quinta-feira, 11 de agosto de 2011

O CERRADO, O MUNDO GLOBALIZADO E A CRISE ECONÔMICA MUNDIAL

Comecei esta semana a participação em uma disciplina nova no Instituto de Estudos Sócioambientais da UFG, juntamente com outros colegas professores. O objetivo é levar aos estudantes uma maior discussão sobre o Bioma Cerrado, e de como ele se insere estrategicamente em um mundo globalizado, com uma crescente importância na produção de alimentos e de luta pela conservação de uma rica, mas pouco conhecida, biodiversidade. Como Núcleo Livre ela atinge alunos de várias áreas do conhecimento e estaremos realizando pequenos seminários com vários professores expondo seus conhecimentos a respeito do Cerrado, tendo como base o livro publicado pela Secretaria Regional da SBPC-GO: Cerrados, olhares e perspectivas.
O objetivo é discutir questões que estão preocupando pesquisadores e ambientalistas, mas que são pontuadas por fortes contradições, diante da própria característica econômica que se fortaleceu no Estado de Goiás, ao longo das três últimas décadas. Tudo isso, além de compreendermos o que é o Cerrado, e que riquezas naturais ele ainda possui, no pouco que resta que ainda não foi ocupado pela produção agropecuária ou pelo forte expansionismo das cidades, principalmente as médias, em cujo entorno se amplia a capacidade produtiva do agronegócio.
Mas qual o interesse que o Cerrado desperta em um mundo globalizado? Não é difícil chegarmos a identificar toda a riqueza estratégica que o Cerrado possui e a sua valorização econômica, principalmente numa época que a produção de alimentos se torna crucial em uma realidade em que parcela considerável de sua população, vivendo nos países que compõe o chamado BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) se insere rapidamente no mercado de consumo. 
Os olhares das grandes corporações que atuam na produção de alimentos, de insumos e produtos químicos (leia-se agrotóxicos), se arregalam para o Brasil, como um todo, mas principalmente para essa região que se constitui em uma fronteira agrícola em expansão. Agora em direção ao Tocantins, Maranhão, Piauí, nos rastro da Ferrovia Norte-Sul e, em breve, da Leste-Oeste.
No entanto o mundo passa por um processo de ebulição que deixa várias interrogações, para tentarmos entender o que pode ocorrer como conseqüência da grave crise que atinge as maiores economias, tanto os Estados Unidos, como a União Européia.
Se de um lado temos os BRICs, com potencial de crescimento bastante acentuado e com perspectiva de ampliação da sua capacidade de inserção no mercado consumidor de uma população que ascende rapidamente, de outro os países com os PIBs mais elevados do planeta se encerram em uma crise de proporções inimagináveis há alguns anos. A ponto de uma nova sigla despontar, na contramão dos emergentes: PIIGS, identificando Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha. A semelhança com a palavra pigs, em inglês porcos, não é casual, surge como uma espécie de trocadilho em função da definição pelas agências que avaliam os riscos das economias, cujos papéis passam a ser caracterizados como  “sujos”, em função das dúvidas sobre a capacidade desses países honrarem suas dívidas. Neste caso o trocadilho não é proposital.
É com essas dúvidas que procuramos entender como estrategicamente o Cerrado vai se inserindo nessa confusão capitalista. Por isso procurei inicialmente analisar a situação em que se encontram os países com maiores economias (à exceção da China), compreendendo que pela própria situação de um mundo completamente conectado, em vários sentidos que essa palavra signifique, o agravamento dessa crise pode redefinir estratégias de investimentos e alterar até mesmo a direção em que se darão as aplicações dos recursos financeiros. E, naturalmente, por essa compreensão, dificilmente algum país deixaria de ser afetado por uma recessão global.
Nos últimos anos o mundo se deparou com um desafio, muito além das preocupações malthusianas, mas que nos força a relembrar das teorias de Thomas Malthus.  A análise que indicava a impossibilidade da humanidade poder garantir produção de alimentos para uma população que crescia vertiginosamente, praticamente perde força quando passamos a conviver com a capacidade tecnológica que o mundo alcançou por todo o século XX, inclusive na possibilidade de produzir alimentos nas situações mais adversas. Técnicas de lidar com o solo, inovações tecnológicas que aceleram o ritmo do plantio e da colheita, insumos que aumentam a capacidade produtiva, e o crescimento da indústria química utilizada no combate às pragas (para o bem ou para o mal, veremos mais adiante), colocaram por terra boa parte das questões postas por Malthus.
Mas, por outro lado, há uma lógica que impede essa capacidade tecnológica de vir suprir a contento a necessidade que existe em quase todos os continentes, mas principalmente África e Ásia, de reduzir o número de indivíduos que vivem na mais absoluta miséria e com boa parte deles, principalmente crianças, morrendo de desnutrição. Não tem acesso aos alimentos básicos que possam garantir suas sobrevivências.
Essa lógica é a maneira como o capitalismo transforma toda essa capacidade tecnológica em potencial produtivo visando exclusivamente a ampliação dos lucros. Assim, existe sim, uma enorme potencialidade decorrente de todas as inovações que revolucionaram incessantemente os meios de produção, mas toda essa capacidade termina servindo aos interesses mais gananciosos de acumulação e concentração de rendas.
Commodities
Produzir alimentos, principalmente as chamadas commodities, mercadorias que tem os seus preços fixados no mercado internacional tem atraído muitos investidores. Traduzindo em miúdos, são mercadorias, principalmente minerais e produtos agrícolas, com pouca ou nenhuma industrialização, consequentemente com baixíssima agregação de valor, permanentemente monitoradas pelas bolsas de valores.
Esses produtos agrícolas têm seus preços fixados em dólares em nível internacional, com uma produção de larga escala, como característica principal o fato de serem produzidos em grandes propriedades e quase sempre monoculturas. Seus preços são, portanto, variáveis não somente em função da cotação do dólar, moeda padrão de referência internacional, mas também porque termina também sendo submetidas às oscilações das bolsas de valores, e, consequentemente, estão sujeitas às manipulações tradicionais que ocorrem no mercado financeiro.
Obviamente, esses mecanismos que movem o sistema capitalista global, não possuem a menor preocupação em transformar toda a capacidade tecnológica em investimentos para conter o aumento da fome em várias partes do mundo, notadamente naquelas citadas. Em alguns lugares, como na região da Somália e todo o seu entorno, a situação aproxima-se de uma enorme catástrofe, com milhões de pessoas deslocando-se para outras regiões e boa parte delas sucumbindo à fome e perdendo suas vidas nesses trajetos.
Portanto, o interesse é meramente especulativo, com base na ganância e na garantia de lucros crescentes, como de resto é a maneira como o sistema funciona. Isso significa dizer que os investimentos possíveis de serem feitos obedecem à lógica do mercado mundial, e, portanto, a crise econômica pode alterar os rumos do capital.
Cana-de-açúcar
