Resolvi nesta postagem me aventurar pela filosofia, tentando fazer uma análise da sociedade atual. “Pós-pós-moderna”, diriam alguns. Essa onda do pós, que pautou as discussões filosóficas na última década do século XX, felizmente foi-se junto com os vários tsunamis que varreram muitos lugares, inclusive aquelas duas torres chamadas de “World Trade Center”. Ou após os “subprimes” nos Estados Unidos transformarem-se em poeiras e ter jogado a economia capitalista em uma das maiores crises de sua história, perdendo apenas para o “Crash” da bolsa de Nova Iorque em 1929. Pós-alguma coisa, só no sentido figurativo.
Então, o que virou o mundo nesta década inicial do século XXI? Bom, seria muita pretensão querer dar resposta a isso, até porque precisaríamos de muitas respostas e não me sinto capaz de me aventurar em tamanha complexidade. Posso dar palpites sobre alguma coisa... Bingo! Eis a questão, é sobre isso que quero falar. O mundo das comunicações fáceis difundiu em volta do planeta várias teorias e criou expertises nos mais diversificados assuntos. Eis-me aqui, a dar também os meus palpites.
Então, o que virou o mundo nesta década inicial do século XXI? Bom, seria muita pretensão querer dar resposta a isso, até porque precisaríamos de muitas respostas e não me sinto capaz de me aventurar em tamanha complexidade. Posso dar palpites sobre alguma coisa... Bingo! Eis a questão, é sobre isso que quero falar. O mundo das comunicações fáceis difundiu em volta do planeta várias teorias e criou expertises nos mais diversificados assuntos. Eis-me aqui, a dar também os meus palpites.
Mas não estou me referindo às comunidades virtuais, chamadas redes sociais. Repito o que já disse em outros textos, elas são instrumentos de divulgação de idéias e opiniões, não podem ser convertidas em objetos responsáveis pela construção de conceitos, filosofias, teorias etc. As redes sociais apenas as reproduzem. E vão se constituindo por isso em importantes instrumentos de difusão acelerada dessas idéias, as quais pretendo abordar, que se libertaram da “Caixa de Pandora” com o fim da pós-modernidade (ou o que se dizia ser isso) e viraram o mundo de ponta-cabeça nas duas últimas décadas.
UM MUNDO EM CRISE
É difícil afirmar qual o momento em que uma crise de grandes proporções não tenha afetado o mundo. Melhor seria dizer que ele está permanentemente em crise. Primeiro é bom lembrar que o sentido desta palavra vai mudando ao longo da história humana, sendo que etmologicamente, originando-se do grego Krinein ou krisis, tinha o sentido de “julgar, avaliar, decidir, separar”, transmutando-se por todo esse tempo, até ser usado na época moderna pela medicina, passando a representar um momento decisivo de uma situação de doença grave entre a cura e a morte (cf. dicionário Houaiss da Lingua Portuguesa).
Na abordagem econômica essa palavra ganha a conotação de um sentido semelhante, demonstrando o auge de contradições que impõe uma “enfermidade” em uma formação econômico-social, forçando mudanças substanciais e até mesmo substituição de formas de produção. Segue-se, como decorrência, as alterações dos valores que são construídos sobre os pilares das estruturas econômicas, a substituição de hábitos, costumes, tradições. A cultura, enfim, transforma-se fazendo surgir novos elementos que darão à sociedade uma nova feição, acompanhando, sempre, a forma como está estruturada as suas bases, seu jeito de produzir. E outras idéias, impostas pelas novas classes dominantes, substituirão as antigas no controle ideológico da sociedade.
Nossa percepção de mudanças acompanha as situações peculiares, particulares. Observamos o nosso redor, aquilo que nos diz respeito específicamente e o dimensionamos à totalidade, e identificamos no cotidiano elementos que gradativamente vão substituindo comportamentos antigos. Quando novas atitudes passam a se impor – ás vezes de forma imperceptível – é um sinal que os valores existentes até então enfraqueceram-se. Isso quase sempre acontece quando, pelas formas econômicas, os relacionamentos vão se deteriorando e forçando as mudanças.
O período em que os antigos costumes começam a se chocar com essas novidades que vêem surgindo, acompanhando os estremecimentos na base econômica, passou a ser denominado como crítico, ou de crises na sociedade. As forças do novo quase sempre se impõem, mas não antes de criar a sensação que estamos em meio a um caos. A História irá nos mostrar que esse período é na verdade uma transição entre o velho e o novo, alterando estruturas sociais e formulando novos valores culturais.
