Eu resisti por algum tempo a fazer parte de algumas das ferramentas virtuais que existem ao nosso dispor. Tentei o Twitter, mas desisti. Finalmente, há quase dois meses sucumbi à tentação e me tornei mais um a fazer parte do universo do Facebook. Coincidentemente logo depois que assisti ao filme sobre a criação dessa rede e a disputa em torno dos direitos autorais.
Depois disso posso dizer que não me arrependo. Muito pelo contrário, em que pese reclamar do tempo que me imponho a trocar mensagens sobre os mais variados assuntos. Um balanço dessa minha aventura me possibilita fazer algumas análises sobre o significado das redes sociais.
Elas se constituem em uma excelente forma de nos comunicarmos, até mesmo em tempo real, encontrar velhos amigos, saber dos acontecimentos culturais, festas, combinarmos encontros, até mesmo trocarmos textos poéticos em comunidades fechadas, ou tantas outras alternativas que significam bem mais do que isso. Representa, também, uma maneira de não nos sentirmos tão solitários em certos momentos e constituem uma espécie de catarse, onde podemos nos esquecer dos problemas, de nossa solidão, de nossas angústias, de nossos medos.
Mas, o contraponto disso, como eu vejo, é que elas passam também a se constituir em um mundo virtual, apartado de uma realidade cada vez mais complexa e distanciando-se das agruras do mundo real. Se por um lado podemos através delas combinar atos e manifestações sobre um determinado assunto que possa empolgar as pessoas, principalmente a juventude, por outro lado essas terminam sendo situações deslocadas de uma realidade maior. Representa também uma forma de fugir dos problemas mais graves, apegando-se às mobilizações por reivindicações específicas. Embora importantes elas não dão conta de conter as perversidades de uma lógica sistêmica que é extremamente preocupante.
Enquanto isso, no mundo real, acumulam-se problemas de origem estrutural da forma de funcionamento do sistema capitalista. Não sei se pelo fato de vivermos um momento economicamente positivo para o Brasil, a impressão que eu tenho é que as pessoas, em sua maioria, não dão a devida importância à crise econômica que há três anos ronda o mundo e pode suplantar a de 1929, dada às dimensões criadas por outra rede, a do sistema financeiro mundial, hoje muito mais globalizado que na década de 30 do século passado.
Mas há uma diferença gritante, escandalosa, das buscas por alternativas para sair daquela crise, conhecida por “a grande depressão”. Apesar de a quebradeira atingir o sistema financeiro, havia uma preocupação, presente nas medidas tomadas a partir das idéias keynesianas, de se procurar garantir às pessoas o emprego, e ao Estado cabia a responsabilidade em propor saídas que dessem às pessoas a certeza de que as soluções a serem tomadas seriam em seu favor. E assim foi feito. Salvou-se o sistema financeiro, mas garantindo-se principalmente o pleno emprego, com forte intervenção estatal e a superação de uma crise que espalhou fome, desemprego e criminalidade nos Estados Unidos, Europa e outras partes do mundo.
Foi nesse contexto, podemos dizer, que foi chocado o ovo da serpente, parafraseando o título de um ótimo filme de Ingmar Bergman que trata do nascimento do nazismo. Após um período de euforia, representado por uma década de ouro, como diz Eric Hobsbawm - a década de 1920 - de pujança do desenvolvimento capitalista e da produção das mais variadas inovações tecnológicas, principalmente de uso doméstico, a crise que sucedeu marcada pelo aumento descontrolado da produção, e pelo excesso de valorização das ações das empresas, levou os países ricos à bancarrota.
No meio dessa crise, que pegou a população de surpresa, iniciou-se um movimento de intolerância às diferenças, aos estrangeiros, aos negros, homossexuais e judeus, O outro passou a ser visto como um elemento indesejável a roubar o emprego da “boa gente”. O racismo e o preconceito assumiram uma proporção impressionante, gerando sistemas políticos como o nazismo (na Alemanha), o fascismo (na Itália) e o franquismo (na Espanha). Tudo isso no rastro da crise que impactou todo o sistema capitalista.
