segunda-feira, 7 de novembro de 2011

O QUE FAZ VOCÊ FELIZ?

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Vivemos uma era de intolerância? A humanidade está fadada à se autodestruir a partir de um estilo de vida competitivo e estressante? A violência é inerente à “natureza” humana?
Temos ultimamente verificado uma profusão de reportagens nos meios de comunicação enfatizando a forma como a violência tem sido banalizada. São crimes praticados por motivos fúteis e reações intempestivas a pequenos e irrelevantes acidentes que geram um comportamento estúpido e irracional, fazendo com que até mesmo pessoas que jamais se conheceram tornem-se em frações de segundos inimigos mortais.
Como avaliar esses comportamentos? Eu, particularmente, não sou psicólogo, portanto vou analisar essa situação por um viés político e ideológico. Mas como fazer isso? Como podemos analisar os acontecimentos que permeiam o cotidiano de nossas vidas? É possível fazer isso somente com o olhar de uma vertente do conhecimento?
Não, obviamente, fazemos isso pela Política, Geografia, História, Sociologia, Filosofia, Economia Política e, claro, Psicologia, porque esta se preocupa mais diretamente nos estudos desses e de todos os tipos de comportamentos humanos.
Mas onde podemos buscar as origens para tais comportamentos? Vejam que a psicologia para tentar entender certas situações aflitivas em qualquer indivíduo, busca conhecer o seu passado, e através dele chegar ao âmago de sua vida, seus traumas, frustrações, fracassos, ou seja, o conjunto de eventos que determinaram como a sua memória está constituída. Enfim, sua história de vida.
Partimos, portanto, do pressuposto que para conhecer o presente é insofismável se aprofundar no passado. Como em qualquer terapia, para conhecermos a origem das angústias que afligem certa pessoa, é fundamental sabermos o que tal indivíduo acumulou de experiências negativas que causaram certas anomalias em seu comportamento, a ponto de provocar em determinado momento uma ira incontrolável, fazendo-o reagir violentamente contra aquele que cruzar seu caminho em um instante de fúria. Ou propiciar outro caminho, da introspecção, depressão, que o fará agir com brutalidade não somente contra o outro, mas para consigo mesmo. E, às vezes, sequer alguma reação esse indivíduo terá, esgotando em si mesmo a vontade de viver, sendo consumido pela desesperança e tristeza profunda.
abraceumalunoescritor.org
Essas são situações que crescem no cotidiano das grandes cidades, metrópoles aceleradas marcadas por sentimentos contraditórios, mas cuja lógica reside no fato de as pessoas precisarem sagrar-se vitoriosas em meio a uma competição desmedida, e na busca por um estilo de vida que as consagrem vencedoras. Nesse jogo, seguindo o que determina os valores construídos pelo sistema em que vivemos a vitória não é o fim de tudo, pois deve ser permanente para manter e ampliar o que foi conquistado; e a derrota enseja tais frustrações que forçam alguns por caminhos que imaginam ser um atalho também para atingir esses objetivos. Tais atalhos, de um jeito ou de outro, leva a desfechos indesejáveis, na medida em que se rompem valores e quebra-se a estrutura moral na qual está fundada a sociedade.
Podemos partir de uma frase muito repetida em uma propaganda da maior rede de supermercados do país: “o que faz você feliz?”. A resposta para isso, segundo o marketing apresentado, é consumir. Seguindo adiante no objetivo de atrair clientes, apresenta-se ainda um complemento: consumir, bem!
Significa, então, que a condição para estabelecermos relações fraternas, ponderadas, tranqüilas, é nos situarmos dentro de um padrão de vida que possibilite adquirir produtos que nos são oferecidos para consumo e massificados pela mídia de forma variada. Ao sairmos de casa, ligamos o som do carro e os programas têm o oferecimento de determinada marca; nos veículos, ônibus principalmente, uma bela donzela ou um jovem mancebo nos apresentam um produto apontado como responsável por suas formas; por todos os lados, outdoors de várias maneiras e estilos nos “vendem” todo o tipo de mercadorias. Na TV, internet, páginas de jornais e revistas, por todos os lados somos massacrados pela propaganda, de tal forma que no cotidiano de nossas relações, nos tornamos agentes propagadores desses produtos. Não são poucas as vezes que debatemos suas qualidades, e indicamos aquela marca que foi por nós aprovada. Remédios, então, nem se fala. Alguns imaginam conhecê-los melhor do que os médicos e repassam suas possíveis qualidades, num marketing indireto condicionado pela lógica consumista.
Em um ambiente carregado por esses valores, onde consumir “faz você ser feliz”, podemos encontrar a chave para as desilusões, frustrações e disputas violentas. Primeiro porque nos impõe um sentido de viver determinado pela necessidade de estarmos permanentemente em busca de melhores ganhos, já que nosso poder de consumo é incontrolado e infinito. Da mesma maneira como ao sistema capitalista não importa somente ganhar, é preciso ganhar sempre, e cada vez mais.
consumismo_01_ecopop.com.br
Imaginemos, nós que possuímos empregos regulares, a angústia e desespero de uma família cujo pai, ou mãe, aquele que dá sustentação financeira à família, encontra-se desempregado. Ou cujo salário, ao final do mês, é insuficiente para atender à necessidade, e à demanda de um grupo condicionado pelo marketing que perversamente invade sua casa pelos meios de comunicação. Como reagirá essa família ao assistir à propaganda citada, que não é a única, mas apenas um exemplo? O que está desempregado saberá na carne o que quero dizer. Mas mesmo com um salário, será ele suficiente para manter satisfeitos adolescentes cuja cultura cerca-o de desejos por produtos tecnologicamente sofisticados, ou roupas de grifes famosas? E, neste parágrafo, falo de exemplos e indago sobre questões que atingem a imensa maioria da população. O que facilita para nós a compreensão da pressão sob a qual está fundada a nossa sociedade.
