quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

CRÔNICA DE UM MUNDO EM TRANSE – 4ª PARTE

TERÁ O CAPITALISMO ATINGIDO O LIMITE DE SUAS CONTRADIÇÕES?

Nós sabemos que o corpo humano pode sobreviver por tempo indeterminado pela medicina, com a falência de seus órgãos, ligado a aparelhos que o mantém em estado vegetativo. Ou, na melhor das hipóteses, um coma profundo, do qual de alguma maneira poderá ser despertado. O capitalismo não morreu, está em crise, podemos até dizer que está em coma, tal qual um corpo humano, à beira do seu limite, mas do qual pode se recuperar. Ir, além disso, talvez seja um otimismo exagerado, para aqueles que a ele se opõem. Mas isso faz parte de sua própria condição existencial, conforme já abordei na primeira parte. Poderá – ou não – sucumbir a mais essa crise. E dentre as várias alternativas possíveis, sempre se poderá contar com a possibilidade de uma guerra de dimensão mundial. Não seria a primeira, nem a segunda vez que isso ocorreria. A guerra, sim, é uma saída, embora já não tanto como fora no século XX, em função de novas ordenações da geopolítica mundial. Mas, vamos analisar sob essa perspectiva.
Embora historiador, com as atenções voltadas para o passado, mas com os olhos atentos para o presente, não temos, nem ninguém, nenhuma capacidade de prevermos o que pode acontecer. Mas, como estudioso da geopolítica, utilizando conhecimentos de história e geografia, e navegando ligeiramente pela economia, principalmente a partir de bases marxistas e focando nessa relação tempo-espaço, o que identificamos é com base na experiência, naquilo que os fatos históricos nos ensinam. Façamos então uma rápida viagem pela história para assim tentarmos compreender quais as saídas que o capitalismo pode encontrar.
O mundo passou por uma grande crise no final do século XIX, em função da necessidade de uma repartição do mercado mundial, dominado por grandes impérios, mas sendo ameaçado pela influência de novos Estados-nações que sugiram, se fortaleceram e se colocaram como concorrentes na disputa pelo controle colonial. Isso gerou a primeira grande guerra mundial, o fim dos impérios, novas divisões territoriais com a criação de novos países. O acerto final foi conseqüência do resultado da guerra, logicamente beneficiando mais um dos lados, aquele que saiu vitorioso. Deixou mágoas e marcas profundas.
Houve um impulso na economia, logo após o final da guerra. Os EUA surgiram como uma nova potência econômica, e se tornou o grande financiador e comprador, ao mesmo tempo, do mundo. A economia capitalista mundial passou a ter nos Estados Unidos a sua grande força impulsionadora. Até que no final da década de 1920 e por duas décadas seguintes uma nova grande crise colocou o mundo novamente em pé de guerra. A ganância nesse período ganhou um grande impulso e o que se produzia ia muito além das necessidades de consumo, travando a economia mundial.
Quando ocorreu esse travamento, naquilo que ficou conhecido como o grande crack da bolsa de Nova Iorque, numa fatídica quinta-feira do mês de outubro de 1929,  sem perspectiva de saída – a não ser o socialismo, já que a crise não atingiu a União Soviética, fora da economia de mercado – a alternativa foi mesclar o liberalismo econômico com o planejamento estatal, a partir das teorias econômicas keynesianas, de John Maynard Keynes.
Mas em algumas situações, sob determinadas circunstâncias, a crise tomou um rumo inesperado e fez surgir uma liderança inusitada, um país que tinha sido humilhado ao final da primeira guerra mundial. A Alemanha era reféns de créditos dos Estados Unidos, empréstimos, para ao final depender da sua economia, adquirindo produtos com os próprios empréstimos que conseguia. Algo que aconteceu também depois da segunda guerra mundial.