Mas é sempre bom considerar que o mercado de alimentos é potencialmente lucrativo, ou, melhor dizendo, das commodities agrícolas, já não mais somente como produtos que visem atender apenas às necessidades alimentares da população, mas também porque boa parte deles passa a se constituir em matéria-prima para produção de energia, como no caso da cana-de-açúcar (embora o etanol não seja ainda uma commoditie, o açúcar o é), o milho e outros que podem passar também a serem produzidos com esse objetivo. Além de boa parte da produção de soja atender ao mercado de ração para alimentar o gado que em boa parte do mundo, principalmente Europa é criado em confinamento.
Isso implica em dizer que a crise econômica tende a ampliar a crise alimentar em algumas partes do mundo, mas que a tendência deve se manter, de os investimentos continuarem sendo feitos naqueles produtos marcados como commodities porque são os que garantem mais divisas para os países como o Brasil e possibilitam maiores lucros a quem investe no mercado de produtos agrícolas. Mesmo que isso signifique uma crescente concentração de rendas, por serem produtos de baixo valor agregado. Para o Estado Brasileiro o que mais importa é o fato de essa atividade ser a principal responsável pelo superávit na balança comercial.
Como esse é um espaço com enorme potencial produtivo e com ainda uma área cultivável imensa a ser explorada, se for desconsiderado, como tem sido, a importância da biodiversidade, provavelmente poucas alterações acontecerão em relação ao crescente interesse pela aquisição de terras em áreas desse bioma, como também na Amazônia e na região de transição entre o Cerrado e a Caatinga. Essa nova fronteira agrícola já atende pelo nome de MAPITOBA (Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia), como dito antes, boa parte dela seguindo os trilhos das estradas de ferro.
Principalmente se a tendência for de uma prolongada queda nas bolsas de valores, e de indefinições quanto à melhor aplicação que assegure os lucros fáceis do dinheiro especulativo. Então, como sempre ocorre historicamente, a aquisição de grandes quantidades de terras passa a se constituir em um excelente investimento, principalmente em regiões de expansão agrícola como o Cerrado.
Consequentemente os impactos que irão decorrer de tudo isso tende a ampliar o processo de degradação ambiental e de aceleração da devastação desse bioma. Por mais que as pesquisas desenvolvidas nas Universidades ou ONGs sérias focadas na enorme contradição presente da expressão “desenvolvimento sustentável com preservação ambiental”, possa estar indicando todo o rico potencial da biodiversidade do Cerrado, a resposta para investimentos e o quantitativo de lucro que advirá em atividades exploradas pelas populações tradicionais, não são suficientes para se contrapor à essa lógica gananciosa e destrutiva.
Irrigação
Cabe a todos aqueles que vivem no Cerrado e os que estudam sua riqueza natural e importância da sua biodiversidade, insistir em apontar os riscos que isso causa e a possibilidade de futuramente boa parte do bioma se tornar improdutiva e desertificada. O uso excessivo da água para irrigação, por exemplo, com a utilização de grandes pivôs centrais, a esgotarem rios, córregos e lençóis freáticos, é um bom exemplo dos desatinos que se cometem sem levar em conta os desgastes inevitáveis desses excessos, como por exemplo, a salinização do solo.
Acrescente-se a isso os interesses que estão por trás desse modelo de produção agrícola. Refiro-me agora às grandes disputas exercidas por corporações gananciosas, e criminosas, que inundam o campo com produtos químicos responsáveis pela ampliação dos casos de câncer no Brasil e no mundo. São os agrotóxicos, venenos que eliminam pragas, mas que trazem junto um efeito perverso e profundamente destrutivo para as pessoas e todo o meio-ambiente.
Essas corporações, em sua maioria multinacionais, usam de todos os tipos de praticas deliquentes para burlar legislações e buscar apoio em setores políticos conservadores com o intuito de conter proibições – como ocorre em outros países – mesmo para certos produtos claramente comprovados como extremamente nocivos à vida humana. Calcula-se que cada brasileiro, em média, por ano consuma em torno de 5,2 litros de agrotóxicos.
E essas Corporações atuam não somente na área de alimentos, como é de suas características, mas em outros setores geradores de disputas internacionais e guerras como o petróleo, indústria farmacêutica e de produtos veterinários. São gigantes que possuem fortes influências em poderosos Estados, principalmente os de suas origens, como os Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha etc. Muitas delas tem seus produtos também fabricados aqui no Brasil, como Basf, Bayer, Syngenta, DuPont e Monsanto.
Como defender o Cerrado em um tempo em que todos os olhares gananciosos e geopolíticos estão voltados para esses imensos chapadões de uma paisagem que dá uma impressão de pobreza, mas que esconde uma enorme riqueza? Se todas as transformações que são visíveis nos Estados centrais, ou do imenso sertão brasileiro, se deram às custas de grandes investimentos agrícolas, e com isso possibilitou um forte crescimento econômico, como frear nos dias de hoje a continuidade de um processo que se agigantou e ameaça a riqueza natural de um importante bioma?
Esse é um desafio que se apresenta para todos aqueles que são estudiosos do Cerrado, mas que compreendem também todo o processo de desenvolvimento socioeconômico de uma região até pouco tempo marginalizada. Um progresso também, notadamente conseguido à custa de uma enorme concentração de riqueza, como decorrência do modelo agrícola utilizado, que causou outros efeitos colaterais. Um deles, a expulsão de quase toda uma população rural para as cidades, potencializando um crescimento desordenado das mesmas e um cinturão de miséria em suas periferias responsáveis em grande parte pelo aumento da criminalidade e do consumo de drogas que destrói o futuro de boa parte da sua juventude e mantém as pessoas refém da violência e do medo.
Traçado de Brasília em seus primórdios
Assim, são as condições criadas pela acelerada penetração em direção ao heartland brasileiro, desde a marcha para o Oeste na época varguista, até a instalação da capital federal, seccionando o território goiano, e todo o projeto de integração nacional visando o controle estratégico da grande Amazônia posto em prática por Juscelino Kubitscheck no final da década de 1950.
Mas foi mesmo a revolução tecnológica na agricultura o principal responsável pela transformação de um solo seco em terreno de ótimo potencial produtivo. Aliado à característica climática sem muitas alterações, dividida em duas estações, a seca e a chuvosa, propícia à atividade agrícola e à pecuária.
Desfazer essa visão do cerrado como meramente um território somente adequado à instalação do grande agronegócio, e buscar outros caminhos alternativos de desenvolvimento, que se preocupe com a conservação da biodiversidade é a tarefa do momento da universidade, dos pesquisadores e de todos aqueles que lutam pela exploração democrática e não destrutiva das riquezas que a natureza possui, em benefício da maioria e em prol da construção de um mundo com outra compreensão a respeito da vida.
Um outro mundo é possível, com a conservação da natureza e a preservação da vida. Sem a ganância que está destruindo as sociedades atuais e nos afundando em uma crise econômica sem precedentes.





