sábado, 28 de janeiro de 2012

CRÔNICA DE UM MUNDO EM TRANSE – 5ª PARTE

UMA GUERRA SERIA O CAMINHO PARA TIRAR A ECONOMIA CAPITALISTA DA CRISE?

Qual a alternativa o mundo encontrará para a falência múltipla dos órgãos do sistema capitalista, sua espinha dorsal, a estrutura financeira? Como visto na parte 4ª parte em outros momentos a saída terminou sendo guerras que afetaram todos os continentes, numa dimensão mundial. Poderá ser a guerra a saída para essa crise?
Opera Mundi - Charge:Latuff
Vamos analisar essa possibilidade. Que também pode não acontecer, por suas próprias dificuldades e pelas novas ordenações geopolíticas, com o deslocamento do eixo de importância para Ásia e América do Sul. Pelo menos uma guerra no sentido convencional.
A primeira coisa que devemos fazer quando avaliamos a perspectiva de uma guerra é olhar para um mapa, observar as fronteiras, ver com base nisso a diferença de tratamento que as grandes potências dão para determinados países, em detrimento de outros. Peguemos a situação da Líbia, e indaguemos porque o tratamento foi diferente do Iêmen (Só para recordar, Kadafi foi assassinado com o suporte da OTAN, acusado de cometer crimes contra sua população, levando a morte centenas de pessoas. No Iêmen o ditador, que precisou fugir para a Arábia Saudita, foi acusado dos mesmos crimes, mas obteve apoio da monarquia saudita, fez acordo com os Estados Unidos, obteve imunidade no parlamento iemista para não ser processado, e vai curtir um exílio nesse país). Foi nítida a diferença em relação ao Egito, onde aconteceu um golpe militar, já tratado aqui. E, porque a Arábia Saudita enviou tropas para conter as rebeliões no Bahrein? Porque existe ali uma enorme base militar dos EUA. Porque ainda não houve invasão á Síria?
Há uma série de interesses geopolíticos, que extrapolam em muito os problemas locais. Na Síria, por exemplo, há uma resistência da China e, principalmente, da Rússia em concordar com sanções contra aquele país, que mantém em seu território uma base militar russa, a única que lhe dá acesso ao Mediterrâneo. Há também uma forte influência do Irã e relações estreitas com o Hamaz (palestino) e com o Hesbollah (libanês). Existe, então, toda uma situação complexa ali, mas é exatamente toda essa complexidade que pode gerar uma guerra de repercussão mundial.
Por exemplo, houve no final do ano um contencioso entre EUA e Rússia, com declarações fortes de ambas as partes, logo após o resultado das eleições nesse país. Mas por trás dessa discussão existem outras razões para esse embate. De um lado a influência da Rússia tanto na Síria, como no apoio ao projeto nuclear iraniano, de outro as instalações de sistemas anti-mísseis que os EUA se preparavam para instalar em regiões próximas às fronteiras russas, perto dos Montes Urais, cordilheira que separa a Europa da Ásia, com o objetivo claro de se preparar para um eventual conflito com o Irã, mas que a Rússia entende como ameaça às suas fronteiras. Os russos não somente se contrapõem às instalações dessas bases, como já ameaçaram atacá-las, caso seja concretizada essa intenção.
Ou seja, já existe todo um discurso belicista, e apesar de a diplomacia por enquanto estar contendo os ânimos mais exaltados, tudo isso poderá se agravar com a continuidade e ampliação da crise econômica. Caso ela prossiga por mais um ano, sem perspectiva de saída, a hipótese de uma guerra vai se tornando cada vez mais provável.
Não acredito, contudo, que a dimensão dessa guerra seja suficiente para causar grandes transtornos ao Brasil. Pelo menos no que se refere à ações militares. Claro que uma guerra mexe com a economia mundial, e nesse aspecto o Brasil, como os demais países fora do eixo central do conflito, seriam afetados.
Mas ela deve se concentrar nessa área que é a mais atingida atualmente por diversos conflitos, desde lutas internas como de ocupações por outras nações. Eu diria que ela pode acontecer em territórios asiáticos e no Oriente Médio, em partes da África, e, a depender, atingir a Europa. O Irã, Afeganistão, Paquistão, Síria, Egito, certamente envolvendo também Israel, e, caso a Rússia se envolva em um conflito desse porte, com ações com pudessem atingir a Eurásia, então dificilmente poderíamos prever as conseqüências.