Sempre tenho como referência Milton Santos, a quem dediquei um de meus últimos post, e ele falava frequentemente que vivemos uma época de transição, naquilo que ele caracterizou como período técnico-científico-informacional. E acrescentava, que os que vivem em meio à essas transformações não conseguem perceber que estão em meio à uma transição sistêmica, que é longa e traz consigo mudanças superestruturais. As idéias, a cultura, vão sendo pouco a pouco afetadas por essas transformações e geram um conflito, um caos, que representa exatamente o início da crise que definirá os novos rumos da sociedade. Isso sempre se dá localizadamente, depois se expandindo para outros lugares, até atingir praticamente toda a humanidade.
ALÉM DO BEM E DO MAL
“Nesses pontos limiares da história exibem-se – justapostos quando não emaranhados um no outro – uma espécie de tempo tropical de rivalidade e desenvolvimento, magnífico, multiforme, crescendo e lutando como uma floresta selvagem, e, e de outro lado, um poderoso impulso de destruição e autodestruição, resultante de egoísmos violentamente opostos, que explodem e batalham por sol e luz, incapazes de encontrar qualquer limitação, qualquer empecilho, qualquer consideração dentro da moralidade ao seu dispor”. Isso é Nietzsche (1882), citado por Marshall Berman, no livro do qual peguei o título deste texto (embora a frase seja originalmente de Marx). E a discussão que o motivou, e da qual Berman procura analisar, é a respeito das transformações que aconteciam no século XIX e a crise que possibilitou o advento da modernidade burguesa.
O capitalismo já se iniciara alguns séculos antes, mas ainda explodia na sociedade européia as mudanças decorrentes de outro tipo de cultura que precisava se impor, acompanhando as transformações econômicas. O choque entre valores antagônicos, de uma época que se desfazia e de outra que despontava. O velho e carcomido pensamento medieval se via sob um fogo cruzado das idéias burguesas que se impunha e já do seu contrário, as teorias socialistas que refutavam a burguesia ainda no processo de consolidação de seu poder político.
Já naquela época vamos encontrar situações parecidas com as que vivenciamos nos dias atuais, compreendendo bem, para não cairmos no anacronismo, que estamos falando de momentos bem distintos da história da humanidade. Contudo, as características pertinentes a uma crise de choques de contradições geradas por mudanças sócio-econômicas, são bastante parecidas. E segue-se mais uma citação extraída da obra de Nietzsche:
“Nada a não ser novos ‘porquês’, nenhuma fórmula comunitária; um novo conluio de incompreensão e desrespeito mútuo; decadência, vício, e os mais superiores desejos atracados uns aos outros, de forma horrenda, o gênio da raça jorrando solto sobre a cornucópia do bem e do mal; uma fatídica simultaneidade de primavera e outono”.
Impactava-se, assim, numa época de espetaculares transformações, de espírito revolucionário, um rico choque de contradições, mas também de esfumeamento de certezas que se chocam e colidem com novidades que ainda não estavam definitivamente provadas. Em meio a uma dialética incontrolável, a meu ver transparecendo o óbvio, explodiam ódios, rancores, expectativas, anarquia, luta de classes... a modernidade despontava entremeada com a esperança de superação de um horror que ficava para trás, e de desconfiança pelo que poderia repetir, diante de um vazio de proposições fúteis e individualistas.
MAIS DO MESMO
Vivemos agora algo parecido. Sem desconsiderarmos o fato de vivermos em uma época completamente distinta, mais de um século depois do advento da modernidade, continuamos nos deparando com situações parecida. Talvez com uma novidade, analisando-se um pouco superficialmente as duas épocas. É provável que mais do que nunca em uma época se ignore tanto a História como agora. Digo a História como processo, não esse fragmento de fatos analisados isoladamente, como se as coisas acontecessem desconectadas e fosse possível analisar casos do cotidiano sem a compreensão de suas origens e de como as contradições forçam as mudanças.
A geração que inicia o século XXI na adolescência, e acredito pela maneira como aprendem as coisas, imaginam estarem vivendo em um mundo que começou agora. Desconhecem todas as contradições que nos movem, erguem palavras de ordem completamente anacrônicas, acreditam piamente que os problemas do mundo é fruto do conflito entre o bem e o mal, e assumem defesa de causas conservadoras como se as mesmas fossem revolucionárias.