sábado, 6 de agosto de 2011

BARRABÁS! OU, A ARTE DE SE JULGAR O OUTRO INDISCRIMINADAMENTE

Liberte Barrabás, gritou a multidão.
Como era de costume naquela época, por ocasião da Páscoa na Judéia, os governantes colocavam para o povo a decisão de escolher algum prisioneiro para ser libertado. De um lado, Jesus Cristo, acusado de subverter valores e querer para si o governo de Israel, em afronta ao poder romano. Barrabás, também preso por se constituir um perigo para o poder político, era culpado por pequenos atos de insubordinação contra a dominação romana. Ao povo foi então perguntado por Pôncio Pilatos, governador da Judéia: Quem quereis que seja libertado? Jesus ou Barrabás? Incitados por políticos e líderes religiosos a multidão respondeu quase em uníssono: Barrabás!
Assim se conduz a multidão a acreditar em algo e a “democraticamente” tomar uma decisão. Induz-se, na verdade, a crer em certa versão, pela repetição e por argumentos que confrontam atos com os valores defendidos por aquelas pessoas. Então, mesmo pessoas de bens e honestas, são submetidas a uma lavagem celebral e a defenderem ardorosamente algo que elas próprias não têm sequer como comprovar suas dúvidas. Aí, no embalo da multidão, essas dúvidas se tornam certezas.
O medo, condiciona a multidão
Algo semelhante é descrito em as Bruxas de Salém, peça escrita por Arthur Miller para criticar a perseguição feita à artistas e diretores de cinema, no período conhecido como Macartismo,, mas baseado em um fato histórico, realmente acontecido em 1692, na então pequena cidade de Massachusetts, nos Estados Unidos, época da inquisição. Por três dias cerca de 150 pessoas foram condenadas a morte por bruxaria, pela simples acusação induzida por um grupo de adolescentes receosas dos atos que praticaram. A mentira e a fantasia criadas por essas adolescentes se tornaram realidades nas mentes transtornadas pelo medo (Vejam o filme, "As Bruxas de Salém").
Também assim se formaram os regimes totalitários.
E assim, prosseguimos em uma época marcada nos dias atuais, pela facilidade de se criar boatos e de os mesmos serem difundidos com uma velocidade impressionante. A verdade e a mentira se confundem nas mentes daqueles que se consideram inquisidores, a julgarem e condenarem aleatoriamente, pelo simples fato de deduzirem algo que possa transgredir certos valores.
Judeus, julgados por quem?
A mídia, como então na época da Alemanha nazista, com o Ministério da Propaganda, se encarrega de reproduzir fatos espetaculares que garantam audiência pela repercussão que cria, pelos escândalos que produzem. Segue uma lógica culturalmente determinada, como nos casos citados, que transmitem às pessoas a sensação de possuírem o poder de julgar e condenar.
Por trás dessa pantomima, esconde-se o verdadeiro sentido do mecanismo que move o sistema.
***
A estrutura do sistema capitalista e a sua lógica empurram e empurrarão sempre as pessoas em direção à formas fáceis de se darem bem. Essa ânsia em se beneficiar dos caminhos facilitados por mecanismos nem sempre corretos é o que conduz o indivíduo à corrupção (mesmo através de pequenos favores, sempre buscados no dia-a-dia). O sistema capitalista é corrupto por natureza, pois se baseia na ganância, na busca pelo lucro fácil e sempre na crença que se consegue enriquecer explorando a pobreza. Ataquemos essa estrutura e conseguiremos resolver parte desse problema, o restante vem com a cultura de novas gerações que não vejam o mundo por essa ótica.
O discurso contra corrupção é antigo, já possibilitou até golpe militar e não consegue contê-la. Aliás, o que possibilita é aumentar a alienação. Impõe às pessoas a sensação que todo mundo é corrupto, e os esperto agradecem. E todos querem ser esperto...
Corrupção, acelerou a crise financeira
Tem corrupção em todo o mundo, inclusive e principalmente nos EUA, império em fase pré-falimentar (veja o caso da ENRON, e da BLACKWATER), ou na Itália de Berlusconi, e de tantos outros mafiosos pelo mundo adentro. Isso não quer dizer que a maioria seja corrupta ou tenha essa tendência. Nem aqui nem lá. Então não se pode atirar a esmo, mas é preciso apontar as falhas nas estruturas do Estado que possibilita isso.
Mas está tão enraizado na cabeça das pessoas um preconceito já firmado, e isso propositalmente para afastá-las da política, que mesmo quando os casos de investigação e prisão de suspeitos de corrupção acontecem, por ação das Polícias, principalmente a Federal, a opinião é que estão aumentando os casos, e que o país está ficando mais corrupto. Quando na verdade, nunca no Brasil se investigou tanto,  e tantas pessoas estão sendo presas nas várias estruturas do Estado, inclusive na polícia e no judiciário, como nos últimos anos. E nunca as polícias federais, incluo aqui a rodoviária, estiveram tão bem aparelhadas para esse combate.
Não devemos pensar que a corrupção está somente do lado em que não estamos. Cabe à imprensa também começar a pensar assim, pois insiste em não apontar corruptores, principalmente pelo fato de muitos deles serem grandes empresários, empresas poderosas e corporações que gastam muito dinheiro com publicidade. Os governos quando gastam muito em mídia também ficam "blindados". A imprensa sempre se beneficiou desses esquemas. E até mesmo usa as denúncias para pressionar os governos por mais recursos para publicidade.
Vejam, por exemplo, o caso do Banqueiro Daniel Dantas. Porque a imprensa falou tão pouco a respeito (exceção à revista Carta Capital)? Nem quando todo o inquérito sobre ele foi invalidado com todas as provas, simplesmente porque agentes da Abin ajudaram na investigação? Além de ele ter recebido dois habeas-corpus relâmpagos do presidente do Supremo Tribunal Federal, na época o Gilmar Mendes? Então vamos devagar, pois o mundo não é como a imprensa mostra, ela só mostra o que lhe é conveniente.
Devemos levar em conta? Sim? Mas reproduzir o que é dito é outra história. Aí precisamos confrontar com provas que não temos. Repito, vivemos a era das denúncias fáceis. Mesmo, nas redes sociais, se aparecer alguém que queira fazer denúncia sobre uma pessoa de quem não goste isso logo se reproduz aceleradamente. Mesmo que se prove como leviandade depois, o estrago já foi feito. Portanto, todo cuidado é pouco.
Que ninguém imagine que isso dito aqui signifique ser complacente com a corrupção. A crítica que é feita aqui é mais radical, já que ataca a origem: o capitalismo. E não adianta dizer que o socialismo também errou nisso, pois sabemos que naqueles estados socialistas criou-se uma estrutura baseado na burocracia estatal, que também se corrompeu. Mas aquilo já foi, mostrou-se errado, só que o capitalismo é uma aberração e ainda há os que não vêem tamanhos erros como sendo de sua essência. Que o mundo possa encontrar uma alternativa aos sistemas que se demonstraram incapazes de garantir equilíbrio social sem abusar do poder político para interesses particulares. É o desafio.
