sábado, 24 de setembro de 2011

GUERRAS E GUERRILHAS - A ARTE DA GUERRA

Os ataques terroristas aos EUA e a resposta militar daquele país contra o Afeganistão, onde vivia Osama Bin Laden, suspeito de ser o responsável intelectual dos atentados, trouxe uma antiga discussão sobre a Guerra e as desigualdades existentes entre poderio militar e tropas irregulares inferiorizadas dispostas a morrer por uma causa.
Nos últimos anos essa forma de luta se disseminou pelos continentes africanos e asiáticos, principalmente no Oriente Médio. Mas a tecnologia de guerra aérea, com a sofisticação do uso de satélites e de armas teleguiadas, e agora de aviões não tripulados, se constitui num forte elemento a desestabilizar organizações guerrilheiras. Como contra-estratégia também os exércitos regulares passaram a utilizar de perfis diferenciados de soldados, entrando em cena grupos de mercenários e a terceirização da guerra com grandes corporações militares. Veremos depois isso.
Mas do que simples troca de adjetivos é preciso compreender um aspecto ideológico, quando nos últimos tempos substituiu-se indiscriminadamente o termo guerrilheiro, por terroristas. As lutas contra as ocupações imperialistas, incorporadas nos programas dos partidos de esquerda, foram adjetivadas a partir do final do século XX, como atos terroristas, e seus participantes guindados à condição de bandidos. Mas, a par o fato de existir verdadeiramente ações terroristas, abomináveis por gerar vítimas civis inocentes, a guerra de guerrilhas é justa, quando utilizada para combater um exército invasor mais forte, e na defesa de um território independente. Tento resgatar neste texto o significado militar dessa modalidade de luta armada, e suas táticas para atingir os objetivos estratégicos.
A Guerra de Guerrilhas sempre muito utilizada nos países latino-americanos, asiáticos e africanos, principalmente nas décadas de 1960 e 1970. Garantiu a consolidação no poder de partidos revolucionários, como em Cuba, China e Vietnam, e mantêm-se por décadas em alguns países, como na Colômbia com as FARCs ou com os Zapatistas, no México. Serviu também para repelir tropas nazistas, principalmente na região dos Bálcãs, na Europa, durante a segunda guerra mundial. E impediu o domínio soviético sobre o Afeganistão durante a década de 1980 num palco montanhoso, perfeito para táticas e estratégias guerrilheiras, como já fizera Mao e o Exército Popular da China em situação e geografia semelhantes.
No Brasil, na década de 70, as guerrilhas se intensificaram no combate à ditadura militar. No interior, houve a tentativa de instalação de um movimento guerrilheiro no Vale do Ribeira, em São Paulo, frustrado pela ação policial; e a Guerrilha do Araguaia, no Sul do Pará e norte de Goiás (hoje Tocantins). Nas cidades as “guerrilhas urbanas” utilizaram-se de ações que desvirtuaram o sentido da mesma, na medida em que vitimavam diretamente a população, em ações que inspiravam o terror muitas vezes indiscriminado. Embora na maioria das vezes assim parecia devido à contrapropaganda dos militares visando jogar a população contra todos os movimentos guerrilheiros.
A guerrilha não é característica específica do século XX. Estratagemas semelhantes haviam sido empregados desde o final do século XVIII e destacadamente, no século XIX, em alguns países europeus, principalmente Inglaterra, Alemanha, Itália, Espanha e França, os mais importantes que passaram por esse tipo de confronto envolvendo governos títeres e massas camponesas. Mas também no Brasil táticas semelhantes foram utilizadas por negros escravizados, inclusive pelo mais famoso de seus líderes, Zumbi dos Palmares. Também nos sertões nordestinos, os seguidores de Antonio Conselheiro, comandados por Pajeú, levaram o terror às tropas oficiais republicanas utilizando-se de táticas de guerrilha adequadas às configurações do agreste baiano.
O conceito de guerra popular já pode ser encontrado desde o século XIX, em estudo minucioso de Carl Von Clauzewitz (DA GUERRA). Também numa série de escritos militares Marx e Engels, fazem uma análise sobre a desigualdade dos confrontos envolvendo exércitos regulares e grupos revoltosos que se opunham aos governos. Tanto quanto Clauzewitz, compreendem a guerra como uma continuidade da política por meios violentos.
Marx, juntamente com Engels, analisando em 1849 a crise na Itália piemontesa em luta pela independência, apontava como tática correta a guerra irregular, única maneira de enfrentar a superioridade numérica dos inimigos. “Um povo que quer conquistar sua independência não deve se limitar às medidas ordinárias da guerra. O levante em massa, a guerra revolucionária e, sobretudo, a guerrilha generalizada, tais são os meios que permitem a um pequeno povo triunfar sobre um grande, a um exército menos forte resistir a um exército mais forte e mais bem organizado”(MARX, ENGELS 1981; 24).
As situações de guerra na Alemanha - tanto em 1525, nas  insurreições camponesas lideradas por Thomas Münzer, quanto na Revolução de 1848 -, mereceram de Engels um estudo sistemático das condições objetivas e das táticas que foram implementadas nesses conflitos, apesar de ressaltar as diferenças entre os dois momentos. Em um artigo escrito para o New York Daily Tribune, em 18 de setembro de 1852, ele fala da necessidade de determinação e ofensiva, a fim de poder derrotar um inimigo organizado. Além da surpresa, muita audácia e a necessidade, sempre, da ousadia e da ofensiva: “A defensiva é a morte de todo levante armado; está perdido antes de ter sequer iniciado”. (Idem; 82)
Clauzewitz, estrategista militar alemão, por alguns tido como o “filósofo da guerra” (CLAUZEWITZ, 1979), analisou a natureza e a arte da guerra, tomando como referência principal as guerras napoleônicas, mas também acontecimentos ocorridos na Alemanha, Inglaterra e em outros países da Europa que constituíram conflitos de grandes consequências. Em toda sua extensa obra, encontram-se referências às táticas de combate posteriormente adotadas por Mao Tsé-Tung, que o citou várias vezes em suas obras, assim como Lênin também o fez.
