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Mais uma onda de protestos toma
conta de vários países árabes. Quase todos eles recentemente viveram situações
turbulentas, com uma série de manifestações políticas que terminaram por
derrubar vários governos que sustentavam tiranos por mais de duas décadas. Tão
logo tais revoltas se iniciaram, apelidadas pela mídia ocidental como “Primavera
Árabe”, os Estados Unidos prontamente se colocaram ao lado da população
revoltosa.
Em algumas situações essa
estratégia tinha claramente o objetivo de não perder a influência, com a
ascensão de possíveis novos governos. Assim, em países como o Egito, onde
claramente o poder se encaminhava para mudar de mãos, apesar de um tímido apoio
a uma junta militar que tentou aplicar um golpe de estado, os EUA tiveram que
engolir um novo governo comandado pela Irmandade Muçulmana, grupo islâmico com
outras penetrações pelos demais países por onde se irrompiam as revoltas, como
na Líbia e na Síria.
Muito embora a mídia ocidental
tenha apresentado essas revoltas como meramente direcionadas para a conquista
da “democracia”, e tais movimentos como sendo causado pelos desgastes das
tiranias, isso não representava a única verdade. É fato que os desgastes de
governos que já não tinham mais o que oferecer para uma população pobre, se deviam
também à crise econômica mundial, que fez reduzirem os aportes de recursos que
os EUA e algumas potências europeias enviavam para esses países. Até para
evitar que a população desses países se dirigisse para uma Europa cada vez mais
xenófoba e islamizada.
Khadafi e ex-secretária de Estado dos EUA, Condolezza Rice |
Em outros casos, como na situação
da Líbia, a necessária execução de Moamar Khadafi se devia a “queima de arquivo”.
Nos últimos anos, principalmente depois dos atentados do onze de setembro, às
torres gêmeas do World Trade Center, o líder líbio se reaproximou da Europa e
dos EUA, e suas prisões tornaram-se centros de torturas de prisioneiros
suspeitos de pertencerem a grupos terroristas.
Segundo relatório da ONG Human
Rights Watch, a CIA torturava islamitas líbios suspeitos de serem terroristas,
opositores do regime sírio, e depois os entregava a Khadafi. Alguns eram
levados para o Afeganistão e outros para a prisão de Guatánamo, na Ilha de
Cuba. Tudo sob as ordens do presidente Bush, em conluiu com o presidente líbio.
A morte de Khadafi, cujo comboio foi bombardeado por aviões da Otan, e
assassinado após seu corpo ter sido seviciado, teve o claro objetivo de evitar
que alguns segredos dessa relação pudesse ser desvendado. Muito embora isso
esteja acontecendo, tanto por ONGs, como a Human Rigthts, como também pelo site
Wikileakes, e por essa razão seu criador Julian Assange pode ser condenado à morte,
caso seja extraditado para os Estados Unidos.
São esses comportamentos, aliado a
uma política de conivência com o estilo agressivo e expansionista de Israel,
que ao longo de décadas tornou o “Império americano”, persona non grata em muitas partes do Oriente Médio. Seus líderes
só são suportados em função do forte aparato bélico que os protegem quando
visitam esses países. Ainda que no Governo Obama a estratégia tenha mudado, e a
própria relação com Israel tenha sido um pouco afetada, a cultura criada por
anos de conflito, que opôs inegavelmente três grandes religiões (islamismo,
judaísmo e cristianismo), mantém acesos estopins que explodem em intolerância e
aglutinam multidões cegas pelos dogmas religiosos e pelo ódio ao ocidente
criado por uma geopolítica perversa.
Mas, a par de existirem razões de
sobras para que as populações desses países árabes se voltem contra o Ocidente,
e especialmente contra os EUA, o foco da explosão que nesse momento espalha
rebeliões por diversos países, é a religião. Agora não mais apenas no Oriente
Médio, mas também na África central, Ásia central, Europa e até mesmo na
Austrália. Inclusive em Israel, onde uma pequena população muçulmana reagiu com
indignação a um filme, de quinta categoria, produzido nos Estados Unidos por um
fanático diretor, membro de uma igreja cristã. Pelo menos até onde se sabe, já
que a investigação está se dando sob sigilo.
“A Inocência dos Muçulmanos” é uma
provocação barata profundamente desrespeitosa e com ofensas a Maomé, no estilo
da tentativa de um pastor de outra pequena igreja daquele país, que ameaçou
queimar o Alcorão. Sabe-se que, pelas leis islâmicas, não é permitido sequer a
representação do “Profeta”, em quaisquer circunstâncias, muito menos de forma
ofensiva. Assim como qualquer religião reage ao desrespeito aos seus símbolos
sagrados. Aqui no Brasil, por exemplo, a igreja católica conseguiu a proibição
para que a Escola de Samba Beija Flor não expusesse a imagem de Jesus Cristo no
desfile carnavalesco em 1989. Mas os exemplos são muitos, e responsáveis por
acirrarem os conflitos religiosos, em muitos casos levando a guerra, ou a
situação de embates que duram décadas, como no confronto entre cristãos e
católicos na Irlanda do Norte.
