segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

CRÔNICA DE UM MUNDO EM TRANSE – 3ª PARTE

UM MUNDO DOMINADO PELAS CORPORAÇÕES

As Corporações nos dias de hoje comandam o capitalismo, em todo o mundo. Então, aquilo que nós chamávamos antes de multinacionais, hoje com aquisições e fusões de todos os tipos o que existem são megas corporações, ou conglomerados que ainda envolvem bancos. E são tão poderosas que algumas delas possuem riquezas maiores do que o PIB da grande maioria dos países. Assim, quando elas entram em um determinado país e investem alto, torna difícil para esse país depois agir, se tiver interesse em ver-se livre delas ou caso queiram impor algum tipo de restrições, porque passa a depender dos seus lucros para sua arrecadação.
Cria-se uma dependência já que existe a necessidade de atrair investimentos. O capitalismo funciona dessa forma: as pessoas estão desempregadas, precisam de emprego, e quem pode oferecer? O Estado não tem condições de garantir emprego para todos, então que medida ele adota? Ele cria mecanismos para atrair empresas, benefícios como isenções fiscais ou garantia de infra-estruturas para as instalações de suas dependências, para que elas possam gerar empregos, fazer a roda da economia girar. Claro que isso cria dependência. Vamos pegar um exemplo menor, da relação de um município ou uma região com uma grande empresa. Veja o caso da Perdigão, em Rio Verde, Goiás. Muito embora seja uma cidade que já atingiu um grau de desenvolvimento de padrão médio, mesmo assim, o impacto de uma saída da Perdigão é muito forte, com grandes conseqüências para a economia da região. Foi o que aconteceu na cidade de Santa Helena, quando a Parmalat abriu concordata e fechou uma unidade de beneficiamento de leite naquela cidade. Gerou uma crise muito grande e um elevado índice de desemprego na cidade. Bom, isso hoje já foi resolvido, mas o impacto foi real.
Ou seja, atrair grandes empresas para esses municípios, garante emprego, reforça suas economias e ainda  ajuda na eleição, mas se é uma grande empresa cria-se essa dependência. A não ser que haja um gestor público ousado, criativo, esperto e inteligente, e ele passa a atuar no sentido de ativar as outras atividades econômicas que são características do lugar, buscando parcerias com o Estado e com o Governo Federal. Se existe um potencial de produzir melancias, devem-se garantir as condições para isso, mesmo se tem uma empresa como a Perdigão, então que se busque incentivar os pequenos agricultores a produzir condimentos, para que eles possam ser adquiridos ali no município, ao invés de serem comprados em São Paulo, por exemplo. Assim, dessa maneira, reforça a economia por outros meios, fecha toda a cadeia produtiva de um determinado produto.
Embrapa
Tudo isso cabe ao gestor público, prefeitos e todo o seu staff. Se ele consegue fechar a cadeia produtiva investindo em pequenos agricultores, agricultura familiar, em produzir aquilo que o município tenha capacidade de oferecer, que seja de sua vocação – para usar um termo bem popular – ele consegue diminuir a dependência do lugar a essas grandes empresas. E inverte uma tendência, o município passa a ser objeto de disputa por aquelas empresas que atuam nesse setor, na medida em que a sua fixação ali reduzirá custos, já que os produtos que são necessários para fabricar uma determinada mercadoria estão bem ali, próximos, diminuindo gastos com transportes.
Se nós pegarmos alguns desses municípios que seguiram por esse caminho, vamos ver o quanto eles se tornaram atrativos para essas empresas. Eu estou começando a fazer uma pesquisa sobre Cristalina, e esse município goiano vive hoje um “boom” na produção para agroindústria aqui em nosso Estado. Surpreendeu-me uma informação, o IBGE divulgou recentemente o Censo Agropecuário, que identificou municípios com maiores PIBs, e o maior de Goiás é o de Cristalina, superando Rio Verde, Itumbiara, Jataí. E é o segundo maior do Brasil, perdendo apenas para São Desidério no Oeste da Bahia.
Por que isso? Há ali uma topografia favorável, uma característica hidrológica que beneficia e facilita a capacidade de irrigação, e isso tem atraído uma série de empresas, inclusive estrangeiras, grandes corporações, como a Boundelle, francesa. E com uma produção, ao contrário das características do agronegócio no centro-oeste brasileiro, completamente diversificada. Produz milho, algodão, alho, soja, ervilha, tomate, leite, ou seja uma produção diversa porque tem água em abundância. As propriedades são em sua maioria grandes fazendas, mas fora do perfil dos grandes latifúndios de monocultura. E agora, por todo esse potencial, vai se destacando e essas propriedades vão se tornando maiores pelos investimentos que passa a ser feito por grandes produtores. 