A população dos países mais duramente atingidos pela crise, passaram em pouco tempo, da euforia do consumismo fácil, à mais completa dureza econômica jamais vista desde o surgimento do capitalismo. Como sempre, seja em quaisquer circunstâncias, a felicidade plena nos deixa desarmados para enfrentar as surpresas que advêm da própria contradição da vida. Enquanto isso ficamos contentes somente em erguer bandeiras de temas que também são complexos, mas que representam apenas partes do problema maior, e que muitas vezes as soluções apresentadas vêm aumentar a própria contradição. Como a despertar um monstro que a envolve.
Então vejamos como o mundo real está enredado em uma enorme crise.
1. O onze de setembro de 2011, não explodiu somente duas torres gêmeas, resultando na morte de milhares de pessoas, em um dos maiores atentados terroristas na história da humanidade. Em nome do deus do radicalismo islâmico, mas também contra os abusos historicamente cometidos pelos Estados Unidos.
Repito a expressão que já usei em outro texto, abriu-se a caixa de Pandora. A ação intempestiva, e já anteriormente programada a fim de atender outros objetivos, levou os Estados Unidos e algusn países a uma guerra de conseqüências nefastas, tanto em termos de mortes de pessoas, destruição de nações, como de forte impacto econômico. Além disso, por mais que tentem esconder, o atentado de 11 de setembro abalou as estruturas econômicas do império. Bilhões de dólares se esfumaçaram com o atentado e os custos da guerra completaram o caminho da falência da maior potência econômica e militar do planeta.
Mas o que esse fato propiciou foi abalar as estruturas de um gigante com pés de barros. E me refiro aqui não somente aos Estados Unidos, mas a toda a estrutura capitalista consolidada em um sistema financeiro que se dissemina em uma rede especulativa e de exploração marqueteira numa rapidez estonteante a partir da década de 1980. Fundada, principalmente, na obtenção de lucros fáceis a partir de manipulações de moedas, de valorizações artificiais de empresas e ações, de ganância descontrolada e de uma crescente insensibilidade com os problemas sociais.
Não vou me prolongar nessa análise da crise, já abordei isso em dois artigos aqui no Blog:
2. Quebradeira generalizada, vários países europeus como Grécia, Espanha, Portugal, Irlanda, Itália e sabe-se lá quantos mais, ameaçando levar à falência o Euro, e o futuro da União Européia; e, principalmente e surpreendentemente, uma situação de falta de liquidez dos Estados Unidos, com uma dívida financeira monstruosa, impagável, mas possível de ser maquiada a partir de mais endividamentos e de produção de mais dinheiro, já que o dólar é a moeda de referência mundial.
Tenho dito, para levar um pouco na brincadeira, mas com um fundo de seriedade, que se alguém acordasse de coma nesse momento, após ficar duas décadas desacordado, pensaria que o mundo está de ponta-cabeça. Afinal, na década de 1980 os países do Sul, Brasil, por exemplo, eram os que discutiam moratórias, ou seja, calote em suas dívidas, por absoluta incapacidade de quitar seus débitos, e até mesmo questionando as origens dessas dívidas. Argentina e Equador chegaram a fazer isso. Na década de 1990 isso se estendeu para o Leste Europeu e a antiga União Soviética, com a crise do socialismo real. Não se podia, então, imaginar, ver os Estados Unidos à beira de dar um calote em suas dívidas.
Mas o resultado disso, neste momento e com o protagonista dessa crise sendo a maior potência, será de conseqüências imprevisíveis para todo o mundo. Dificilmente algum país deixará de ser afetado com gravidade se de fato se concretizar os piores dos temores. Quebradeira nos Estados Unidos e na União Européia. E o problema não irá se resolver, mesmo se o parlamento autorizar o aumento da capacidade de endividamento dos EUA.
3. O que se busca nesse momento, ao contrário do acontecido em 1929, é salvar o sistema financeiro. Traduzindo: salvar os grandes investidores, grandes bancos e poderosas corporações que sofrerão duramente o golpe da insolvência desses países, principalmente se ocorrer calote. Mas, de certa maneira, qualquer que seja a saída, o resultado será sentido principalmente entre os trabalhadores e as camadas mais pobres. Busca-se salvar os barões capitalistas retirando-se investimentos sociais, reduzindo-se o número de empregos e aumentando impostos.