Há alguns meses escrevi aqui no
Blog um artigo intitulado “As origens da intolerância e o fascismo moderno” (http://www.gramaticadomundo.com/2012/03/as-origens-da-intolerancia-e-o-fascismo.html).
Nele eu fiz uma análise sobre o comportamento adotado por algumas lideranças
religiosas, principalmente os de origem neopentecostais, mas não somente esses,
cujos dogmas persistem em desconsiderar as transformações que ocorreram nas
sociedades. Meu olhar volta-se para o histórico de situações que remontam
décadas, e até mesmo séculos. Persistindo o tratamento de intolerância e a
estupidez no tratamento de comportamentos sociais, inclusive com perseguições
àqueles que não professam os seus credos. O que fere a liberdade constitucional
de qualquer cidadão escolher se quer ou não ter uma religião.
Historianet |
No caso de situações que envolvem
os povos árabes e os EUA, ou alguns países europeus, esses traços de
intolerância vêm acompanhados não somente de uma cultura ocidental que se impõe
como superior aos comportamentos orientais, mas da política intervencionista
que tem como objetivo o saque das riquezas petrolíferas existentes naquela
região. Isso potencializa qualquer incidente que envolva valores religiosos,
porque é imediatamente aproveitado por aqueles que combatem essa política, e a
junção da intolerância religiosa e do sectarismo político transtorna a
multidão, e o descontrole leva a ações radicais, mas também a repressões violentas
causando dezenas de mortes de inocentes vítimas das manipulações sectárias.
Mas é evidente que a explosão de
mais uma nova onda de rebeliões decorre de uma disputa secular que envolve as três
religiões que tiveram origem em um mesmo território, a palestina. Cristãos, Muçulmanos
e Judeus disputam o controle de lugares sagrados, mas também a hegemonia
política e o poder sobre áreas cujos potenciais de riquezas são imensuráveis ou
porque possuem uma enorme importância estratégica por sua localização.
Contudo a intolerância tem atingido
níveis crescentes em função da crise econômica que se espalha pelos países que
sempre abriram suas portas para receber imigrantes que se constituíam em mão de
obra barata, mas que recentemente passaram a se tornarem inconvenientes, em
função do aumento do desemprego a níveis jamais vistos, em especial na zona do
Euro, mas também nos EUA. Além da maneira fortemente preconceituosa como a
mídia ocidental tem tratado os adeptos da religião muçulmana, principalmente
depois dos ataques ao Word Trade Center, em 2001.
Manifestação contra EUA no Cairo (Foto: IstoÉ) |
Ocorre que o Islamismo tem se
constituído na religião que mais cresce no mundo. Espalha-se pela Europa, se
expande nos Estados Unidos e se torna a cada dia mais hegemônica por todo o
Oriente Médio, Asia Central e em boa parte da África. No Oriente Médio em
muitos países o crescimento absoluto do islamismo se dá não somente pelo
aumento de novos adeptos, mas porque há uma população ligada a outras religiões
que, em função das mudanças políticas, com a ascensão de grupos islâmicos ao
poder, tem preferido buscar outros países, principalmente na Europa, mas também
na América, e o Brasil é um dos mais escolhidos.
O exemplo maior é o Líbano, onde há
cerca de duas décadas em torno de 70% da população era composta por cristãos.
Nos últimos anos, como decorrência de uma forte mobilidade de pessoas que
fugiram de países em guerra, em sua maioria islâmicos, houve um forte aumento
da população muçulmana. Em contrapartida, os católicos sentem crescer um ódio
religioso e, não só porque se tornam minoria, mas porque as autoridades
estatais não se esforçam, ou são submetidas à pressão sectária, para lhes
garantir proteção contra uma intolerância crescente. A presença do Papa, nesse
momento em que a população mais uma vez retorna às ruas em grandes
manifestações, tem o objetivo de convencer os cristãos a não abandonarem suas
terras de origem.
Onda de protestos se espalhou rapidamente (Reuters) |
A Síria, que se envolve em uma
guerra civil sangrenta, é outro exemplo de país onde a diversidade religiosa
era respeitada. Nesse momento, o governo de Bashar Al Assad acusado de reprimir
violentamente os opositores, se encontra em fogo cruzado, tendo do outro lado a
união dos países ocidentais que desejam sua destituição. Mas é uma situação que,
caso ocorra, causará o mesmo efeito obtido na Líbia, ascendendo ao poder grupos
islâmicos, dispostos a aplicar a Sharia e a submeter o novo governo aos dogmas
contidos no Alcorão. Isso é o que mais teme a população cristã naquele país,
bem como as demais minorias que ali vivem. Por isso esses setores continuam
apoiando o dirigente sírio e temendo sua queda.
Mas, embora pela política que lhes
desfavorece, em função dos interesses estratégicos, essa população tenha
motivações de sobra para se rebelar, é lamentável que essa multidão seja manipulada
por motivos de tão menor importância nessa realidade complexa em que vivem. Evidentemente
que são inconcebíveis atos que visam desprezar ou ofender a fé de um povo. Embora
isso seja feito indistintamente, ao longo de séculos de histórias. Melhor
dizer, ao longo dos últimos dois milênios.