Quando aconteceu a grande depressão econômica, quebrou a economia dos Estados Unidos, e a Alemanha ficou à míngua. Nessa situação ou o país se submetia à influência soviética, ou a burguesia precisaria encontrar uma saída, uma liderança, que pudesse tirá-la das mãos do comunismo. E o poder, diante desse dilema, foi entregue nas mãos de Hitler. As condições que estavam criadas ali não apontavam nenhuma outra alternativa. E diante desse quadro, de uma crise mundial, o que foi feito na Alemanha foi um forte investimento interno, protagonizado pelo Estado. E isso foi possível, em boa parte, seqüestrando o dinheiro dos judeus, direcionando esses investimentos para gerar uma demanda por crescimento, garantindo emprego, além de aplicar fortemente em infra-estrutura, criando uma forte indústria de guerra. Sem dar muita importância para a crise que afetava os demais países. Ou seja, Alemanha nazista, com Hitler à frente, utilizou da mesma receita keynesiana, excedendo-se somente no controle fortemente centralizado do Estado, em todos os sentidos.
A economia alemã foi recuperada, com forte investimento militar, isso tem que ser ressaltado, construindo as condições para torná-la uma potência com um forte sentimento nacionalista, acirrando ressentimentos que permaneciam ainda como conseqüência dos tratados que impuseram humilhação ao país depois da primeira guerra mundial. Esse período, de crescimento do poder da Alemanha paralelo à crise que afetava a economia mundial, passou a ser conhecido na história como o da “paz armada”. Os países, mesmo em crise, procuravam se armar, cientes da eminência de uma nova guerra.
Aí veio a segunda guerra mundial, e as conseqüências disso são sobejamente conhecidas. Como decorrência houve uma forte expansão da influência comunista, com a União Soviética à frente, mas foi preciso dar uma maquiada no capitalismo, mudando sua feição, alterando o liberalismo clássico e inserindo uma forte participação do Estado, como forma de garantir a recuperação dos países e promover pleno emprego para a população. A guerra fria, que surge também como conseqüência do resultado dessa guerra, levou a planos econômicos cujo objetivo era não somente recuperar a Europa, devastada pela guerra, mas também se contrapor ao socialismo.
Isso se deu com um investimento estatal muito forte, baseando-se nas teorias de Keynes, fazendo com que o capitalismo adquirisse uma feição menos individualista, amenizando os problemas sociais e dando garantias de emprego às pessoas. Planos sociais, seguros desempregos, aposentadorias, tudo isso passou a se constituir o que ficou conhecido como “welfare state”, ou “estado de bem-estar social”.
Uma nova crise, contudo, sacudiu o mundo na década de 1970, e aí as razões foram várias. Houve inicialmente uma mudança na forma como se comercializava a principal fonte de energia no mundo, o petróleo, através da criação da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), que passou a controlar o fluxo desse produto garantindo-se um controle entre oferta e demanda, a fim de ter os preços elevados no mercado internacional.
Por outro lado, a estrutura capitalista criada com o keynesianismo, ou o estado de bem-estar social, era incompatível com a lógica de funcionamento do capitalismo, que se baseia na permanente busca pelo lucro, cujo motor é acionado pela ganância e a usura. Alógica do capitalismo não é distribuir riqueza, mas concentrá-la, numa disputa louca pelo controle da economia mediante a centralização dos meios de produção. Esse foi outra razão que começou a fazer a economia travar mais uma vez. Pois aliava-se a crise do petróleo, que atingiu as economias do terceiro mundo, principalmente, e impediu que as grandes empresas sediadas na Europa continuassem extraindo enormes lucros nos países de economias dependentes e de fracos parques industriais. Consequência do controle que era exercido pelas multinacionais.
Diante de uma nova crise que ameaçava o capitalismo era necessário encontrar uma nova saída. Os altos salários, o pleno emprego, os gastos sociais estatais, se tornaram empecilhos para as grandes corporações continuarem ampliando seus lucros. A economia de mercado capitalista emperrada, encontrou na falência dos modelos socialistas o pretexto para realizar transformações profundas, omitindo a natureza real de sua crise, e apontando para o fracasso do modelo socialista, baseado no planejamento estatal e no controle da economia.