Agora, porque essas denúncias têm tanto destaque, mesmo sem ter comprovação do que se está denunciando? Pelo impacto que causam, porque se cultivou uma cultura que não se baseia na honestidade, mas a de combater a corrupção, e aí muitos oportunistas se aproveitam e o discurso fica no vazio, excessivamente moralista e pouco político. Porque a política é defenestrada propositadamente. Deve-se considerar que um parlamentar sério faz esse trabalho sem buscar estardalhaço. O caminho é procurar a justiça e forçar uma investigação para saber se existem provas sobre aquilo que se quer denunciar. Isso é feito por alguém que é verdadeiramente honesto.
Mas quando essas denúncias chegam em outras mãos (a imprensa, por exemplo) é porque transitou por vias internas à própria estrutura do Estado, e quase sempre por alguém que tenha ficado insatisfeito. Ou quando vão parar nas mãos de parlamentares, quase sempre de oposição, que transformam essas denúncias em arma política. E o que faz objetiva ter destaque na mídia.  Destruir a imagem do oponente, principalmente se o tempo indicar uma eleição próxima.
Segue-se então a velha ladainha, da lista de nomes para preencher um pedido de CPI e do outro lado a tentativa de impedir que isso aconteça. Porque a essência disso tudo é a política. É sempre assim, desde sempre, nessa lógica “democrática” do sistema capitalista. Porque é a hipocrisia que comanda essas ações, isso está no DNA dessa democracia que tantos defendem. O que está ocorrendo nos últimos anos é que essas denúncias estão se constituindo em armas de quem deseja atacar um adversário. Mas esse é um veneno que agora está sendo injetado nas veias de seus criadores. Pois quando na oposição, a esquerda usou e abusou desses mecanismos.
Vivemos a era das denúncias fáceis. A mídia fica doida prá ter em mãos algo que represente um escândalo, desde que não confronte seus interesses. Depois, quando não consegue provar não dá o mesmo espaço para reconsiderar.  Tem muita corrupção, é fato. A estrutura do sistema e a ganância empurram nessa direção, mas tem muita gente oportunista se aproveitando disso. Sabemos também que a corrupção está por todos os lados, e não só no serviço público, mas não dá para sair acusando indiscriminadamente. Isso possibilita que um bando de alienados reforce o seu discurso de que nada e ninguém prestam e que a corrupção é da essência do ser humano.
É possível combater a corrupção, se não eliminá-la definitivamente, pelo menos reduzir a quantidade de casos, pelo menos enquanto permanecer esse sistema. Mas é preciso ser responsável em relação ao denuncismo inconsequente.
O que fazer, então, com os casos que vão aparecendo, por várias vias? Cabe ao Ministério Público investigar. São denúncias e não se pode sair por aí afirmando algo sem que sequer exista um inquérito investigativo. Quando chegar ao final das investigações podemos concluir e ter a opinião definitiva a respeito. Até lá as coisas devem ser tratadas como suspeitas de irregularidades o que em si, não necessariamente significa corrupção. Pode ser também incompetência, mas isso é um inquérito que vai dizer. Portanto, não se deve prejulgar. Se houver culpa, que se condene pela via judicial, de fato.
Historicamente, mudam-se governos e novos casos acontecem. Até quando? A meu ver, enquanto a estrutura do estado capitalista permitir. Particularmente, vou continuar na minha guerrilha cibernética, considerando que a causa desse e de outros males que afetam o Brasil e o mundo é o sistema capitalista. Demais? É, mas no varejo não vamos mudar nada, somente substituir. Não é a mesma coisa.
É preciso se indignar, dizem alguns. Pois que se indignem. A sociedade está cheia de indignados. São os mesmos que elegem a bancada de parlamentares que hoje nos representam. Sabe porque?  Generaliza-se sem fundamentos, sem conhecimentos, sem ideologia. Puros discursos políticos para se substituir uns pelos outros. Saímos de uma época em que falar de corrupção, violência, sexo era proibido. Mesmo se isso fosse cantado, pois as músicas eram censuradas, assim como a própria imprensa. Hoje é o inverso, para vender a imprensa precisa de escândalos, de crimes violentos, de hecatombes... E os puros vão se indignando. A maioria vai para as igrejas... Segue rezando e se indignando com tantos pecados. Não dá em nada.
Então, não basta somente a indignação. O que proponho vai bem mais além do umbigo. E não quero dizer que devamos ser céticos quanto à tudo que é noticiado, mas se não soubermos qual a intenção das denúncias reproduzimos outros interesses. Que também são políticos.
Conquistar o poder faz parte do jogo político, e alcançá-lo implica também em conter certos desgastes em função dos desvios que levam alguns a se corromperem. Mas é uma condição de quem está na política e fazer parte da estrutura do Estado é uma opção tomada no processo de disputas e alianças políticas. E, de fato, é administrar um Estado cuja estrutura dá margens para todo tipo de falcatruas. Mas o que fazer? Claro que se deve assumir essa responsabilidade. E não deixa de ser um teste de caráter. Mas não é o poder que transforma o indivíduo em mau-caráter, ele só liberta uma tendência que decorre de uma má-formação e da cultura impregnada de se levar sempre um jeitinho para ascender socialmente. E o poder, escorado em uma estrutura viciada, possibilita isso. Mas não se deve generalizar.
Minha militância ultimamente tem se dado como um "guerrilheiro cibernético". É como tenho me identificado. Mas a sociedade em que vivemos está cada vez mais hipócrita, e contra isso eu também me revolto. Transgredir tem sido um hábito comum, inclusive por tantos quantos se julgam no direito de condenar o outro. Seja até mesmo com uma simples infração no trânsito, ou pela maneira como se trata quem seja de outra camada social, de uma religião diferente, quem é ateu, homossexual e tantos outros atos que reproduzem a intolerância e a má educação.
Não devemos sair por aí acusando quem quer que seja sem que tenhamos provas, mas sempre é preciso apontar as mazelas existentes na estrutura do estado capitalista (aliás, esse é um problema DO Estado, qualquer que seja). Mesmo que estejamos fazendo parte dessa estrutura (aqui incluo órgãos administrativos, judiciário, escola, igrejas etc).
Eu não tenho receita sobre como mudar isso, minha vida é limitada no tempo, que mais posso fazer? Não vou repetir discurso alienado, que sirva para desmoralizar alguém, e outro assuma e cometa os mesmos deslizes. Vou pelo entendimento de como funciona toda essa estrutura. Às vezes precisamos mudar de tática. Então, vamos à luta, mas de forma justa e conseqüente. “Hay que endurecer-se siempre. Pero, sin perder lá ternura jamás”.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