Mas isso é natural numa economia capitalista, principalmente nos tempos atuais marcado pela concentração e pelo monopólio nas mãos de grandes corporações, como já discutimos anteriormente. Mas sempre se consegue manter forte, se houver interesse do gestor público, uma economia propriamente do lugar, para não se criar uma dependência inversa. E eu acho que isso está sendo feito em Cristalina, muito embora a preocupação maior, e é o que eu pretendo me aprofundar na pesquisa, seja com a capacidade desses recursos hídricos suportar uma aceleração da produção, de acordo com o aumento das empresas que se dirigem para aquele lugar, bem como outros efeito sobre o ambiente, tal como possível desertificação futura como conseqüência do excesso de salinização do solo, e os problemas que são gerados pela penetração de resíduos químicos no lençol freático, causado pelo excesso de uso dos agrotóxicos.
É preciso dizer, também, que o Estado de Goiás está sendo alvo de uma enorme especulação imobiliária rural, principalmente por investidores de outros países. Isso está acontecendo no Cerrado como um todo, e vai avançando pelo Tocantins em direção ao Piauí e o Maranhão. Isso sem contar que o Oeste baiano já praticamente atingiu o auge, com grandes empresas multinacionais ampliando o controle sobre a produção agrícola naquela região. Isso trás um enorme desenvolvimento, modifica a paisagem, enriquece os municípios, mas à custa de uma enorme degradação ambiental, de destruição da biodiversidade desse bioma e das mudanças climáticas que podem afetar profundamente a nossa capacidade hídrica, que faz do cerrado um dos biomas com maior quantidade de nascentes de rios que abastecem as principais bacias hidrográficas brasileiras.
Tudo isso, claro, acompanha a lógica de funcionamento do sistema capitalista. Ele criou um modelo de funcionamento que se baseia no monopólio e na crescente concentração da riqueza. Isso faz com que um pequeno setor controle a economia, o mercado, estabeleça regras, fixe preços, aí não há dúvidas, de fato o Estado termina por ficar refém dessas grandes corporações. E com esse aumento de poder, fica muito difícil combatê-las, porque elas possuem muita força política, uma capacidade por causa disso de formar lobbies poderosíssimos e ter sempre em suas mãos um grupo forte de políticos que atendem seus interesses, principalmente porque nosso sistema político garante essa possibilidade com um financiamento aberto de campanha que faz das eleições o maior negócio para quem tem dinheiro. E tornam esse processo extremamente caro, por onde nasce a corrupção e cria uma cultura que faz com que os candidatos lucrem com esses financiamentos através dos mecanismos de utilização de dinheiro não contabilizado, os chamados Caixas 2. Que, em tempos de baixa inflação, inflam os colchões ou recheiam as paredes de grandes mansões.
Abordemos, então, esse assunto. O país vive um momento de mobilizações, ainda pequenas e motivadas por interesses da mídia, contra a corrupção. Ela só irá acabar, ou melhor, diminuir – porque dificilmente acabaria dentro do sistema capitalista – se houver financiamento público de campanha. Porque pelo sistema atual, o indivíduo que quer ser candidato precisa fazer “caixa” prá campanha e começa a ceder aos “incentivos” que passam a ser dados pelas empresas e por aí se constrói um duto de corrupção. Elas retornam após as eleições para buscar a fatura. E isso se tornou comum no sistema político brasileiro, e não mudou com as transformações políticas que o país passou, trazendo a esquerda para o poder.
Também isso não faz do Brasil o único país onde essa corrupção seja sistêmica, e endêmica. Podemos usar os EUA como exemplo. Ali a corrupção é institucionalizada, e obedece determinadas regras, o lobbie é permitido e legalizado, portanto as representações dessas corporações atuam livremente no parlamento daquele país. (Quem puder assista ao filme “O Superlobbista”, com Kefin Spacey, baseado em uma história real). A eleição de Barack Obama é um claro exemplo disso. Ele surgiu como uma esperança de transformação de uma potência em grave crise financeira, causada pela ganância crescente dos grandes bancos. Sua arrecadação não encontra paralelo em nenhuma outra eleição, embora boa