A GLOBALIZAÇÃO NEOLIBERAL – QUANDO A GANÂNCIA E A USURA TORNAM-SE UMA OBSESSÃO

Com a crise dos países socialistas, e o efeito cascata que foi derrubando uma a uma todas aquelas estruturas, até atingir a União Soviética, abriu-se um enorme mercado e uma louca corrida por parte de grandes empresas, com o intuito de controlarem a economia desses países e de uma estrutura baseada no forte domínio do Estado. Empresas estatais, que controlavam setores estratégicos, passaram a ser privatizadas, transformadas em economias mistas, inicialmente, para em seguida ficarem sob o pleno domínio de grandes corporações dos Estados Unidos e Europa. O nome dado a tudo isso foi, desregulamentação da economia.
Não só novos mercados, mas a privatização de empresas de enorme potenciais estratégicos, com garantias de crescimento diante de uma economia travada pela impossibilidade de liberdade econômica, em virtude do controle que os Estados impunham. Setores como  o petrolífero, de siderurgia, de energia, das telecomunicações, passaram para as mãos de grandes corporações, aliadas a setores internos desses países, muitos dos quais tornaram-se testas-de-ferro na medida em que no começo as mudanças nas legislações não permitiam maioria das ações nas mãos das multinacionais. Isso se tornou uma febre na União Soviética e Leste europeu, mas também seguiu celeremente o rumo das economias dos países do chamado terceiro mundo, criando uma onda que passou a ser conhecida, dentro de um discurso ideológico, como “globalização”.
Mas isso não aconteceu na China, e vemos hoje que essa foi uma das razões pelo elevado impulso da economia chinesa. Que, ao não abrir mão dos investimentos estatais, começou o século XXI como a grande beneficiária pelo descontrole da economia que se seguiu à essa onda e às políticas neoliberais de abertura escancaradas dos mercados, com a redução cada vez maior do controle pelos Estados-nações.
Ocorre que o capitalismo é incontrolável. A obsessão que esse sistema gera pelo consumo cada vez mais intenso de mercadorias, e a ganância que leva a usura aos patamares de uma verdadeira sociopatia, carrega, inevitavelmente, esse mercado caótico para a beira do abismo. Marx dizia que o capitalismo é um sistema anárquico, ele não combina com o planejamento, porque as ações dos que controlam os meios de produção é de sempre criar produtos que sejam garantias de lucros, independente das necessidades reais.
Essa anarquia na produção capitalista, gera um descontrole, porque a ganância fala mais alto. Até que, diante da facilidade de deslocamento do dinheiro pelo mundo, os capitalistas perceberam que podiam ganhar mais dinheiro apostando. Investindo em bolsas de valores nos quatros cantos do planeta, aproveitando-se das novas tecnologias, principalmente da internet, mas também dos meios de comunicação em geral e dos transportes. E qual o tipo de jogo vai ser jogado? Principalmente com o controle da informação, no domínio dos meios de comunicação e nas boatarias e notícias fabricadas com o intuito de derrubar ou elevar preços de ações.
Os preços das ações nos mercados financeiros acompanham os boatos que circulam nas grandes empresas de investimentos. Quando uma grande corporação começa a enfrentar dificuldades e não consegue segurar a notícia de seus problemas de caixa, de imediato suas ações caem de preço, elas se desvalorizam e vão aos níveis mais baixos possíveis. Essa situação decorre do fato de não haver procura por elas, seguindo a lógica natural do sistema.
Peguemos um exemplo atual. No mês de dezembro noticiou-se uma crise pré-falimentar de uma das maiores companhias aéreas dos Estados Unidos, a América Airlines. Acompanhando as notícias pudemos perceber que suas ações tão logo estouraram essas notícias, caíram 84% em relação ao seu valor de mercado. É o momento em que investidores gananciosos, especuladores, adquirem essas ações quando elas atingem seu grau mais baixo. Ninguém em sã consciência vai investir em empresas que não lhe dará lucro. Nessas situações quem ganham são os mega-investidores, que as compram a preços de banana, dividem-a em áreas de negócios diferentes, reduz o número de empregados com demissão em massa de trabalhadores e realizam um processo de recuperação ganhando lucros absurdos nesse processo.
