quinta-feira, 11 de agosto de 2011

O CERRADO, O MUNDO GLOBALIZADO E A CRISE ECONÔMICA MUNDIAL

Comecei esta semana a participação em uma disciplina nova no Instituto de Estudos Sócioambientais da UFG, juntamente com outros colegas professores. O objetivo é levar aos estudantes uma maior discussão sobre o Bioma Cerrado, e de como ele se insere estrategicamente em um mundo globalizado, com uma crescente importância na produção de alimentos e de luta pela conservação de uma rica, mas pouco conhecida, biodiversidade. Como Núcleo Livre ela atinge alunos de várias áreas do conhecimento e estaremos realizando pequenos seminários com vários professores expondo seus conhecimentos a respeito do Cerrado, tendo como base o livro publicado pela Secretaria Regional da SBPC-GO: Cerrados, olhares e perspectivas.
O objetivo é discutir questões que estão preocupando pesquisadores e ambientalistas, mas que são pontuadas por fortes contradições, diante da própria característica econômica que se fortaleceu no Estado de Goiás, ao longo das três últimas décadas. Tudo isso, além de compreendermos o que é o Cerrado, e que riquezas naturais ele ainda possui, no pouco que resta que ainda não foi ocupado pela produção agropecuária ou pelo forte expansionismo das cidades, principalmente as médias, em cujo entorno se amplia a capacidade produtiva do agronegócio.
Mas qual o interesse que o Cerrado desperta em um mundo globalizado? Não é difícil chegarmos a identificar toda a riqueza estratégica que o Cerrado possui e a sua valorização econômica, principalmente numa época que a produção de alimentos se torna crucial em uma realidade em que parcela considerável de sua população, vivendo nos países que compõe o chamado BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) se insere rapidamente no mercado de consumo. 
Os olhares das grandes corporações que atuam na produção de alimentos, de insumos e produtos químicos (leia-se agrotóxicos), se arregalam para o Brasil, como um todo, mas principalmente para essa região que se constitui em uma fronteira agrícola em expansão. Agora em direção ao Tocantins, Maranhão, Piauí, nos rastro da Ferrovia Norte-Sul e, em breve, da Leste-Oeste.
No entanto o mundo passa por um processo de ebulição que deixa várias interrogações, para tentarmos entender o que pode ocorrer como conseqüência da grave crise que atinge as maiores economias, tanto os Estados Unidos, como a União Européia.
Se de um lado temos os BRICs, com potencial de crescimento bastante acentuado e com perspectiva de ampliação da sua capacidade de inserção no mercado consumidor de uma população que ascende rapidamente, de outro os países com os PIBs mais elevados do planeta se encerram em uma crise de proporções inimagináveis há alguns anos. A ponto de uma nova sigla despontar, na contramão dos emergentes: PIIGS, identificando Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha. A semelhança com a palavra pigs, em inglês porcos, não é casual, surge como uma espécie de trocadilho em função da definição pelas agências que avaliam os riscos das economias, cujos papéis passam a ser caracterizados como  “sujos”, em função das dúvidas sobre a capacidade desses países honrarem suas dívidas. Neste caso o trocadilho não é proposital.
É com essas dúvidas que procuramos entender como estrategicamente o Cerrado vai se inserindo nessa confusão capitalista. Por isso procurei inicialmente analisar a situação em que se encontram os países com maiores economias (à exceção da China), compreendendo que pela própria situação de um mundo completamente conectado, em vários sentidos que essa palavra signifique, o agravamento dessa crise pode redefinir estratégias de investimentos e alterar até mesmo a direção em que se darão as aplicações dos recursos financeiros. E, naturalmente, por essa compreensão, dificilmente algum país deixaria de ser afetado por uma recessão global.
Nos últimos anos o mundo se deparou com um desafio, muito além das preocupações malthusianas, mas que nos força a relembrar das teorias de Thomas Malthus.  A análise que indicava a impossibilidade da humanidade poder garantir produção de alimentos para uma população que crescia vertiginosamente, praticamente perde força quando passamos a conviver com a capacidade tecnológica que o mundo alcançou por todo o século XX, inclusive na possibilidade de produzir alimentos nas situações mais adversas. Técnicas de lidar com o solo, inovações tecnológicas que aceleram o ritmo do plantio e da colheita, insumos que aumentam a capacidade produtiva, e o crescimento da indústria química utilizada no combate às pragas (para o bem ou para o mal, veremos mais adiante), colocaram por terra boa parte das questões postas por Malthus.
Mas, por outro lado, há uma lógica que impede essa capacidade tecnológica de vir suprir a contento a necessidade que existe em quase todos os continentes, mas principalmente África e Ásia, de reduzir o número de indivíduos que vivem na mais absoluta miséria e com boa parte deles, principalmente crianças, morrendo de desnutrição. Não tem acesso aos alimentos básicos que possam garantir suas sobrevivências.