Compreendendo essas contradições, e o estilo de vida que o sistema nos impõe sempre a buscarmos, podemos levar nossa análise para o âmbito da política, e nesse particular navegar melhor pelo universo de uma sociedade cujo elemento central é a competição. E, como numa disputa esportiva, a busca é permanente pelo recorde, também aqui jamais nos satisfazemos com o que ganhamos. Isso, independente do padrão de vida que analisarmos.
Simplesmente porque nossa cultura é formada a partir dos valores construídos pelo sistema capitalista, onde não há limite para o lucro, e a ganância é o motor principal a nos guiar em direção ao objetivo de sempre acumular mais. E isso independe do fato de envelhecermos, e pela lógica natural da vida em algum momento morrer. A herança, mecanismo inventado para perpetuar a busca obsessiva pela riqueza e garantia da propriedade, se encarrega de assegurar que os mortos determinem quem em vida continuará sua sina.
NO LIMITE!
Isso é o que faz das cidades mais particularmente, palco principal das neuroses e conflitos, ambientes cada vez mais carregados de estupidez, violência e atitudes bizarras. Porque cabe a cada um, seguindo a forma individualista determinada por essa lógica, brigar, com todas as suas forças, para superar o outro, numa disputa que determina quem é vitorioso e será escalado para atingir os melhores degraus da pirâmide social. Como no traçado geométrico dessa figura, também na sociedade vai diminuindo o percentual daqueles que atingem o pico, e os que lá chegarão quase sempre já se encontram na linha de ascendência de alguém “bem sucedido”, pouco ocorrendo a incidência de algum “cristão novo”.
Ou lutamos para alterar esse modelo, atacando na raiz a maneira como se transmite esses valores culturais, ou será insuficiente exigirmos garantias de segurança por parte do Estado. Porque também esses mecanismos estão corrompidos, seguindo o que descrevemos anteriormente. Nossas prisões já não são suficientes para conter uma marginalidade que cresce, na medida em que se atiça a onda consumista.
Portanto, antes de nos escandalizarmos com o grau de violência que assistimos, e que em alguns casos somos vítimas, devemos refletir sobre as causas disso. Não é, em absoluto, da essência humana. É, indubitavelmente, da condição humana.
Sugiro aos leitores do blog o filme “Crash, no limite!”. Suas histórias, que se entrelaçam e conduzem à surpresas e tragédias, mostram bem como funciona o cotidiano de uma cidade cujas pessoas encontram-se á beira de um ataque de nervos. Preconceito, intolerância, medo e insegurança são os elementos motivadores das tragédias ali relatadas e que se parecem com muitas das que acontecem na vida real.
INDIGNAI-VOS!
Em outros artigos tenho procurado analisar como o individualismo e o egoísmo vão sendo disseminados por alguns mecanismos de controle ideológico, apresentados como válvulas de escapes dessas neurastenias. Mas se são por um lado consequência dessa situação, por outro, configura-se como um objetivo calculado desse modelo de vida. Mais uma contradição a nos envolver num pântano movediço.
Mas não repito o pessimismo de muitos, influenciados pela profusão de imagens a nos deixar estarrecidos e assustados. Deveríamos temer um futuro caótico, se ao olharmos para trás não percebessemos o quanto a humanidade avançou. Estabeleceu regras, leis, limites à intolerância. Os casos que nos deixam espantados, disseminados pela mídia ad nauseam, tem por objetivo a espetacularização da violência com intuito de manter as pessoas anestesiadas, e presas a seus interesses mercadológicos. A própria violência assim mostrada fortalece a cada dia uma indústria de segurança, de exércitos particulares, de objetivos escusos das corporações e traficantes de armas.
Recorro ao filme “V de Vingança”, para argumentar o quanto a indústria do medo transforma-se numa poderosa estratégia para definir políticas totalitárias, ao criar um medo coletivo e impor nas pessoas a desconfiança de todos, gerando ao mesmo tempo uma desesperança. Essas ações abrem o caminho para o fascismo, e gradativamente irá restringir a nossa individualidade.
A máscara de “V”, nos dias atuais, tem servido para alimentar cada vez mais a revolta de jovens por todas as partes do mundo, numa luta contra as desigualdades sociais, essa sim, a maior das violências que deve nos deixar indignados.
Embora não queira negar um estado de violência latente em alguns territórios, principalmente nas periferias das grandes cidades, disseminada pelo tráfico de drogas cuja maior usuária é a burguesia, ela não pode ser vista como algo que sirva para traçarmos um perfil maléfico e cruel de todos. Muito menos da maioria das pessoas. Compõe apenas uma minoria no total da população, cujas ações transformadas em espetáculo pela mídia transmitem a sensação de ser majoritária na sociedade. E assim nos inspiram medo.
Tenho plena convicção de que é possível sair desse mundo, cuja violência é banalizada como decorrência da sua lógica, porque nele habita uma maioria que, mais cedo ou mais tarde, saberá lutar para transformá-lo e construir um caminho diferente, que não se baseie em perversão, usura, ganância, egoísmo...
Indignai-vos. Nosso destino não está traçado!



