todo, no mundo”. Embora essa seja uma frase da música de Lulu Santos, a quem eu chamo de “melô da dialética”.
Mas não é a filosofia que me chama a atenção nesse momento. Mas a economia. Ou, como pelos caminhos das contradições inevitáveis em uma lógica gananciosa e usurária, o capitalismo caminha celeremente para sua autodestruição. Conforme há mais de cem anos foi vaticinado pelo seu mais odiado inimigo: Karl Marx.
Alguns, e muitos aspiram atingir níveis de vida que os façam capazes de consumir próximos aos níveis da burguesia, duvidam dessa possibilidade. Mas não estou aqui a pregar o caos, como consequência da crise em curso. Necessariamente, contudo, o sistema precisará buscar novos mecanismos para impedir que o descontrole o faça seguir aceleradamente em direção ao abismo. E já passamos do meio do caminho.
Raciocinar como se o capitalismo fosse o fim da história, como equivocadamente alguns “filósofos” contemporâneos o fizeram, e abriram as portas do inferno para as ideias neoliberais, é se recusar a olhar para o passado, e conhecer, pela própria história, que nenhum sistema foi, nem nunca será eterno. Mas podemos voltar à poesia, e lembrar Vinícius de Morais, no “Soneto da Fidelidade”: que seja eterno enquanto dure.
Não podemos negar a capacidade, demonstrada até aqui, pelo capitalismo, que sempre conseguiu após crises graves, se reinventar. Mesmo tendo que adequar sua lógica liberal – caótica – do mercado livre, ao planejamento estatal, de cunho socializante, como foi feito no pós-depressão nos anos 30 do século XX.
Vemos no momento atual, e no cotidiano das pessoas tudo se passa como sendo uma crise econômica momentânea, como tantas outras já vividas, um embate entre as massas da população na luta por garantia de direitos trabalhistas a muito custo conquistados durante anos de lutas. Além da necessidade de defenderem a seus empregos, condição necessária para manter suas dignidades. Muitos, por vários dos países onde a crise é mais intensa, já perderam além de seus empregos, suas próprias moradias. Grécia, Portugal, Itália, Espanha, para citar onde a situação está mais grave, mas sem esquecer também os Estados Unidos e a França.
Mas a crise é estrutural. Somente podendo encontrar paralelo na Grande Depressão, chegada ao extremo com o grande “crash” da bolsa de valores de Nova Iorque, em outubro de 1929, há exatos 83 anos. Contudo, o caráter dessas duas crises são completamente diferentes, para não dizer antagônicos. A do século passado teve origem no acelerado processo produtivo, que gerou mercadorias em excesso e travou o sistema, na medida em que a população parou de gastar e passou a guardar seu dinheiro, ou poupá-lo, na medida em que suas demandas por consumo já estavam satisfeitas.
A crise atual, contudo, tem suas raízes na acentuada ganância, a obsessão crescente pela acumulação de riqueza a níveis de uma competição que termina por concentrar cerca de 50% de toda a riqueza offshore do mundo nas mãos de 0,001% das pessoas (essa é a riqueza produzida mundo afora). Isso dá em torno de pouco mais de 90.000 pessoas, que controlam, em espécie cerca de 9,8 trilhões de dólares. E menos de dez milhões de pessoas acumulam todo o volume de dinheiro em espécie existente no mundo, cerca de 21 trilhões de dólares, a maioria escondidas em paraísos fiscais.
Cartaz do Movimento
Occupy Wall
Street
Corresponde ao 1% duramente criticado pelo movimento “Occupy Wall Street”. Esses dados constam de um estudo da Tax Justice Network (Rede para a justiça tributária), coordenado por James S. Henry, ex-economista chefe em McKinsey & Co, autor do livro The Blood Bankers (Os banqueiros ensanguentados). Essas informações estão no artigo da jornalista Sarah Jaffe, e traz muito mais dados estarrecedores sobre a maneira como esses sanguessugas deslocam trilhões de dólares por paraísos fiscais para fugirem de taxações ou outras medidas que afetem essa vergonhosa acumulação. Insiro o link para o artigo da jornalista ao final desse texto.