Essa lógica é a maneira como o capitalismo transforma toda essa capacidade tecnológica em potencial produtivo visando exclusivamente a ampliação dos lucros. Assim, existe sim, uma enorme potencialidade decorrente de todas as inovações que revolucionaram incessantemente os meios de produção, mas toda essa capacidade termina servindo aos interesses mais gananciosos de acumulação e concentração de rendas.
Commodities
Produzir alimentos, principalmente as chamadas commodities, mercadorias que tem os seus preços fixados no mercado internacional tem atraído muitos investidores. Traduzindo em miúdos, são mercadorias, principalmente minerais e produtos agrícolas, com pouca ou nenhuma industrialização, consequentemente com baixíssima agregação de valor, permanentemente monitoradas pelas bolsas de valores.
Esses produtos agrícolas têm seus preços fixados em dólares em nível internacional, com uma produção de larga escala, como característica principal o fato de serem produzidos em grandes propriedades e quase sempre monoculturas. Seus preços são, portanto, variáveis não somente em função da cotação do dólar, moeda padrão de referência internacional, mas também porque termina também sendo submetidas às oscilações das bolsas de valores, e, consequentemente, estão sujeitas às manipulações tradicionais que ocorrem no mercado financeiro.
Obviamente, esses mecanismos que movem o sistema capitalista global, não possuem a menor preocupação em transformar toda a capacidade tecnológica em investimentos para conter o aumento da fome em várias partes do mundo, notadamente naquelas citadas. Em alguns lugares, como na região da Somália e todo o seu entorno, a situação aproxima-se de uma enorme catástrofe, com milhões de pessoas deslocando-se para outras regiões e boa parte delas sucumbindo à fome e perdendo suas vidas nesses trajetos.
Portanto, o interesse é meramente especulativo, com base na ganância e na garantia de lucros crescentes, como de resto é a maneira como o sistema funciona. Isso significa dizer que os investimentos possíveis de serem feitos obedecem à lógica do mercado mundial, e, portanto, a crise econômica pode alterar os rumos do capital.
Cana-de-açúcar
Mas é sempre bom considerar que o mercado de alimentos é potencialmente lucrativo, ou, melhor dizendo, das commodities agrícolas, já não mais somente como produtos que visem atender apenas às necessidades alimentares da população, mas também porque boa parte deles passa a se constituir em matéria-prima para produção de energia, como no caso da cana-de-açúcar (embora o etanol não seja ainda uma commoditie, o açúcar o é), o milho e outros que podem passar também a serem produzidos com esse objetivo. Além de boa parte da produção de soja atender ao mercado de ração para alimentar o gado que em boa parte do mundo, principalmente Europa é criado em confinamento.
Isso implica em dizer que a crise econômica tende a ampliar a crise alimentar em algumas partes do mundo, mas que a tendência deve se manter, de os investimentos continuarem sendo feitos naqueles produtos marcados como commodities porque são os que garantem mais divisas para os países como o Brasil e possibilitam maiores lucros a quem investe no mercado de produtos agrícolas. Mesmo que isso signifique uma crescente concentração de rendas, por serem produtos de baixo valor agregado. Para o Estado Brasileiro o que mais importa é o fato de essa atividade ser a principal responsável pelo superávit na balança comercial.
Como esse é um espaço com enorme potencial produtivo e com ainda uma área cultivável imensa a ser explorada, se for desconsiderado, como tem sido, a importância da biodiversidade, provavelmente poucas alterações acontecerão em relação ao crescente interesse pela aquisição de terras em áreas desse bioma, como também na Amazônia e na região de transição entre o Cerrado e a Caatinga. Essa nova fronteira agrícola já atende pelo nome de MAPITOBA (Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia), como dito antes, boa parte dela seguindo os trilhos das estradas de ferro.
Principalmente se a tendência for de uma prolongada queda nas bolsas de valores, e de indefinições quanto à melhor aplicação que assegure os lucros fáceis do dinheiro especulativo. Então, como sempre ocorre historicamente, a aquisição de grandes quantidades de terras passa a se constituir em um excelente investimento, principalmente em regiões de expansão agrícola como o Cerrado.
Consequentemente os impactos que irão decorrer de tudo isso tende a ampliar o processo de degradação ambiental e de aceleração da devastação desse bioma. Por mais que as pesquisas desenvolvidas nas Universidades ou ONGs sérias focadas na enorme contradição presente da expressão “desenvolvimento sustentável com preservação ambiental”, possa estar indicando todo o rico potencial da biodiversidade do Cerrado, a resposta para investimentos e o quantitativo de lucro que advirá em atividades exploradas pelas populações tradicionais, não são suficientes para se contrapor à essa lógica gananciosa e destrutiva.
Irrigação