CRASH - NO LIMITE!
Título original: (Crash)
Lançamento: 2004 (EUA)
Direção: Paul Haggis
Atores: Karina Arroyave, Dato Bakhtadze, Sandra Bullock, Don Cheadle.
Duração: 113 min
Gênero: Drama

Sinopse

Jean Cabot (Sandra Bullock) é a rica e mimada esposa de um promotor, em uma cidade ao sul da Califórnia. Ela tem seu carro de luxo roubado por dois assaltantes negros. O roubo culmina num acidente que acaba por aproximar habitantes de diversas origens étnicas e classes sociais de Los Angeles: um veterano policial racista, um detetive negro e seu irmão traficante de drogas, um bem-sucedido diretor de cinema e sua esposa, e um imigrante iraniano e sua filha.

V DE VINGANÇA
Título original: (V for Vendetta)
Lançamento: 2006 (Alemanha, EUA)
Direção: James McTeigue
Duração: 132 min
Gênero: Ficção Científica

Sinopse

Em uma Inglaterra do futuro, onde está em vigor um regime totalitário, vive Evey Hammond (Natalie Portman). Ela é salva de uma situação de vida ou morte por um homem mascarado, conhecido apenas pelo codinome V (Hugo Weaving), que é extremamente carismático e habilidoso na arte do combate e da destruição. Ao convocar seus compatriotas a se rebelar contra a tirania e a opressão do governo inglês, V provoca uma verdadeira revolução. Enquanto Evey tenta saber mais sobre o passado de V, ela termina por descobrir quem é e seu papel no plano de seu salvador para trazer liberdade e justiça ao país.


Este artigo é uma adaptação de outro escrito originalmente em agosto de 2010 e publicado no Blog com o título: No Limite!

4 comentários:

  1. Um verdadeiro show de informações. Artigo atual, dinâmico, reflexivo.Nos faz pensar até que que ponto não poderíamos estar equivocados a respeito da felicidade, da nossa condição de viver neste mundo competitivo.Aonde está os pequenos valores?
    Parabéns Romualdo...

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  2. Romualdo, seu texto está nos meus 'favoritos' para lê-lo mais vezes. Não consegui discordar de nenhuma vírgula. As pessoas ditas 'doutoras' em vários aspectos traçam 'soluções' atacando apenas o efeito. A causa de tudo, para mim, é a ganância humana, é esse sistema que joga todos valores humanos no lixo e privilegia somente o valor econômico. Quem nasceu sob esse signo do dinheiro - que cresce cada vez mais, mas já dá sinais do início da sua ruína - imagina ser a vida aquilo que é transmitido pela mídia, pela propaganda dos detentores do mercado e do poder, cuja única meta é o consumo desvairado sob a paga ilusão de ótica de uma sociedade perfeita e feliz. Mas nem todos chegam lá. E quem não chega quer. Quem quer mas não tem estrutura - muitas vezes negada como forma de oportunidades pelo sistema - tentará obter de qualquer jeito e já que o sistema é 'lindo' - e ele o incompetente que não consegue fazer parte - se volta contra quem está mais próximo. Resultado: violência em casa, no trânsito, no estádio de futebol; intolerância; drogas. E vivam os bancos e seus lucros biliardários, com a sua endossada e aviltante corrupção de poder.

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  3. Gostei muito, Muca. Seu texto é uma aula sobre os destemperos da sociedade capitalista e consumista.

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  4. Belo texto, apaixonei-me pela sua escrita.

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