Então o que acontece é, na verdade,
a utilização de um pretexto, a manipulação disso pelos setores sectários e
pelos grupos organizados, principalmente a Al Qaeda que, paradoxalmente,
ocuparam mais espaços nos países onde ocorreu a chamada “Primavera Árabe”.
O atentado ao consulado dos Estados
Unidos na Líbia é um claro exemplo do oportunismo desse grupo, que viu nesse
momento uma chance para desencadear novas manifestações, desta feita
diretamente voltada contra os Estados Unidos, e afirmando ser uma vingança
contra recentes assassinatos de seus líderes. A Líbia é um país que a mídia
esqueceu, como se a morte do Khadafi o tivesse conduzido para o melhor dos
mundos. Mas hoje está completamente dividido, com regiões dominadas por grupos
que não foram desarmados logo após a queda do ditador líbio. No caso específico
do atentado, que causou a morte do embaixador estadunidense e de outros três
funcionários no dia 12/09, provavelmente já teria sido preparado antes do filme
ofensivo ao Islã ter se tornado público. Mas contribuiu para inflamar a
multidão, que criou coragem naquele país e em outros, principalmente no Egito,
onde manifestantes carregavam cartazes com a imagem de Osama Bin Laden, e no
Iêmen.
"Drones", aviões não tripulados, utilizados para eliminar suspeitos |
É nesse país onde as manifestações
estão ocorrendo com maiores violências. E foi ali também que nos últimos dois
meses os EUA assassinaram inúmeras pessoas suspeitas de serem militantes da Al
Qaeda. Pelo menos um deles foi confirmado como sendo um dos mais procurados
dessa organização. Os ataques que levaram à essas mortes foram realizadas por
aviões não tripulados, os conhecidos “Drones”, cuja ações já eliminaram outros
militantes islâmicos no Paquistão e Afeganistão, dentro da nova estratégia de “guerra
silenciosa”, desencadeada pelo Pentágono desde a morte de Osama Bin Laden e a
partir da chegada de Obama à Casa Branca. (Veja artigo publicado aqui no Blog: http://www.gramaticadomundo.com/2012/06/uma-guerra-silenciosa-o-ataque-dos.html)
Nessas ações violentas, que não se
limitam ao Oriente Médio, mas que ali assumem uma relevância especial, vê-se
claramente a presença de um grupo terrorista que se imaginava ser destruído com
a morte de seu principal líder, em condições humilhantes. Um erro colossal,
pois o que alimenta essa e outras organizações sectárias é a própria política
das potências ocidentais naquela região, em especial os Estados Unidos (Leia
também: http://www.gramaticadomundo.com/2011/05/bin-laden-esta-morto-mas-e-osama.html).
Muito embora não possa ser imputada somente a esse grupo toda a revolta que se espalha e
toma proporções perigosas, na medida em que embaixadas são atacadas, já que são
considerados territórios livres, e controlados pelos países que estão ali
representados.
Manifestantes carregam cartaz com foto de Bin Laden no Egito (Imagem: UOL) |
O maior problema do Oriente Médio
não é a religião, mas sim a enorme reserva de petróleo que existe em seu
subsolo e também em limites territoriais marítimos de alguns países. Mas tanto
lá, quanto em qualquer outra parte do mundo, a intolerância religiosa agudiza
situações que já são, por questões geopolíticas, extremamente complicadas. O comportamento
sectário potencializa essa situação e, como em outras épocas, pode levar a
guerras que terminam acontecendo por motivos diferentes daqueles pelos quais alguns
desses países estão se preparando. Podemos citar o embate entre Irã e Israel,
em vias de se enfrentarem militarmente.
Não
há dúvida que setores interessados nesses confrontos se aproveitarão desse
momento para insuflarem em direção a um conflito de grandes proporções. Mas o
que fica, em termos de preocupações quanto ao que pode ocorrer futuramente, é o
potencial que a intolerância religiosa possui (como há séculos) para levar o mundo
a uma guerra mundial. Pelo que estamos vendo, essa não é uma hipótese remota,
pela simples razão de que há quem deseje isso, até pelas circunstâncias em que
vive aquela região desde o final de 2010, e o mundo, como decorrência de uma
crise econômica que se estende desde quando os Estados Unidos sofreu um ataque
que mudou os rumos da geopolítica mundial em 11 de setembro de 2001.
Um breve comentário.
ResponderExcluirO filme "A Inocência dos Muçulmanos" está servindo como estopim para "continuação" das revoltas originadas na primavera Árabe. Mas bem, ouvi algumas pessoas alegando que os muçulmanos são intolerantes, que não aceitam criticas contra sua religião, mas será que aceitamos também críticas contra nossas religião? Lembro nos últimos dias, uma revolta na redes sociais contra o filme do artista Renato Aragão, O Segundo Filho de Deus, bom, mesmo o artista dizendo que a produção do filme era um boato, ele foi taxado por alguns como anticristo. Então, qual a diferença dos cristãos fanáticos com os muçulmanos fanáticos?