Cabe a todos aqueles que vivem no Cerrado e os que estudam sua riqueza natural e importância da sua biodiversidade, insistir em apontar os riscos que isso causa e a possibilidade de futuramente boa parte do bioma se tornar improdutiva e desertificada. O uso excessivo da água para irrigação, por exemplo, com a utilização de grandes pivôs centrais, a esgotarem rios, córregos e lençóis freáticos, é um bom exemplo dos desatinos que se cometem sem levar em conta os desgastes inevitáveis desses excessos, como por exemplo, a salinização do solo.
Acrescente-se a isso os interesses que estão por trás desse modelo de produção agrícola. Refiro-me agora às grandes disputas exercidas por corporações gananciosas, e criminosas, que inundam o campo com produtos químicos responsáveis pela ampliação dos casos de câncer no Brasil e no mundo. São os agrotóxicos, venenos que eliminam pragas, mas que trazem junto um efeito perverso e profundamente destrutivo para as pessoas e todo o meio-ambiente.
Essas corporações, em sua maioria multinacionais, usam de todos os tipos de praticas deliquentes para burlar legislações e buscar apoio em setores políticos conservadores com o intuito de conter proibições – como ocorre em outros países – mesmo para certos produtos claramente comprovados como extremamente nocivos à vida humana. Calcula-se que cada brasileiro, em média, por ano consuma em torno de 5,2 litros de agrotóxicos.
E essas Corporações atuam não somente na área de alimentos, como é de suas características, mas em outros setores geradores de disputas internacionais e guerras como o petróleo, indústria farmacêutica e de produtos veterinários. São gigantes que possuem fortes influências em poderosos Estados, principalmente os de suas origens, como os Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha etc. Muitas delas tem seus produtos também fabricados aqui no Brasil, como Basf, Bayer, Syngenta, DuPont e Monsanto.
Como defender o Cerrado em um tempo em que todos os olhares gananciosos e geopolíticos estão voltados para esses imensos chapadões de uma paisagem que dá uma impressão de pobreza, mas que esconde uma enorme riqueza? Se todas as transformações que são visíveis nos Estados centrais, ou do imenso sertão brasileiro, se deram às custas de grandes investimentos agrícolas, e com isso possibilitou um forte crescimento econômico, como frear nos dias de hoje a continuidade de um processo que se agigantou e ameaça a riqueza natural de um importante bioma?
Esse é um desafio que se apresenta para todos aqueles que são estudiosos do Cerrado, mas que compreendem também todo o processo de desenvolvimento socioeconômico de uma região até pouco tempo marginalizada. Um progresso também, notadamente conseguido à custa de uma enorme concentração de riqueza, como decorrência do modelo agrícola utilizado, que causou outros efeitos colaterais. Um deles, a expulsão de quase toda uma população rural para as cidades, potencializando um crescimento desordenado das mesmas e um cinturão de miséria em suas periferias responsáveis em grande parte pelo aumento da criminalidade e do consumo de drogas que destrói o futuro de boa parte da sua juventude e mantém as pessoas refém da violência e do medo.
Traçado de Brasília em seus primórdios
Assim, são as condições criadas pela acelerada penetração em direção ao heartland brasileiro, desde a marcha para o Oeste na época varguista, até a instalação da capital federal, seccionando o território goiano, e todo o projeto de integração nacional visando o controle estratégico da grande Amazônia posto em prática por Juscelino Kubitscheck no final da década de 1950.
Mas foi mesmo a revolução tecnológica na agricultura o principal responsável pela transformação de um solo seco em terreno de ótimo potencial produtivo. Aliado à característica climática sem muitas alterações, dividida em duas estações, a seca e a chuvosa, propícia à atividade agrícola e à pecuária.
Desfazer essa visão do cerrado como meramente um território somente adequado à instalação do grande agronegócio, e buscar outros caminhos alternativos de desenvolvimento, que se preocupe com a conservação da biodiversidade é a tarefa do momento da universidade, dos pesquisadores e de todos aqueles que lutam pela exploração democrática e não destrutiva das riquezas que a natureza possui, em benefício da maioria e em prol da construção de um mundo com outra compreensão a respeito da vida.
Um outro mundo é possível, com a conservação da natureza e a preservação da vida. Sem a ganância que está destruindo as sociedades atuais e nos afundando em uma crise econômica sem precedentes.





Um comentário:

  1. Amigos, vejam o edital do ISPN para apoio a pesquisas sobre o Cerrado.

    O ISPN receberá, até o dia 15 de setembro de 2011, propostas de apoio a pesquisas sobre temas relevantes para o uso sustentável da biodiversidade do Cerrado e das áreas de transição para os biomas vizinhos.

    Essa iniciativa faz parte do Programa Universidades e Comunidades do Cerrado – UNICOM, desenvolvido com o apoio da União Européia, no âmbito do projeto Florelos.

    http://www.ispn.org.br/confira-o-novo-edital-do-unicom-para-apoio-a-projetos-de-pesquisa-no-cerrado/

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