NÓS NAS REDES SOCIAIS... E O MUNDO ENREDADO EM CRISE ECONÔMICA

Eu resisti por algum tempo a fazer parte de algumas das ferramentas virtuais que existem ao nosso dispor. Tentei o Twitter, mas desisti. Finalmente, há quase dois meses sucumbi à tentação e me tornei mais um a fazer parte do universo do Facebook. Coincidentemente logo depois que assisti ao filme sobre a criação dessa rede e a disputa em torno dos direitos autorais.
Depois disso posso dizer que não me arrependo. Muito pelo contrário, em que pese reclamar do tempo que me imponho a trocar mensagens sobre os mais variados assuntos. Um balanço dessa minha aventura me possibilita fazer algumas análises sobre o significado das redes sociais.
Elas se constituem em uma excelente forma de nos comunicarmos, até mesmo em tempo real, encontrar velhos amigos, saber dos acontecimentos culturais, festas, combinarmos encontros, até mesmo trocarmos textos poéticos em comunidades fechadas, ou tantas outras alternativas que significam bem mais do que isso. Representa, também, uma maneira de não nos sentirmos tão solitários em certos momentos e constituem uma espécie de catarse, onde podemos nos esquecer dos problemas, de nossa solidão, de nossas angústias, de nossos medos.
Mas, o contraponto disso, como eu vejo, é que elas passam também a se constituir em um mundo virtual, apartado de uma realidade cada vez mais complexa e distanciando-se das agruras do mundo real. Se por um lado podemos através delas combinar atos e manifestações sobre um determinado assunto que possa empolgar as pessoas, principalmente a juventude, por outro lado essas terminam sendo situações deslocadas de uma realidade maior. Representa também uma forma de fugir dos problemas mais graves, apegando-se às mobilizações por reivindicações específicas. Embora importantes elas não dão conta de conter as perversidades de uma lógica sistêmica que é extremamente preocupante.
Enquanto isso, no mundo real, acumulam-se problemas de origem estrutural da forma de funcionamento do sistema capitalista. Não sei se pelo fato de vivermos um momento economicamente positivo para o Brasil, a impressão que eu tenho é que as pessoas, em sua maioria, não dão a devida importância à crise econômica que há três anos ronda o mundo e pode suplantar a de 1929, dada às dimensões criadas por outra rede, a do sistema financeiro mundial, hoje muito mais globalizado que na década de 30 do século passado.
Mas há uma diferença gritante, escandalosa, das buscas por alternativas para sair daquela crise, conhecida por “a grande depressão”. Apesar de a quebradeira atingir o sistema financeiro, havia uma preocupação, presente nas medidas tomadas a partir das idéias keynesianas, de se procurar garantir às pessoas o emprego, e ao Estado cabia a responsabilidade em propor saídas que dessem às pessoas a certeza de que as soluções a serem tomadas seriam em seu favor. E assim foi feito. Salvou-se o sistema financeiro, mas garantindo-se principalmente o pleno emprego, com forte intervenção estatal e a superação de uma crise que espalhou fome, desemprego e criminalidade nos Estados Unidos, Europa e outras partes do mundo.
Foi nesse contexto, podemos dizer, que foi chocado o ovo da serpente, parafraseando o título de um ótimo filme de Ingmar Bergman que trata do nascimento do nazismo. Após um período de euforia, representado por uma década de ouro, como diz Eric Hobsbawm - a década de 1920 - de pujança do desenvolvimento capitalista e da produção das mais variadas inovações tecnológicas, principalmente de uso doméstico, a crise que sucedeu marcada pelo aumento descontrolado da produção, e pelo excesso de valorização das ações das empresas, levou os países ricos à bancarrota.

