segunda-feira, 1 de outubro de 2012

ERIC HOBSBAWM: LONGA VIDA AO GRANDE MESTRE DA HISTÓRIA!


ERIC HOBSBAWM. Meu ícone, um exemplo, um mestre, sempre coerente com suas referências teóricas e ideológicas. Para mim o maior historiador do século XX. E ainda viveu por mais de uma década do século XXI, o suficiente para produzir seu último livro em 2011. Suas ideias e produção intelectual transcendem, em muito, sua existência corpórea. Permanecerá entre nós ainda por muito tempo, pois os livros e as ideias são para sempre.
Fico triste por sua morte, mas ele se foi com uma idade invejável, cumpriu seu destino com sobras. E, particularmente, fico feliz por ter podido me inspirar em sua grande elaboração teórica e ter adquirido boa parte de seus livros traduzidos para o português. Todos os seus livros, indistintamente, serão sempre por mim indicados para leitura, a todos aqueles que se interessem por conhecer a História numa visão de totalidade, tendo a dialética e o materialismo, como metodologia a orientar as suas pesquisas e elaborações intelectuais. Especialmente aquele em que melhor nos conta o que foi o Século XX: “A Era dos Extremos”.
Desde quando entrei na Universidade pude ter contato com seus escritos, e disputei seus livros com avidez, tão logo pude ler o primeiro deles, A ERA DAS REVOLUÇÕES. Logo depois me saciei um pouco mais com A ERA DO CAPITAL, e o entendimento do processo que transformou o mundo e introduziu uma nova classe social a comandar um novo sistema, prosseguiria com A ERA DOS IMPÉRIOS. Esses três livros, numa sequência de abordagem das transformações que o mundo sofreu a partir do fim do período feudal se completaria com a ERA DOS EXTREMOS – O breve século XX.
Seu livro de memórias, TEMPOS INTERESSANTES, mais do que uma produção que complementa a “Era dos Extremos”, é uma lição de vida, onde ele pontua toda sua vivência intelectual sintonizada com os fatos históricos que marcaram intensamente o único século em que aconteceram duas guerras mundiais. Nascido no ano da Revolução Bolchevique, e tendo que viver sua infância e adolescência em meio a uma Europa que saíra de uma guerra pavorosa e se preparava para entrar em uma outra guerra mais sangrenta ainda, construiu toda a sua competência intelectual fortemente influenciado pelo crescimento das ideias socialistas. Apesar do furacão que levou parte desses ideais, com a sequencia de crises que envolveu os países socialistas, ele manteve-se firme ideologicamente, e sempre foi uma voz presente nas críticas à globalização neoliberal. Difícil encontrar alguma incoerência em seus escritos, e qualquer contradição entre o que ele escreveu e o que efetivamente está registrado na história.
Hobsbawm sempre me inspirou, e carrego em quase todos os meus escritos um pouco de sua visão de mundo, profundamente incorporada da teoria marxista, com a qual ele foi coerente até os últimos dias de sua vida. E, talvez pressentindo seus últimos dias, publicou um livro em que procura dar sua contribuição aos que, indignados, se batem nas ruas contra as injustiças e contradições do sistema capitalista: COMO MUDAR O MUNDO – MARX E O MARXISMO (2011) com textos atualizados e outros inéditos.
Longa vida ao grande mestre da História!! ERIC John Earnest HOBSBAWM (Alexandria, 9 de Junho de 1917 - Londres, 01 de outubro de 2012).