Essa é a característica principal da crise atual. O sistema se depara com as dificuldades para controlar a fuga de capitais, sem controle, pelo mundo, em busca de países que não exercem nenhum tipo de fiscalização sobre depósitos feitos em seus sistemas financeiros. A jornalista cita Cingapura e a Suiça, mas a quantidade é maior, e envolve até mesmo o banco do Vaticano, onde recentemente alguns documentos foram divulgados após o mordomo do papa se apropriar desse material. Por esses dias ele está sendo julgado por esse “delito”, mas os órgãos da mídia informam sobre o julgamento, mas a grande maioria omite a real razão pela sua quase inevitável condenação. Trata-se de um banco, como tantos outros, que se dedica a lavar dinheiro até mesmo do tráfico de drogas
Recentemente a Receita Federal brasileira passou a considerar inclusive os Estados Unidos, numa lista de países com “regimes fiscais privilegiados”. Uma maneira diplomática de chamá-los de “paraísos fiscais”. Além dos EUA, recentemente foram incluídos em uma lista de 65 países, Luxemburgo, Uruguai, Dinamarca, Países Baixos, Espanha e Malta. Mas eles já eram considerados nessa tipificação de crime fiscal para o qual a punição é praticamente impossível, em uma lista internacional e mais abrangente.  (veja a lista completa neste site: http://www.financialsecrecyindex.com/2011results.html)
Frankfurt - Alemanha
Esses trilhões encontram-se distribuídos pelo mundo, escondidos das tributações de seus países de origem, enquanto os Estados ampliavam seus endividamentos para salvar o sistema financeiro de uma bancarrota que ainda ameaça o horizonte capitalista. Não solucionaram o problema e ampliaram a gravidade da crise, porque restam agora medidas desesperadas e arrocho sobre os trabalhadores para tentar cobrir os rombos gerados por essa matemática irresponsável e uma ganância criminosa.
Países como a França, na fila de países cuja quebradeira é inevitável (já tem comprometido com dívidas 91% do seu PIB), têm tomado medidas aparentemente radicais. No caso desse país, com um governo tido socialista. As medidas aumentam os impostos sobre as grandes empresas e taxam em até 75% os cidadãos mais ricos. Mas são medidas inócuas, porque há cerca de um ano o volume do dinheiro deslocado para esses paraísos fiscais cresceram substancialmente à medida que a crise se acentuava e as multidões e os movimentos sociais ocupavam as ruas protestando com aquele 1% que concentra a maior parte da riqueza mundial. Além do que, por meio “legal”, muitos desses milionários têm transferido suas residências, ou o centro de seus escritórios financeiros, para outros países europeus onde essas medidas não correm o risco de serem tomadas, como por exemplo, o Reino Unido, ou para alguns desses paraísos fiscais como a Suíça e o principado de Mônaco. Até jogadores, uma das peças mais utilizadas para lavagem de dinheiro, foram atingidos por essas medidas, cuja insatisfação foi demonstrada por uma dessas “celebridades”, Cristiano Ronaldo, cujo salário milionário entra em choque com uma sociedade altamente endividada e com quase metade dos jovens desempregados, a Espanha. Outro jogador, o brasileiro Hulk, cuja negociação bateu recorde mundial, tem sofrido discriminação na Rússia, por conta não somente dos valores negociados, mas também pelo alto salário que lhe é pago.
Vê-se assim, o desespero tomar conta das populações desses países, que veem as taxas de desemprego despencarem a níveis alarmantes. A estagnação econômica e o desemprego, ou vice-versa, essa é uma terrível relação dialética, afetam duramente a vida das pessoas, e um grande percentual se vê sem nenhuma perspectiva. Vivem dependendo de seguros pagos por Estados que já não tem de onde retirar mais recursos. Mas isso só endivida mais ainda esses países, que, como consequência só tem como alternativas aumentar impostos, o que leva a mais desemprego e reduz perigosamente a capacidade de o país produzir e, logicamente, consumir. Essa é a enorme contradição de um sistema que sempre dependeu das crises para ampliar as concentrações nas mãos dos que controlam os meios de produção. E mais recentemente, consequência da globalização, dos que vivem de investimentos de riscos no sistema financeiro. Riscos que afetam não somente seus capitais investidos, mas, principalmente, toda a sociedade.

Madri - Espanha
A situação é tão grave que a Espanha, país onde o índice de desemprego ultrapassa 25% (só para se ter uma ideia, aqui no Brasil esses percentual caiu a 5,5% segundo as mais recente informações do IBGE). Sendo que desse total a juventude é a mais sacrificada, com cerca de 40% dos jovens desempregados. Números que só se ampliam, na medida em que mais jovens entram nessa faixa, em uma idade que buscam seus primeiros empregos, mas não há oferta sequer para os que já tem experiência e aceitam qualquer salário.