No meio dessa crise, que pegou a população de surpresa, iniciou-se um movimento de intolerância às diferenças, aos estrangeiros, aos negros, homossexuais e judeus, O outro passou a ser visto como um elemento indesejável a roubar o emprego da “boa gente”. O racismo e o preconceito assumiram uma proporção impressionante, gerando sistemas políticos como o nazismo (na Alemanha), o fascismo (na Itália) e o franquismo (na Espanha). Tudo isso no rastro da crise que impactou todo o sistema capitalista.
A população dos países mais duramente atingidos pela crise, passaram em pouco tempo, da euforia do consumismo fácil, à mais completa dureza econômica jamais vista desde o surgimento do capitalismo. Como sempre, seja em quaisquer circunstâncias, a felicidade plena nos deixa desarmados para enfrentar as surpresas que advêm da própria contradição da vida. Enquanto isso ficamos contentes somente em erguer bandeiras de temas que também são complexos, mas que representam apenas partes do problema maior, e que muitas vezes as soluções apresentadas vêm aumentar a própria contradição. Como a despertar um monstro que a envolve.
Então vejamos como o mundo real está enredado em uma enorme crise.
1. O onze de setembro de 2011, não explodiu somente duas torres gêmeas, resultando na morte de milhares de pessoas, em um dos maiores atentados terroristas na história da humanidade. Em nome do deus do radicalismo islâmico, mas também contra os abusos historicamente cometidos pelos Estados Unidos.
Repito a expressão que já usei em outro texto, abriu-se a caixa de Pandora. A ação intempestiva, e já anteriormente programada a fim de atender outros objetivos, levou os Estados Unidos e algusn países a uma guerra de conseqüências nefastas, tanto em termos de mortes de pessoas, destruição de nações, como de forte impacto econômico. Além disso, por mais que tentem esconder, o atentado de 11 de setembro abalou as estruturas econômicas do império. Bilhões de dólares se esfumaçaram com o atentado e os custos da guerra completaram o caminho da falência da maior potência econômica e militar do planeta.
Mas o que esse fato propiciou foi abalar as estruturas de um gigante com pés de barros. E me refiro aqui não somente aos Estados Unidos, mas a toda a estrutura capitalista consolidada em um sistema financeiro que se dissemina em uma rede especulativa e de exploração marqueteira numa rapidez estonteante a partir da década de 1980. Fundada, principalmente, na obtenção de lucros fáceis a partir de manipulações de moedas, de valorizações artificiais de empresas e ações, de ganância descontrolada e de uma crescente insensibilidade com os problemas sociais.
Não vou me prolongar nessa análise da crise, já abordei isso em dois artigos aqui no Blog:
2. Quebradeira generalizada, vários países europeus como Grécia, Espanha, Portugal, Irlanda, Itália e sabe-se lá quantos mais, ameaçando levar à falência o Euro, e o futuro da União Européia; e, principalmente e surpreendentemente, uma situação de falta de liquidez dos Estados Unidos, com uma dívida financeira monstruosa, impagável, mas possível de ser maquiada a partir de mais endividamentos e de produção de mais dinheiro, já que o dólar é a moeda de referência mundial.
Tenho dito, para levar um pouco na brincadeira, mas com um fundo de seriedade, que se alguém acordasse de coma nesse momento, após ficar duas décadas desacordado, pensaria que o mundo está de ponta-cabeça. Afinal, na década de 1980 os países do Sul, Brasil, por exemplo, eram os que discutiam moratórias, ou seja, calote em suas dívidas, por absoluta incapacidade de quitar seus débitos, e até mesmo questionando as origens dessas dívidas. Argentina e Equador chegaram a fazer isso. Na década de 1990 isso se estendeu para o Leste Europeu e a antiga União Soviética, com a crise do socialismo real. Não se podia, então, imaginar, ver os Estados Unidos à beira de dar um calote em suas dívidas.
Mas o resultado disso, neste momento e com o protagonista dessa crise sendo a maior potência, será de conseqüências imprevisíveis para todo o mundo. Dificilmente algum país deixará de ser afetado com gravidade se de fato se concretizar os piores dos temores. Quebradeira nos Estados Unidos e na União Européia. E o problema não irá se resolver, mesmo se o parlamento autorizar o aumento da capacidade de endividamento dos EUA.
3. O que se busca nesse momento, ao contrário do acontecido em 1929, é salvar o sistema financeiro. Traduzindo: salvar os grandes investidores, grandes bancos e poderosas corporações que sofrerão duramente o golpe da insolvência desses países, principalmente se ocorrer calote. Mas, de certa maneira, qualquer que seja a saída, o resultado será sentido principalmente entre os trabalhadores e as camadas mais pobres. Busca-se salvar os barões capitalistas retirando-se investimentos sociais, reduzindo-se o número de empregos e aumentando impostos.
Como relatado no documentário Inside Job, os trilhões de dólares produzidos (conseqüência natural do aumento do endividamento dos Estados Unidos), foram despejados nos imensos rombos que atingiram grandes bancos, seguradoras e empresas que atuam no mercado financeiro, sem que isso resultasse sequer em punição para criminosos de colarinho branco que especularam descaradamente e enriqueceram enquanto a população se arrebentava em dívidas. Os altos investidores e os chamados CEO (Chief Executive Officer), saíram incólumes de todo o escândalo da chamada crise dos subprimes, ou das hipotecas, nos Estados Unidos que levou à quebra de alguns bancos. Mas, o que se vê, atualmente é que não foi somente uma crise de pequeno porte, ela não só se estendeu, como uma metástase, como pode transformar o eixo de rotação do mundo. Metafóricamente, claro. Refiro-me às mudanças econômicas e de controle hegemônico do capital.
Enquanto isso, morre-se de fome na África. Mais uma vez uma crise atinge o Chifre da África, mais especificamente na Somália, e um terço desses valores seriam suficientes para resolver o problema da pobreza naquela região.
4. Xenofobia. Racismo, intolerância, preconceito, discriminação generalizada ao outro, à qualquer um que adote comportamento diferente dos chamados valores ocidentais. Uma repetição do que aconteceu em meados do século XX e que ocorre sistematicamente todas as vezes em que uma crise econômica se avizinha. Esses são os momentos em que os radicalismos, desde a extrema direita à extrema esquerda, se utilizam para reforçar seus discursos sectários.
Se no transcurso da crise econômica da década de 1930 um dos alvos eram os judeus, desta feita são os muçulmanos. Como reflexo de um crescimento acentuado do islamismo, bem como do histórico que envolve atentados terroristas comandados por grupos radicais, como a Al Qaeda. De outro lado, como no caso do assassinato em massa ocorrido recentemente na Noruega, tanto como no discurso nazi-fascista, os valores cristãos tornam-se justificativas para esse tipo de ação criminosa.
Na medida em que a crise econômica se generalizar, as manifestações de xenofobia e dos vários tipos de preconceitos se estenderão por toda a Europa. Como também já ocorre nos Estados Unidos, por ação dos setores mais conservadores. O Tea Party, setor mais radical do Partido Republicano, também escorado no fundamentalismo cristão, aumenta o tom do discurso racista contra negros, homossexuais e principalmente emigrantes latinos, e forçam os governos estaduais sob sua influência a adotarem leis claramente discriminatórias.
Ao mesmo tempo, no Brasil e em outras partes do mundo, o comportamento homofóbico cresce a cada ano, em proporção maior do que se consegue aprovar leis que impeçam tratamentos agressivos e discriminatórios contra as pessoas que façam suas livres escolhas sexuais. Segue também a linha dos preconceitos adotados por uma cultura religiosa que deseja impor a qualquer custo seus dogmas a quem quer que seja, mesmo a quem não professe sua ideologia.
São atitudes que se repetem crescentemente e devem nos fazer refletir e agir o quanto é tempo. Pois que na história iremos encontrar exemplos recentes de comportamentos sociais coletivos que se consolidaram a partir de atos semelhantes em momentos de graves crises econômicas no mundo. Aliado a isso, o aumento da violência causado principalmente pelo uso descontrolado de drogas, mas que impõe aos governos, até por exigência da sociedade, um crescimento da militarização do Estado. A junção desses problemas poderá se transformar numa mistura explosiva e poderemos ter a repetição de situações que imaginávamos estar restrita à história. Um Estado forte, militarizado, incapaz de conter as crescentes ondas de xenofobia, preconceitos e discriminação e afinado no discurso nacionalista de ter que evitar a falência econômica. A sociedade alienada aplaudirá.
O que fazer? Por isso, imagino que as redes sociais não devem somente nos servir para aliviar nossas tensões, nem somente para tratarmos de coisas amenas. É imperioso usá-la para combater todo e qualquer discurso preconceituoso, mas também para deixar claro que vivemos um momento em que o sistema capitalista está sendo colocado à prova, pelo menos na maneira da democracia tradicional que funcionou até agora.
Para onde vamos? Tenho repetido que o futuro é uma hipótese em construção. E sua consolidação se dá no presente. É como falamos no ditado popular, que a mesma oportunidade não aparece duas vezes, se deixamos passar um momento em que podemos escolher qual transformação social queremos talvez mais adiante não consigamos reverter a situação e as conseqüências poderão ser piores.
O que posso propor? Fazermos das redes sociais também instrumentos permanentes de denúncias contra as injustiças sociais, difundirmos informações que relatem a situação real da crise econômica na qual estamos metidos, e que elas sirvam para retirar uma porção significativa da juventude do comportamento passivo, letárgico, imaginando que o futuro que virá será de acordo com o seu sonho.
Como dizia Raul Seixas, em seu Prelúdio: “Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só. Mas sonho que se sonha junto é realidade”.
Ou, só nos restará dizer que a outra frase a ser ouvida será aquela que representou um chamamento à população para romper com a opressão feudal e que se tornou parte da Marselhesa, ou o hino nacional da França: “às armas, cidadãos”.
Creio que não é isso que queremos. Então, à luta cibernéticos, transformemos o universo virtual em um ambiente real de luta por transformações sociais. Reproduzamos os grupos de discussão e nos aprofundemos naqueles temas que são responsáveis por transformar as estruturas sociais. Mas que façamos isso, seguindo outra famosa frase, agora de um velho conhecido revolucionário e ícone da juventude, Che Guevara: “Hay que endurecer, pero sin perder la ternura jamás”.
Então, que não alteremos a forma de nos comunicarmos nas redes sociais, só precisamos encontrar espaço para discutirmos formas alternativas de combatermos as injustiças sociais.