Como relatado no documentário Inside Job, os trilhões de dólares produzidos (conseqüência natural do aumento do endividamento dos Estados Unidos), foram despejados nos imensos rombos que atingiram grandes bancos, seguradoras e empresas que atuam no mercado financeiro, sem que isso resultasse sequer em punição para criminosos de colarinho branco que especularam descaradamente e enriqueceram enquanto a população se arrebentava em dívidas. Os altos investidores e os chamados CEO (Chief Executive Officer), saíram incólumes de todo o escândalo da chamada crise dos subprimes, ou das hipotecas, nos Estados Unidos que levou à quebra de alguns bancos. Mas, o que se vê, atualmente é que não foi somente uma crise de pequeno porte, ela não só se estendeu, como uma metástase, como pode transformar o eixo de rotação do mundo. Metafóricamente, claro. Refiro-me às mudanças econômicas e de controle hegemônico do capital.
Enquanto isso, morre-se de fome na África. Mais uma vez uma crise atinge o Chifre da África, mais especificamente na Somália, e um terço desses valores seriam suficientes para resolver o problema da pobreza naquela região.
4. Xenofobia. Racismo, intolerância, preconceito, discriminação generalizada ao outro, à qualquer um que adote comportamento diferente dos chamados valores ocidentais. Uma repetição do que aconteceu em meados do século XX e que ocorre sistematicamente todas as vezes em que uma crise econômica se avizinha. Esses são os momentos em que os radicalismos, desde a extrema direita à extrema esquerda, se utilizam para reforçar seus discursos sectários.
Se no transcurso da crise econômica da década de 1930 um dos alvos eram os judeus, desta feita são os muçulmanos. Como reflexo de um crescimento acentuado do islamismo, bem como do histórico que envolve atentados terroristas comandados por grupos radicais, como a Al Qaeda. De outro lado, como no caso do assassinato em massa ocorrido recentemente na Noruega, tanto como no discurso nazi-fascista, os valores cristãos tornam-se justificativas para esse tipo de ação criminosa.
Na medida em que a crise econômica se generalizar, as manifestações de xenofobia e dos vários tipos de preconceitos se estenderão por toda a Europa. Como também já ocorre nos Estados Unidos, por ação dos setores mais conservadores. O Tea Party, setor mais radical do Partido Republicano, também escorado no fundamentalismo cristão, aumenta o tom do discurso racista contra negros, homossexuais e principalmente emigrantes latinos, e forçam os governos estaduais sob sua influência a adotarem leis claramente discriminatórias.
Ao mesmo tempo, no Brasil e em outras partes do mundo, o comportamento homofóbico cresce a cada ano, em proporção maior do que se consegue aprovar leis que impeçam tratamentos agressivos e discriminatórios contra as pessoas que façam suas livres escolhas sexuais. Segue também a linha dos preconceitos adotados por uma cultura religiosa que deseja impor a qualquer custo seus dogmas a quem quer que seja, mesmo a quem não professe sua ideologia.
São atitudes que se repetem crescentemente e devem nos fazer refletir e agir o quanto é tempo. Pois que na história iremos encontrar exemplos recentes de comportamentos sociais coletivos que se consolidaram a partir de atos semelhantes em momentos de graves crises econômicas no mundo. Aliado a isso, o aumento da violência causado principalmente pelo uso descontrolado de drogas, mas que impõe aos governos, até por exigência da sociedade, um crescimento da militarização do Estado. A junção desses problemas poderá se transformar numa mistura explosiva e poderemos ter a repetição de situações que imaginávamos estar restrita à história. Um Estado forte, militarizado, incapaz de conter as crescentes ondas de xenofobia, preconceitos e discriminação e afinado no discurso nacionalista de ter que evitar a falência econômica. A sociedade alienada aplaudirá.