Como a incorporarem, mesmo que ingenuamente, o discurso neopentecostal, tem o olhar fixado no futuro, e na perspectiva de alcançarem conquistas por reivindicações singelas, aparentemente radicais. São elementos que compõem a própria maneira como o sistema se retroalimenta. Drogas, marginalidade, apoliticismo (que não necessariamente é alienação), religiosidade, obsessiva vontade de enriquecer a qualquer custo, preconceito, liberalismo sexual... tudo são questões que mantém o sistema seguindo em sua lógica normal. E convivendo com isso há mais de um século.
A aparente ebulição da sociedade, expressa de várias formas e potencializadas pelas redes sociais, não carrega em si nada de novo, a não ser no uso dessas novas tecnologias. Mas, ao contrário da época em que a modernidade desponta, compreendendo isso no sentido filosófico do termo, nos dias atuais há uma completa indiferença em relação à existência de classes sociais distintas, e à luta que é travada entre elas. No momento silenciosa, mas com o aprofundamento das crises, a exemplo do que acontece em alguns países árabes e europeus, e na observância das soluções que se apresentam para elas, vai claramente sendo definido os campos em disputas. As medidas radicais tomadas para superar os problemas e impedir o agravamento dessas crises, são sempre para proteger os meios de produção, a riqueza dos grandes investidores e o patrimônio real ou virtual dos grandes banqueiros e especuladores.
Enquanto isso se marcha contra tudo, menos contra aquilo que é, em essência, responsável pelas condições que tornam a sociedade insegura e refém de seus medos e individualidades. Muito embora todo um aparato repressivo seja mobilizado para conter isso, por uma necessidade de não se perder o controle do poder bem como para se impor a autoridade, não são essas as formas de lutas, nem o conteúdo que as movem, que irão fazer com que a burguesia perca o seu sono.
O que dizia Marx, no século XIX, mas com um conteúdo extremamente atual, e irônico em relação às lutas e combates ideológicos travados pela burguesia, se aplica a movimentos que se apresentam com idéias avançadas, mas de conteúdos conservadores, que nos dias atuais imaginam travarem uma luta revolucionária:
O que dizia Marx, no século XIX, mas com um conteúdo extremamente atual, e irônico em relação às lutas e combates ideológicos travados pela burguesia, se aplica a movimentos que se apresentam com idéias avançadas, mas de conteúdos conservadores, que nos dias atuais imaginam travarem uma luta revolucionária:
“Todas as relações fixas, enrijecidas, com seu travo de antiguidade e veneráveis preconceitos e opiniões, foram banidas; todas as novas relações se tornam antiquadas antes de chegarem a ossificar. Tudo o que é sólido desmancha no ar, tudo o que é sagrado é profanado, e os homens finalmente são levados a enfrentar (...) as verdadeiras condições de suas vidas e suas relações com seus companheiros humanos” (Manifesto Comunista, 1848. Citado por Berman, Marshal. Tudo que é sólido desmancha no ar – A aventura da Modernidade. Cia das Letras, 1993, p. 20).
Caro Romualdo, li e gostei de sua reflexão.
ResponderExcluirEm quase todos os aspectos levantados concordo contigo. Apenas a título de contraponto, penso que seria melhor pensar, separadamente, e a partir de outra dimensão, a questão da sexualidade.
Nenhuma sociedade poderia regular de forma absoluta as relações entre os homens. Insistir neste ponto seria castração da capacidade de criação do próprio homem. Morte, por assim dizer, da verdadeira liberdade germinativa!
Não há modelo de sexualidade a ser importado. Devemos tratar a sexualidade como possibilidade humana e recepcioná-la em suas manifestações na sua inteireza. Talvez seja um caminho mais adequado, inclusive para se estabelecer diálogo e convivência com o inteiramente outro.
O fenômeno da droga (sim, porque a Contemporaneidade é dentre todas as épocas a mais marcada pela droga), por outro lado, merece tratamento mais socioeconômico. Até porque, se virou comercio e acelerado, resulta em ganhos econômicos para alguns. Todavia precisamos entender mais sobre este processo, buscar saber sobre as causas que desencadearam o fenômeno tão poderoso como a produção em larga escala da droga.
Ao amigo, um bom domingo!
Wilame