A revista Samuel (http://revistasamuel.uol.com.br/), nova publicação que ainda não está á venda nas bancas de todos os Estados brasileiros, traz este mês uma reportagem sobre a situação de uma grande quantidade de casais, que sob os efeitos da crise terminam por se separem. Mas a mesma crise cria um perigoso constrangimento, porque só faz derrubar a autoestima das pessoas. É o que a matéria chama de “Coabitação indesejada - convivência forçada ”, ou a situação desses casais que, embora já separados, são forçados a conviverem sob o mesmo teto, como forma de dividirem despesas. Ficam, inclusive, impossibilitados de venderem imóveis quando são de suas propriedades, pois a desvalorização é crescente, na medida em que não existem demandas para eles, o que faz seus preços despencarem.
Paris - França
Mesmo na França, onde o governo resolveu taxar grandes fortunas, medidas também são tomadas para conter as despesas do Estado, levando a demissões em massa de funcionários públicos. Essas situações tem se espalhado por toda a Europa e Estados Unidos, e ameaçam se deslocarem para todos os continentes, na medida em que o sistema capitalista funciona cada vez mais em rede. Por isso se acentuam as medidas protecionistas em muitos países, como o Brasil, e veem os mais desenvolvidos, em crise aguda, reclamarem agora contra esses possíveis protecionismos. Quando por muito tempo foram os países periféricos que sempre reclamaram das altas tarifas alfandegárias impostas pelos países ricos aos seus produtos.
É fácil entender isso. Na medida em que a crise torna-se mais acentuada, os países “desenvolvidos” veem suas dificuldades serem ampliadas, e a capacidade produtiva reduzem-se consideravelmente. Mais grave, contudo, é a redução do potencial de consumo do mercado interno, em seus países, como decorrência do aumento crescente do desemprego. Restam como alternativa a exportação de seus produtos, que encontram um forte bloqueio nos países em desenvolvimento, agora com as indústrias sendo beneficiadas por medidas do Estado adotadas com o intuito de aumentar a competitividade e, logicamente, dificultar o crescimento das importações.
Mas, apesar de estarmos analisando um sistema em crise, como uma consequência de contradições que são inevitáveis em meio a uma lógica usurária e gananciosa, isso não significa dizer que os ricos estão em crise. Como dito anteriormente, aqueles que controlam a riqueza mundial mantém suas obsessões de acumular dinheiro e propriedades ao limite, menosprezando as desgraças que os cercam. E poucas são as medidas que podem ser adotadas dentro daquilo que não afronta o liberalismo capitalista. Aquelas que são necessárias, e condição para fechar um ciclo irremediavelmente já em seu final, só são possíveis no âmbito de Estados fortes, e com governos populares que tenham coragem suficiente de confiscar grandes fortunas e por fim ao direito de herança.
Lisboa - Portugal
Quando as crises, causadas por essas contradições atingem o seu limite, e deixam o sistema sem alternativa para contorná-las, os que controlam a produção se encarregam de apressarem na redução de seus gastos com os trabalhadores, demitindo-os, ou reduzindo seus salários. Enviam suas riquezas para paraísos fiscais, investem em ações e papéis no mercado financeiro, adquirem mercadorias de valor incomensurável, como obras de artes, e dividem suas fortunas entre seus herdeiros. Fogem das responsabilidades pela crise e não admitem reduzir seus lucros. Embora sempre contrários aos gastos do Estado para salvaguardar as populações mais pobres, recorrem a este para conter as quebradeiras de suas empresas e bancos, sob o argumento de que o sistema financeiro não pode quebrar, ou de que é a condição de manter o emprego dos trabalhadores.
Esse círculo vicioso, e criminoso, porque os resultados são sempre perversos para os mais pobres e desprotegidos, compõe um mosaico que reflete as contradições. Uma colcha de retalhos que simboliza os constantes remendos por que tem passado o sistema capitalista desde quando ele se torna mundial. Aos trabalhadores resta manifestarem-se nas ruas indignados, fazendo valer o que Karl Marx diz ao final do Manifesto Comunista, escrito em meados do século XIX, que esses já não têm mais nada a perder, a não ser as suas cadeias.