O SÉCULO DE HOBSBAWM
Artigo de Vladimir Safatle, professor livre-docente do Departamento de filosofia da Universidade de São Paulo.
Morreu ontem Eric Hobsbawm, um dos mais influentes historiadores do século 20. Sua influência veio não apenas de um trabalho seguro e rigoroso de pesquisa historiográfica que privilegiava movimentos sociais dos séculos 19 e 20. Na verdade, em uma época como a nossa, que parece abraçar de maneira entusiasmada a crítica das chamadas "metanarrativas" com suas visões de processos globais e movimentos teleológicos, Hobsbawm destoava por ser um dos poucos que não se contentavam em afundar-se na micro-história.
Sem medo de procurar processos nos quais rupturas socioeconômicas e produção de novas ideias de cunho universalista se entrelaçam, Hobsbawm soube, como poucos, mostrar como a história da modernidade ocidental sempre foi a história das revoluções.
Fiel à filosofia da história de cunho hegeliano herdada pela tradição marxista, ele escreveu quatro livros clássicos ("A Era das Revoluções", "A Era do Capital", "A Era dos Impérios" e "Era dos Extremos") a fim de mostrar como as exigências igualitárias de liberdade enunciadas pelos setores populares da Revolução Francesa moldarão o curso da história como uma voz que sempre volta. Tal voz da igualdade será o fator de inquietude de uma história que será, cada vez mais, realmente mundial.
Adorno dizia que a fixação positivista nos "fatos" escondia, muitas vezes, a simples incapacidade de enxergar estruturas. Pensar é saber estabelecer relações e, se é inegável que certas construções da historiografia marxista demonstram-se infrutíferas e demasiado genéricas, há de se reconhecer que a rejeição em bloco dessa tradição teve forte impacto negativo na nossa capacidade de pensar a história.
Mas isso nunca impediu Hobsbawm de imergir nos detalhes e encontrar, por exemplo, na voz de Billie Holiday as marcas do sofrimento social dos esquecidos do sonho americano (conforme o livro "História Social do Jazz") ou nas desventuras do bandido Jesse James algo de fundamental a respeito dos descaminhos de nosso ideal de liberdade e das debilidades do poder (conforme o livro "Bandidos"). Hobsbawm sabia ler tais "fatos isolados" como sintomas sociais.
Alguns, como o historiador britânico Tony Judt, insistiam que Hobsbawm não teria capacidade de compreender as ilusões que moldaram o século 20, em especial o comunismo. Talvez seja o caso de dizer que a compreensão da história como simples crítica das ilusões corre o risco de perder de vista o essencial: de onde vem a força que faz com que indivíduos consigam ir além de seus próprios interesses imediatos? O que talvez explique porque quis o destino que o último livro de Hobsbawm se chamasse exatamente "Como Mudar o Mundo".


HOBSBAWM EXPANDIU LIMITES DO PENSAMENTO MARXISTA
Artigo de Jorge Grespan, professor do Departamento de História da Universidade de São Paulo.
Eric Hobsbawm conquistou justo prestígio entre o grande público apreciador da história e também entre seus colegas de ofício, o que já é em si algo digno de nota. Claro e elegante, abordou temas aparentemente tão distintos como o mundo do trabalho e o jazz, sempre preocupando-se em relacionar as várias esferas da vida social e fugir de explicações unilaterais, pintando quadros históricos largos, mas precisos.
Incluindo-se na geração de historiadores do pós-Guerra que chamava de "modernizadores", dedicou-se inicialmente à história do século 19, e o sucesso alcançado por seu "A Era das Revoluções" levou-o a escrever "A Era do Capital" e "A Era dos Impérios".
Não os escreveu para os colegas, mas tornou-se referência também para eles, carentes de obras que rompessem limites entre temas particulares e situações nacionais.
Teve nesse ponto importância decisiva, ao criticar a historiografia acadêmica tanto por sua especialização excessiva quanto pelos preconceitos que a impedem de se dirigir a um público leigo.
Hobsbawm chegava a se apresentar como "vulgarizador". Mas não nos enganemos: atingir um público amplo significava não satisfazer a curiosidade acrítica do mercado editorial, e sim participar de um esforço formador.
Em grau e forma própria, compartilhava com colegas como Christopher Hill e E. P. Thompson de uma atitude crítica em relação ao que se consideraria próprio a um historiador marxista e, por isso, inovou nos temas e métodos, como ao escrever sobre uma de suas paixões, o jazz.
Aqui, como na obra sobre "A Invenção das Tradições", o interesse é iconoclasta. Trata-se de solapar entidades caras ao neoconservadorismo militante a partir dos anos 1970, descobrindo o lado mistificador de certos apelos ao passado legitimador.
Mais do que expressão do inconformismo racial nos EUA, o jazz é entendido no contexto da história da indústria, em especial a cultural. E tradições importantes da monarquia inglesa são examinadas e diferenciadas dos "costumes" em que se baseia o direito consuetudinário típico da ilha, para evidenciar que nelas o passado aparece como algo justificador da resistência a mudanças perigosas para os poderes constituídos.
Mostra assim aos críticos que o marxismo não precisa ser economicista. Mas o mostra também aos marxistas. Esses são seus grandes legados.
Como seria inevitável, há quem discorde de teses expostas na sua vasta obra. Mas não quem negue que ele foi um dos maiores historiadores marxistas de nossa era, cujos "extremos" parece que só começaram depois de 1991.

Extraído do Jornal da Ciência on line: http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=84396

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