QUAL É O MAIOR PESADELO DOS EUA?

O Irã hoje não é o maior problema dos Estados Unidos, nem a Coréia do Norte (com quem o governo dos EUA tentam uma solução pacífica, negociando apoio econômico em troca de eliminação do potencial nuclear). O grande pesadelo dos EUA, em minha opinião, não é o Irã, sem querer diminuir toda a disputa geopolítica, com o intuito de impedir que esse país detenha hegemonia naquela região. Entendo que o Paquistão é a peça que pode atrapalhar um possível xeque-mate nesse jogo de xadrez que significa uma guerra. Há uma aliança tênue, entre esses dois países, mas a desconfiança é mútua, os paquistaneses não confiam nos estadunidenses, mas o oposto também é verdadeiro. 
Mas essa é uma situação conflituosa que deverá se manter sob controle por algum tempo, mas não tenho dúvidas que em algum momento vai explodir. Por enquanto o alvo é o Irã. Mas caso ocorra uma guerra de maior dimensão, certamente o Paquistão Irá se envolver. Mas não podemos prever o que acontecerá. Porque esse é um dos países que possuem armas nucleares e com uma fronteira completamente instável, com atuações de grupos guerrilheiros talibãs afegãos, mas também aliados paquistaneses desse grupo. E por outro lado uma outra fronteira com parte em litígio, com a Índia, com quem disputa o controle da Caxemira há décadas, inclusive já tendo ocorrido vários conflitos entre os dois exércitos.
Mas nesse momento o que está em jogo é a necessidade de impor limites ao Irã,  a fim de evitar que haja naquela região um país com forte hegemonismo a rivalizar com Israel, eterno aliado dos EUA. Principalmente por se tratar também de um país riquíssimo em petróleo e com um histórico cultural que já o acompanha há milênios, desde o Império Persa, podendo complicar a influência que os estadunidenses sempre tiveram por ali, contando com seu velho aliado, a Arábia Saudita.
Um olhar bem focado em movimentações de guerra, seguindo os interesses de cada país, e forçando uma imaginação com base em estudos de geopolítica e de estratégias, podemos decifrar boa parte dos movimentos que vão acontecendo seguindo-se aos acontecimentos da chamada “Primavera Árabe” (cuja denominação já critiquei aqui na primeira parte).
Vamos listar primeiro as pedras que foram movidas, mas sem serem deslocadas dos lugares. Egito, Baherein, Iemen. Embora com problemas comuns aos demais países, inclusive  tratando-se também de ditaduras as reações populares não foram suficientes para alterar, até agora, o jogo do poder. Manteve-se, de certa maneira, a influência da Arábia Saudita, principal porta-voz dos EUA naquela região. Mas, se olharmos bem as riquezas de todos os países e de suas fronteiras, conseguiremos decifrar alguns enigmas que se escondem por trás dos discursos de combate às ditaduras. A retirada do Kadafi do poder cumpria o objetivo de garantir um mercado de petróleo confiável, na eminência de uma guerra contra o Irã. As medidas adotadas pela Comunidade Européia nesta semana confirma isso. Jamais a Europa tomaria uma decisão de boicotar o petróleo iraniano se o mercado de petróleo líbio não tivesse sob seu controle.
Imagem: orbum.org
Uma primeira peça do xadrez foi movida. A outra é a Síria. Também aliada de Teerã, e com fronteiras com o Iraque, a Síria garante acesso ao Irã, através do Iraque pelo Mediterrâneo, o que permitiria um cerco, fechando-se pelo outro lado por território Saudita e o Golfo Pérsico. Restaria ao Irã somente o fechamento do Estreito de Ormuz, mas a outra ponta desse istmo, no entanto, está sob controle de aliados sauditas, os Emirados Árabes e Omã. Nos últimos dias noticiou-se a intenção dos Estados Unidos em criar uma grande base militar marítima no Golfo Pérsico, aliás, é bom que se diga que não foram cortados recursos financeiros para esses investimentos militares. Há que se considerar também o fato de boa parte do contingente que atua nessa e em outras bases e ações militares estadunidense, ser de empresas militares privadas, uma característica que tem se acentuado nos últimos anos, embora tenha havido também um pequeno corte orçamentário para esse setor.