O que fazer? Por isso, imagino que as redes sociais não devem somente nos servir para aliviar nossas tensões, nem somente para tratarmos de coisas amenas. É imperioso usá-la para combater todo e qualquer discurso preconceituoso, mas também para deixar claro que vivemos um momento em que o sistema capitalista está sendo colocado à prova, pelo menos na maneira da democracia tradicional que funcionou até agora.
Para onde vamos? Tenho repetido que o futuro é uma hipótese em construção. E sua consolidação se dá no presente. É como falamos no ditado popular, que a mesma oportunidade não aparece duas vezes, se deixamos passar um momento em que podemos escolher qual transformação social queremos talvez mais adiante não consigamos reverter a situação e as conseqüências poderão ser piores.
O que posso propor? Fazermos das redes sociais também instrumentos permanentes de denúncias contra as injustiças sociais, difundirmos informações que relatem a situação real da crise econômica na qual estamos metidos, e que elas sirvam para retirar uma porção significativa da juventude do comportamento passivo, letárgico, imaginando que o futuro que virá será de acordo com o seu sonho.
Como dizia Raul Seixas, em seu Prelúdio: “Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só. Mas sonho que se sonha junto é realidade”.
Ou, só nos restará dizer que a outra frase a ser ouvida será aquela que representou um chamamento à população para romper com a opressão feudal e que se tornou parte da Marselhesa, ou o hino nacional da França: “às armas, cidadãos”.
Creio que não é isso que queremos. Então, à luta cibernéticos, transformemos o universo virtual em um ambiente real de luta por transformações sociais. Reproduzamos os grupos de discussão e nos aprofundemos naqueles temas que são responsáveis por transformar as estruturas sociais. Mas que façamos isso, seguindo outra famosa frase, agora de um velho conhecido revolucionário e ícone da juventude, Che Guevara: “Hay que endurecer, pero sin perder la ternura jamás”.
Então, que não alteremos a forma de nos comunicarmos nas redes sociais, só precisamos encontrar espaço para discutirmos formas alternativas de combatermos as injustiças sociais.
As redes sociais, caro mestre, ainda elas, eu só me pergunto que sociedade elas conectam.
ResponderExcluirEsses murais colados em paginas eletrônicas estão entulhados de bestialidades e de falsos retratos de um mundo negado.
Sua chegada a este mural é mais uma gora d'água nesse oceano de piadas ruins, homens impotentes e mulheres de plástico.
Bem vindo ao inferno.
Abraços
Ademir
Caro Ademir, não seja tão pessimista. É sempre possível usar essas ferramentas para contribuir naquelas lutas que julgamos fundamentais para lutarmos contra as injustiças do mundo real. O importante é não perdermos a esperança. E você sabe o quanto é difícil para mim dizer isso. Abçs.
ResponderExcluirExistem muitas gotas d'água nesse oceano. Como Ademir, eu também tinha a mesma opinião sobre as redes, até travar um diálogo com o meu filho, que vivia antenado e adorava RPG. Fiquei surpresa, ele estava mais bem informado do que eu, que o criticava. Outro exemplo, bem claro, é o de meu sobrinho Iago, "quase" vinte e quatro horas nas redes e o primeiro lugar, em seu primeiro vestibular. Vi, também, como eles se articulavam, pela rede, organizando uma passeata de protesto contra o aumento da passagem de ônibus, aqui em Salvador.
ResponderExcluirE, como contra fatos não há argumentos, só me restou aderir às redes.
Quanto à análise política, como sempre, é perfeita. Destacaria a frase: "Tenho repetido que o futuro é uma hipótese em construção."
Bj.
As redes sociais pode e devem ser utilizadas para debater os interesses da sociedade, um grande exemplo no Brasil, foi as eleições para presidente. Boa parte dos candidatos lançaram suas idéias nas redes sociais, e-mails, blogs ou sites. É possível utilizar as novas tecnologias para mudar ou adaptar a hierarquia do poder, isso ocorreu desde o surgimento da prensa, no século XV, até os dias atuais com os levantes populares nos países árabes. Para isso, basta acreditar e não é preciso nem se levantar mais, pois gotas d'água, também formam os oceanos.
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