Existem equipes de recursos humanos especializadas nessas ondas de demissões, enquanto outras retomam o controle da empresa e recompõem seu valor de mercado agora a partir do fortalecimento em áreas diversificadas, jogam mais uma vez com a manipulação da informação, e fazem aparecer em jornais econômicos a plena recuperação dessas “novas empresas”, e lucram absurdos em cima dessas estratégias. Tudo isso, aliás, muito bem mostrado no filme Wall Street – Poder e Cobiça, de Oliver Stone.
O sistema financeiro mundial criou artifícios de valorização mediante várias estratégias que tornam difícil a compreensão sobre o real valor das ações. Além desse artifício citado anteriormente, toda essa engenharia financeira feita para ganhar dinheiro fácil à custa de falências e especulação, o mercado financeiro adota outros, quase todos eles bem distantes da realidade. O valor da maior parte das empresas que existem atualmente comercializando ações nas bolsas de valores do mundo todo é fruto de especulação, é um valor fictício. A maioria dela usa o artifício de apresentar possibilidades de ganhos futuros, e bom base nisso vêem seus valores acionários elevar-se. É um investimento de risco, mas é com esses capitais que as empresas expandem seu poder de mercado, ampliam seus negócios e produzem novos lucros. Mas nem sempre isso acontece, e o tombo além de muito grande, cria um efeito cascata, porque por trás da maioria desses investimentos existem muitos bancos envolvidos e outras empresas, que desejam controlar parte de suas concorrentes e adquirem ações muitas vezes utilizando de testas-de-ferro. Hoje mais conhecidos como “laranjas”.
Essa anarquia, e toda a confusão propiciada pela ganância que movimenta o sistema capitalista, é a própria geradora de todas as crises que acontecem, e que analisamos aqui, bem como também essa que o mundo está atravessando atualmente. A diferença desta das demais é que ela está atingindo muito fortemente todo o sistema financeiro, e assim afeta perigosamente a espinha dorsal do sistema. Porque ela foi gerada internamente e ele não encontra mecanismos de refinanciar os bancos que estão envolvidos. A situação difere de 2008, quando ela estourou. Porque naquele momento o Estado bancou os rombos dos bancos e seguradoras, obviamente ampliando seus endividamentos internos, já que necessariamente precisavam produzir créditos, “cash”, suficientes para evitar uma quebradeira que derrubaria todo o sistema financeiro mundial. 
Como essas medidas não foram suficientes para conter a crise a situação de insolvência dos bancos, agravada com o endividamento das pessoas, impossibilitou que a economia pudesse se recompor, dificultando ao Estado arrecadar recursos suficientes para reequilibrar a economia. Chegou-se assim ao fim da linha, pois quem poderá salvar o Estado? Restaram para isso medidas impopulares, arrocho salarial, desemprego, redução de investimentos em obras públicas e em setores sociais. Dessa maneira ampliam-se mais ainda as dificuldades porque causam impactos mais negativos na economia, na medida em que se reduz a capacidade de consumo da população e surte um efeito contrário àquelas medidas adotadas para retirar o mundo da crise durante a grande depressão da década de 1930.
Diante de tudo que analisamos até aqui, e, como disse anteriormente, baseando-me na experiência do passado, do que a história nos conta como transcorreram os dois últimos séculos, é que podemos acreditar na hipótese de que é possível, sim, estourar mais uma grande guerra de âmbito mundial, como conseqüência da crise e como alternativa ao sistema para contornar o seu mais sério dilema. Acredito que essa guerra já está sendo preparada e o alvo do momento, sem nenhuma dúvida, é o Irã.
Continua...

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