Portanto, enquanto o povo grita e luta, com toda razão e justamente, na ruas, nos bastidores do tabuleiro geopolítico as peças que são mexidas tem como objetivo a preparação de uma guerra, enfim, do controle do grande Poder.
Assim, a probabilidade de ocorrer uma guerra de dimensão mundial é por ali, pelo Oriente Médio. E o objetivo é conter a crescente influência iraniana, e impedir que esse país adquira capacidade de produzir armas nuclear. Sua influência já envolve Síria, Líbano (Hesbolah), Palestina (Hamaz) e até mesmo o Iraque, que possui uma maioria xiita, embora sem ser seguidora dos Ayotalahs, mas que pode sob determinadas circunstâncias ampliar o circulo de interesses iranianos dentro de seus objetivos de tornar-se uma potência hegemônica no Oriente Médio, disputando essa condição com a Turquia que também tem ampliado sua influência naquela região.
É claro que pelas circunstâncias atuais, de um país destruído por uma guerra absurda e fragilizado em sua capacidade de defesa, o Iraque tenderá inicialmente a permanecer neutro. Mas será submetido a fortes pressões dos EUA para garantir que tropas aliadas cruzem seu território para atingir a fronteira iraniana. Embora essa pressão, e mesmo com o velho sentimento nacionalista que provavelmente seja a única herança de Sadam Hussein, uma parte de seu governo e da população tenderá a apoiar o Irã por suas vinculações religiosas. Não podemos esquecer que o Iraque hoje é um país mais dividido do que era quando da invasão dos Estados Unidos, entre Xiitas, Sunitas e Curdos.
Outra fronteira complexa para se atingir o Irã é pelo lado do Afeganistão. Tem sido por ali que muitos combatentes talibãs fogem das tropas da OTAN e dos EUA, com a cumplicidade do governo iraniano, a fim de dificultar o combate contra os grupos guerrilheiros. Certamente, nas condições de ainda existir uma guerra em curso em território afegão, essa é uma situação extremamente complicada. Os EUA teria que primeiramente estabelecer um acordo de paz com os talibãs, algo que já está ocorrendo sorrateiramente, e em segundo lugar, forçar um outro acordo para que suas tropas possam chegar àquela fronteira. Algo atualmente absolutamente improvável.
Restaria, além da fronteira marítima, através do Golfo Pérsico, o acesso pelo Turcomenistão. Um país que já fez parte da antiga União Soviética, cuja população tem, em sua maioria, adeptos da religião muçulmana. O país se abriu pouco para o Ocidente, e também seria pouco provável que ele pudesse abrir suas fronteiras para dar acesso a tropas ocidentais com intuito de atacar o Irã. Dificilmente a Turquia permitiria que um ataque fosse preparado a partir de seu território, até porque esse país tem também sérios problemas com os curdos, povos apátridas divididos entre seu território e o Iraque. E de outro lado ainda existe uma fronteira complexa para os turcos, com a Síria, à beira de uma guerra civil. Compõe-se assim um quadro de dificuldade para se estabelecer um cerco militar ao Irã.
No meio de tudo isso, fazendo fronteira com a Síria, está o Estado de Israel. Que vive uma situação muito delicada, apesar de possuir um potencial bélico enorme, detendo armas nucleares, mas a cada ampliação das revoltas árabes e das possibilidades de mudanças que ocorrem naquela região, deixam Israel cada vez mais isolado. Isso só aumentou com a decisão da Unesco em aceitar o Estado da Palestina entre seus membros. O que motivou retaliação por parte dos Estados Unidos, com cortes de recursos, e também de Israel e Grã-Bretanha. Isso vai levar a determinada situação para Israel que a melhor saída também seria uma guerra, que pudesse redefinir o quadro geopolítico na região.
Existe nessa região, um verdadeiro arsenal de problemas, confusões e contradições. E do ponto de vista de uma situação de crise, que afeta inclusive as grandes potências, é um teatro, um palco armado, para que aconteça uma guerra e dê uma reoxigenada no sistema capitalista mundial... ou empurrá-lo de vez para o abismo.
Continua...


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