sábado, 23 de julho de 2011

AMY WINEHOUSE - DIÁLOGOS A RESPEITO DE UMA MORTE ANUNCIADA

Amy, como gostaríamos de vê-la
Em janeiro, quando Amy esteve no Brasil para se apresentar em Florianópolis e no Rio de Janeiro, o produtor cultural Rafael Blat escreveu um artigo sobre ela. Como temos uma afinidade entre um grupo de profissionais dessa área que freqüentaram o curso de Produção e Gestão de Projetos Culturais, no Instituto de Estudos Sócioambientais da Universidade Federal de Goiás (IESA/UFG) pudemos ler esse artigo e a partir disso trocamos uma série de emails falando da capacidade inata presente nessa belíssima cantora, de uma voz raríssima de se ouvir, que eu comparo a de Ella Fitzgerald, mas também de sua incapacidade em resistir ao domínio que a droga e o álcool exerciam sobre os seus gestos.
Como o Rafael afirma em seu artigo (cito apenas parte dele), a estranha coincidência de sua idade com a de tantos outros ícones da música mundial que sucumbiram à overdose e morreram prematuramente, foi o fato que mais comentamos. A partir disso o diálogo se dividiu entre as razões que motivam essas pessoas a enveredarem por um caminho que inevitavelmente encurtará a sua vida, e o inusitado que está presente nesses comportamentos, que são variados, diferentes e não obedecem á lógica que imaginamos haver diante da necessidade de se preservar a vida.
Um número cabalístico(?), 27, e uma morbidez aparentemente inerente ao ser humano em se deleitar com a decadência de um ídolo, como se vêem atraídos pelas desgraças e não perdem tempo em observá-las, representam interrogações que certamente motivam muitos psicanalistas a tentarem entender as atitudes do ser humano. Alguns dizem que em certos casos, de atração por esses comportamentos bizarros, presentes em muitos shows de rocks, representaria uma espécie de transferência psíquica por situações que determinada pessoa gostaria de fazer mas não teria coragem. Significaria uma transferência de imagens e gestos a sufocar situações peculiares, particulares, explosivas, decorrentes de condições de vida depressivas. Ou a necessidade de fuga de alguma realidade aflitiva, para a qual essas pessoas não encontram saídas.
No complemento disso, embora em casos extremos e bem reduzidos, a loucura por essa atração, quando não se vê a perspectiva da autoimolação, aquele fervoroso fã se julga no direito de completar sua obsessão, e parte para assassinar o ídolo no qual ele tanto se espelha e o fascina. John Lennon é um exemplo disso, mas não o único.
Por representar uma espécie de “crônica de uma morte anunciada”, para pegar emprestado o título de um livro do brilhante Gabriel Garcia Marquez, esse diálogo que travei com esses novos amigos que conquistei ao longo do curso ao qual me referi anteriormente, resolvi transformar nesse post para o Gramática do Mundo. Como não tive autorização de inserir os nomes dessas pessoas com quem dialoguei preferi não citá-los. Mas tomei a liberdade de usar suas frases porque elas nos ajudam a refletir sobre esse enigma chamado Amy Winehouse, bem como sobre os limites que a sensação de liberdade produz com o uso das drogas.
Certamente, tanto quanto Michael Jackson, que viveu seus últimos anos tendo que responder a diversas acusações e depois que morreu foi transformado em mercadoria por uma mídia sequiosa por lucrar com esses tipos de comportamentos, Amy também se transformará em uma mina de ouro. Em breve, quem sabe, o copo que ela usou para beber seu último gole, será leiloado por milhares de dólares. A morte, nesse mundo asqueroso e bizarro da construção de celebridades, se constitui, tanto quanto a capacidade dessas pessoas de nos impressionar com suas musicalidades, em um importante momento para se lucrar. Lucra-se, portanto, à custa da destruição de uma vida encurtada muito pela maneira como essa própria mídia trata esses ídolos. A mídia não os matam, naturalmente, mas suas mortes se constituem em ferrenhas disputas por seus espólios mercadológicos. E muitas vezes os conduzem em sua direção.
A seguir, o diálogo, sem praticamente nenhuma alteração, a não ser a retirada de alguma palavra ou frase fora do contexto. As minhas intervenções estão grifadas. Foi um diálogo entre amigos, que conquistei na coordenação do curso, e pelos quais tenho muito respeito. São questionamentos, não respostas. Dúvidas, não certezas. Indagações sobre o sentido da vida, da felicidade, da necessidade de ser livre num mundo que não nos permite mais ter liberdades. A data desse papo bem profundo foi janeiro deste ano.

Amy Winehouse
A cadência de uma estrela
Rafael Ribeiro Blat (janeiro, 2011)

“Amy Jade Winehouse nasceu a 14 de setembro de 1983 em Southgate,  no norte da grande Londres.Possui um história de vida bastante humilde,  comovente e trágica. Ora permeado em escândalos com álcool e drogas ou conquistas até o topo de popstar. Aos 27 anos de Amy ressaltamos um pequeno paralelo entre os geniais cantores : Jimi Hendrix, Jim Morrison, Kurt Coubain e Janis Joplin. O que ambos teriam em comum com Winehouse? Eles possuíam a atual idade da cantora quando faleceram. O que nos preocupa é uma pergunta que não quer calar? Será que Amy está tentando se recuperar, ou seria ou estratégia de marketing para reegué-la? Isso não importa, o que vale é que Amy não se compara nem com Madona, nem Britney, nem shakira ou outras grandes popstars. Amy é original, continua poderosa, seu som é envolvente, sua banda é impecável e sua performance vale a pena ser conferida. Seu Soul, seu R&B é genial”.
(...)
“Belo texto, Rafael!
...viva o mundo e sua confusa e imprevisível maneira de fazer brotar talentos e, nas suas histórias nunca encontradas em receitas, fazer explodir arte em todos os sentidos! Charles Chaplin, Grande Otelo, Jim Morrison, John Lennon, Amy...
a arte é uma megaforça irrefreável, que surge muitas vezes irrompendo tudo: cabeças, cidades, corpos, estrelas”.
Jimi Hendrix
(...)
Bom texto, Rafael.
De fato a Amy tem uma voz espetacular e de uma soniridade belíssima. Mas, infelizmente segue o mesmo destino de tantos outros personagens parecidos. Mas, diferente daqueles outros, mas tanto quanto Michael Jackson, ela vive vegetativamente em uma época que não é a cadência dela enquanto estrela que vira notícia, mas a decadência enquanto gente, consumida pelas drogas. Suas imagens estonteante, no pior sentido que podemos dar a essa palavra é disputadíssima pelos tablóides ávidos por venderem as desgraças das "celebridades". Uma pena que siga o caminho de Janis Joplin (que morreu de overdose com 27 anos), embora com semelhante competência. Infelizmente a Amy não conseguirá livrar-se do crack e outras drogas que ela consome, incluindo o álcool, para deleite desses carcarás midiáticos.

O comentário do (...) é muito bom, mas eu finalizaria dizendo "...fazendo-se explodir em drogas, sem nenhum sentido."
(...)

 “Amado mestre, a arte, musa insensível e devoradora, não importa com os seus receptáculos...
para ela, o que importa, é o SEU sentido...”
(...)