INDICAÇÕES DE LEITURAS:
1. Seis coisas que devemos saber sobre os 21 trilhões acumulados pelos mais ricos. http://www.pragmatismopolitico.com.br/2012/09/seis-mais-ricos-mundo-trilhoes-paraisos-fiscais.html
2. Não é a Grécia, é o capitalismo, estúpido: http://correiodobrasil.com.br/nao-e-a-grecia-e-o-capitalismo-estupido/268765/
4. As aves de rapina aplaudem a Espanha moribunda: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20997
5. A supremacia das finanças, uma usina de pobres: http://grabois.org.br/portal/noticia.php?id_sessao=8&id_noticia=9955
7. Crises políticas econômicas afetam os países de diferentes maneiras: http://www.gramaticadomundo.com/2012/04/crises-politicas-e-economicas-afetam-os.html
8. Sobre a crise econômica e a manipulação da informação: http://www.gramaticadomundo.com/2011/12/sobre-crise-economica-mundial-e.html


FILMES:
1. O CORTE (França - 2004), Direção: Costa Gavras - Bruno Davert (José Garcia) é um executivo francês, que perde seu emprego. Dois anos depois ele continua desempregado, o que o leva ao desespero. Decidido a recuperar o antigo cargo, ele decide matar seu atual ocupante e todos os candidatos da empresa em que trabalhava com potencial para ocupá-lo.
2. GRANDE DEMAIS PARA QUEBRAR (EUA – 2011), Direção: Curtis Hanson - A trama gira em torno do secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Henry “Hank” Paulson (William Hurt, ganhador do Oscar), do presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke (Paul Giamatti, ganhador do Emmy pelo seu papel em “John Adams”, da HBO), e do presidente do Banco Central de Nova York, Timothy Geithner (Billy Crudup), que junto com funcionários do governo, integrantes do Congresso e os presidentes das maiores empresas do mundo, tentaram salvar a economia norte-americana do colapso.
3. WALL STREET, O DINHEIRO NUNCA DORME (EUA – 2010). Diretor: Oliver Stone - Nesta continuação do filme dirigido por Oliver Stone nos anos 1980, o personagem Gordon Gekko, interpretado por Michael Douglas, sai da prisão após cumprir pena por negociar ações com informações privilegiadas. Sua liberdade coincide com a fase inicial da crise do subprime, que começou nos Estados Unidos e contagiou o resto do mundo. O filme retoma parte das discussões da história anterior, sobre os limites e riscos do capitalismo selvagem defendido intensamente por Gekko. (Exame.com)
4. INSIDE JOB - TRABALHO INTERNO (EUA – 2010). Diretor: Charles Fergusson - Inside Job é um documentário em cinco partes, dirigido pelo cineasta Charles Ferguson, premiado com o Oscar em 2011. Trata-se de uma investigação e relatos sobre a crise financeira que começou no fim da década passada. A primeira parte, “Como chegamos até aqui”, conta como a indústria financeira nos EUA foi regulada entre 1940 e 1980. Em seguida, “A Bolha” explica o que aconteceu entre 2001 e 2007, durante o boom imobiliário no país. Na terceira parte (“A Crise”), o filme relembra o que aconteceu propriamente entre o fim de 2007 e 2008, quando os problemas financeiros vieram à tona. As duas últimas partes falam sobre os desdobramentos da quebra de importantes bancos e a situação mais recente da economia no país. (Exame.com)
5. MARGIN CALL - O DIA ANTES DO FIM (EUA – 2011) – Diretor: J. C. Chandor - Margin Call retrata 24 horas na vida de personagens-chave em um banco de investimentos nos Estados Unidos. A ação se passa nos estágios iniciais da crise mundial que começou em 2008. O analista Peter Sullivan (interpretado por Zachary Quinto) acessa informações financeiras que comprovam a queda da empresa e se vê diante de complexas decisões éticas e profissionais. (Exame.com)´
6. CAPITALISMO, UMA HISTÓRIA DE AMOR (EUA – 2009) – Diretor: Michael Moore - Michael Moore apresenta uma análise de como o capitalismo corrompeu os ideais de liberdade previstos na Constituição dos Estados Unidos, visando gerar lucros cada vez maiores para um grupo seleto da sociedade, enquanto que a maioria perde cada vez mais direitos.

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