parte, segundo se diz, oriunda de pequenas doações feitas pela internet. Mas o resultado de quem tem poder nesse mundo de financiamento de campanhas se vê após sua posse. Grandes executivos de bancos responsáveis pela crise no sistema financeiro, iniciada no ano de 2008 e que já tratamos no artigo anterior, tornaram-se peças chaves na área de finanças da sua administração. Isso está demonstrado no excelente documentário “Inside Job”, que eu já comentei aqui no Blog (http://www.gramaticadomundo.com/2011/03/inside-job-perversao-do-capitalismo.html) Embora Obama e o Partido Democrata, tenham ensaiado apoio às manifestações dos “Indignados”, que foram às ruas protestarem contra o sistema, eles também são reféns dessas corporações, desses conglomerados financeiros. E agora mais ainda, à medida que se aproxima uma nova eleição, em 2012.
Essa onda de indignação com a corrupção pode terminar na legalização dos lobbies Já existe projeto no Congresso Nacional à espera de ser votado no plenário, e é aí que os honestos terão dificuldades de atuar. Não vai beneficiar a honestidade, nem os governos mais sérios, eles se tornarão reféns dos lobbies. Vai favorecer os mais conservadores, pois impedirá que se veja o que de fato acontece. É diferente, porque hoje o país tem uma controladoria, que fiscaliza, e uma mídia que é livre e que mostra, aliás, mais do que devia, porque age como um partido político. O que pode acontecer é piorar, porque os lobbies agem não somente no Congresso Nacional, mas em todas outras áreas em que eles precisam de apoio para satisfazer os interesses de suas corporações, inclusive na mídia e no judiciário.
Mas essa é uma característica do sistema, a maneira como ocorrem as eleições possibilita isso, e a própria estrutura do Estado e os interesses que existem seguindo a lógica gananciosa e usurária que fundamenta o capitalismo impele sempre isso para adiante. Ele muda sua forma, altera suas características, aplica um verniz de moralidade, como nos EUA e em países europeus, mas não a essência, e essa se baseia sempre na busca permanente pelo controle do poder, para dominar cada vez mais fortemente a economia e o sistema financeiro.
Claro que o financiamento público de campanha não será suficiente para eliminar toda essa podridão, ele só põe um freio e dificulta, mas o sistema sempre deixa as brechas para que essas corporações burlem as legislações. Como no caso citado dos EUA. Este é um Estado totalmente dominado pelas corporações. Assistimos a toda aquela euforia com as eleições de Obama, um candidato que tinha um bom discurso, oriundo de classe média baixa, de cor negra, de origem africana, então se criou toda uma expectativa em torno de sua eleição. Mas quem é Barack Obama diante do poder dessas grandes corporações? Qual a saída? Nenhuma, a não ser colocar Wall Street para comandar seu governo. E ainda formaram um enorme círculo dentro da economia, criando uma escola que formou quadros que hoje estão à frente do poder em vários países europeus. Entregaram o galinheiro para as raposas tomarem conta. Isso é o poder dos lobbies corporativos.
Voltemos à ação dos indignados. Qual tem sido o resultado? A Espanha, por exemplo, que caminho trilhou? Elegeu um governo conservador. E a Itália?  Claro que é difícil se dizer que alguém consiga ser pior do que Berlusconi, mas quem assumiu o poder lá segue essa mesma linha, é um governo do Goldman Sachs, ou seja da mesma escola responsável por levar a economia mundial para o abismo. Na Grécia, da mesma maneira, e os que estão à frente do Banco Central Europeu seguem a mesma cartilha de quem comanda o sistema financeiro nos EUA. E qual o remédio que eles aplicam? Arrocho e recessão sobre os trabalhadores, redução dos investimentos do Estado, para poder equilibrar suas finanças simplesmente para cobrir os rombos criminosos de uma estrutura financeira gananciosa e usurária, que causou toda essa crise que ameaça todo o mundo.
Então não houve, por conta da indignação, transformações na política que possam mudar essa situação em todo o mundo. Muito pelo contrário, eles estão fazendo mudanças políticas para salvar o sistema financeiro e não para resolver os problemas das pessoas.
Continua...
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Um comentário:

  1. Prof. Romualdo,
    Parabéns por mais um texto brilhante e, ao mesmo tempo, didático. Recomendarei ele aos meus ex-alunos da disciplina de Economia Espacial e Dinâmica Populacional.
    Abs

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