Eu sempre lamento uma vida desperdiçada. Quando pensamos que tantos lutam para viver possuindo tão pouco para isso e observamos outros que tendo tanto dão tão pouco valor à vida, é lamentável. Claro, muito embora isso não seja necessariamente uma escolha, mas uma condição de sua vida.
Mesmo assim é uma pena, principalmente quando tal pessoa pode tanto nos animar, e nos fazer feliz com aquilo que alguns denominam de "dom" recebido. Afinal a música é essencial para nossos "espíritos", principalmente quando apresentada com tanta competência.
Para mim é SEM sentido.
(...)

“Amado mestre, há muito mais coisas entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia (ditado novinho...)
Eu penso que não há como entendermos a força que determinadas almas têm embutidas nas suas passagens por aqui...
Olha só o jim morrison... será que se ele se 'comportasse' e 'tivesse dado sentido' (e o que é o que teria realmente sentido para ele e para cada um de nós?) ele teria feito o que fez? acho difícil...  e assim temos inúmeros outros exemplos como a própria Janis Joplin, o Kurt Kobain... e agora a Amy... de certa forma essa conduta deve ter sentido para eles, e para muitos não, acredito.
Será que se houvesse psicólogos e rivotril, prosac e outros, na antiguidade teríamos tantos gênios como Beethoven, Mozart, Vivaldi, Tchaikovsky?”
Janis Joplin
(...)
... esses viveram ainda uma época em que a loucura era bela. Morria-se de amor, aliás. Hoje, inversamente, mata-se por paixão. E morre-se inutilmente. As drogas, essas que você cita, inclusive, são a perversão da modernidade, da perda gradativa dos sentidos, da sensibilidade. Não há sensibilidade em Amy pelo que ela faz. A sensibilidade está naqueles que ainda tem essa capacidade de sentir prazer e gostar, como nós que discutimos aqui, embora com enfoque diferente, mas dentro de um mesmo objetivo que é exaltar a música e a voz dela. As drogas tiram de cada um essa capacidade.
Imagino sim, Janis Joplin com a idade de uma Elza Soares, que com toda sua excentricidade permanece aí encantando com sua voz sexagenária.
Não posso pensar por eles, mas pela minha maneira de ver o mundo, as coisas, as pessoas. Talvez eu seja "conservador", mas o país no qual muitos se miraram tanto hoje é o símbolo da decadência, em todos os sentidos, e por razões que não fazem sentido.
Prezo a vida, acima de tudo, e apesar de um velho militante comunista (o que sempre dava impressão de amargura aos que lutavam e combatiam com idéias revolucionárias), admiro aquela que é uma das maiores vozes da música mundial e tem uma das músicas mais belas que conheço:
 "Que mundo maravilhoso"... http://www.youtube.com/watch?v=8y3_kH9nYcA - Louis Armstrong
Devemos, então, viver a vida e esse mundo maravilhoso em sua plenitude, porque o mundo é maravilhoso (nós é que complicamos).
(...)

Quem pode dizer que a vida do outro é sem sentido? Se ela olhar pra nossa vida, quem disse que ela não dirá que a nossa vida é que é sem sentido? Agora, pode se ter a opinião própria de que é sem sentido, mas afirmar não podemos fazer isso.”
Kurt Cobain

(...)
Você já observou como a Amy vive, anda, olha, fala...? Ela nem tem mais condições de dizer o que é ter sentido. Eu vi um vídeo de um show dela no youtube em que  quando ela escorrega várias pessoas que assistiam (e são fãs) caem na gargalhada. Ela se tornou um espetáculo pelo ridiculo de algumas cenas em que está completamente fora de si. Vejo isso constrangido. Concordo, é o meu olhar. Mas não compreendo  como se pode encontrar algum sentido nisso. Nem consigo imaginar como ela pode encontrar algum sentido nesse comportamento bizarro.
Tá bom, Zé do Caixão tem um comportamento bizarro. É um ícone do cinema brasileiro, dito por quem entende, não por mim. Mas o que ele faz tem sentido naquilo que apresenta. A Amy, não. Ela simplesmente se destrói lentamente.
Olhe, estou gostando desse papo nosso, não sei se os demais estão. Tá sendo legal porque estou refletindo algumas coisas e me motivando a escrever no blog. Vamos ver o que vai sair.
(...)

“Respeito vossa explanação, amado mestre. Mas penso que tal assunto nos foge. O artista é movido por forças muito mais estranhas do que uma certa 'correção' na conduta e modo de viver...
Nunca vi e nunca usei nada além do cigarro (já parei tb) e álcool (última vez q tomei umas foi na morte do Jacko), portanto não faço apologia nenhuma às drogas. porém elas foram pontos destacados em inúmeras obras-primas... fazer o quê? é muito difícil tentar entender isso...”
(...)

É, talvez seja essa a questão. "o que leva artistas como Amy, Janis Joplin, Cássia Eller, Elis Regina... e tantos muitos outros, seguirem esse caminho?". E são brilhantes no que fazem. This is the question!
E aí, de fato você tem razão, nos foge à razão e está fora do nosso alcance. Mas podemos refletir e tentar encontrar algum sentido na vida.
Me lembrei de "Sociedade dos Poetas Mortos".
Carpe Diem!
(...)

Jim Morrison
“Complicado, Romualdo... Jim Morrison certa vez se meteu a cantar no show dos Jefferson Airplanes, que abririam o show pro Doors na Holanda, porém tava tão chapado que desmaiou no palco e não conseguiu cantar no próprio show! Sabe quem levou os vocais (e bem!)? O Manzarek! Jim teve que ir pro hospital... Esse era Jim Morrison, que morreu com 27 anos, mas os médicos disseram que 'por dentro' do corpo ele tinha uns 80...
Quanto aos fãs, esses são, na maioria uns sanguessugas.  Roger Waters do PinkFloyd criou um muro para separá-lo dos 'fãs'. Na embaixada americana em Washington os Beatles foram tratados como animais de estimação, inclusive com Ringo tendo o cabelo cortado por um filhinho-de-papai. Lennon mandou todos irem tnc e se mandou da 'festa'. E quem matou Lennon? Um 'fã'...
Mas, será que Amy, se não fizesse o que faz, seguiria na carreira?  Não sei... Até que ponto também não há um certo marketing nisso?
(...)

27?! será esse um número cabalístico? Janis, Jim Morrison... Amy também tem 27. Contudo isso, já que não sou cabalístico, longa vida a Amy e sua voz maravilhosa.
(...)

“Show de bola esse relato Rafael.... eu acho que ela morre esse ano, brincadeirinha....mas imaginem seria enigmático, até o Romualdo deixaria seu ceticismo de lado e passaria acreditar nas sicronicidades  da vida.”
(...)

Acho que nesse caso podemos falar em diacronias. Se aplica mais ao que estamos abordando. Mas não sou cético quanto ao destino da humanidade. Haveremos de encontrar uma saída...