Para Clauzewitz, na guerra popular a extensão da superfície exposta é fundamental:
“O país deve ser do gênero cortado ou inacessível, quer seja montanhoso, arborizado ou pantanoso, ou em função do modo particular de cultura. Pouco importa que a população seja numerosa ou não, pois a falta de homens é menos verossímil do que a de outros elementos. Que os habitantes sejam ricos ou pobres também não é decisivo, ou pelo menos não deveria sê-lo; mas pode admitir-se que uma população pobre, impelida para trabalhos penosos e privações, se mostre de um modo geral mais vigorosa e mais aguerrida”. (Idem, 578)
A guerra de guerrilhas e as táticas de guerra popular no século XX tornaram-se instrumentos de populações inferiorizadas, tanto do ponto de vista econômico quanto do militar, e independentemente da evolução obtida pela humanidade nos armamentos, uma mudança substancial as tornou mais eficaz e com maiores condições de obter resultados positivos: o apoio da população do local onde se desenvolve a ação armada.
É importante uma “ampliação, não apenas do apoio aos guerrilheiros, mas da própria força guerrilheira, através de partidos e movimentos de âmbito nacional e, às vezes, internacional” (HOBSBAWM, 1982; 168). Daí o significado que a propaganda passa a ter, sendo os atos do inimigo ou superdimensionado para mostrar uma carnificina, ou desprezado para reduzir a importância de seus ataques.
A arte da guerra tem se aperfeiçoado nos últimos tempos, mas, apesar de toda a sofisticação e modernização dos armamentos, algumas técnicas antigas têm se mostrado perfeitamente eficazes contra forças armadas numerosas e poderosas. Tanto quanto tropas regulares e armas modernas, o fundamental, numa guerra popular, é desorientar o inimigo, mesmo que este seja mais poderoso, através de ações de fustigamento, ou de retiradas estratégicas.
Mao Tsé-Tung comparava a tática de guerra de guerrilhas à de um pescador que lança a rede, puxando-a nos momentos certos. E sobre como combater um inimigo mais forte, ele afirmava: “O inimigo avança, nós recuamos, o inimigo imobiliza-se, nós flagelamos, o inimigo esgota-se, nós golpeamos, o inimigo retira-se, nós perseguimos”.
O aspecto essencial que caracteriza uma guerra de guerrilha é o combate entre tropas irregulares, movidas por uma determinação política claramente definida, e o exército regular de um Estado. Mas, as unidades de guerrilhas e a própria guerra de guerrilhas “não permanecerão tal qual são, pelo contrário, evoluirão para um plano superior, transformando-se gradualmente em unidades regulares e em guerra regular”.(TSÉ-TUNG, 1981)
A guerrilha não representa um fim em si mesmo. Ela cumpre o objetivo de desorientar o inimigo, atuando de maneira irregular e dispersa, em grupos pequenos e determinados, com seus guerrilheiros dispostos não a morrer por um ideal “mas a convertê-lo em realidade” (GUEVARA, 1980). Contudo a intensificação do movimento guerrilheiro, e principalmente, o convencimento para a população local se integrar aos destacamentos revolucionários, deve possibilitar que, dentro do quadro estratégico, uma parte das tropas guerrilheiras se transforme em tropa regular. A guerra de guerrilha em si assume um papel tático progredindo para a guerra de movimento. Nesse processo, forças originariamente guerrilheiras se transformam em forças regulares possibilitando a estas a consolidação do poder nos territórios libertados.
A guerrilha é vista como essencial numa condição de desigualdade entre as tropas regulares de um exército e as forças revolucionárias. Mas em determinado momento ela assume também um papel secundário com as tropas regulares passando a uma posição de ataque. Dependendo da intensificação da ofensiva do inimigo ela torna a ter uma importância principal. Principalmente se a ofensiva inimiga dispõe não somente de um forte aparato bélico, como também se ela procede de maneira sistemática e coordenada. Num primeiro momento, à violência do ataque deve pressupor um recolhimento, limitando-se à contrapropaganda e à tentativa de desorientar o inimigo. A retirada estratégica, nesse caso, é acompanhada de ações de fustigamento por grupos guerrilheiros, Até que, desorientado, o inimigo se desorganiza, possibilitando que as ações guerrilheiras e regulares em várias frentes, levem à vitória do movimento.
O prolongamento de uma guerra popular necessariamente deve levar à constituição de um exército regular. A guerrilha em si não é suficiente para conquistar o objetivo final almejado e a dispersão e ações rápidas e surpreendentes tornam-se insuficientes numa situação de cerco das tropas inimigas, que podem levar à destruição do movimento. A guerra de guerrilhas deve possibilitar o acumulo de forças e a desmoralização das tropas inimigas, a tal ponto que a população da área não mais veja os detentores do poder com respeito e não aceitem ser por eles governados.
Mas um exército regular também pode realizar ações de guerrilha, dispersando-se, ou uma guerra de movimento, concentrando-se. Essa tática foi adotada pelo Exército Vermelho na China, quando da guerra contra o Japão (1938). Ao mesmo tempo, no quadro de desmoralização das tropas do governo, são criados núcleos guerrilheiros também para desenvolver ações políticas dentro da área onde se desenvolve o conflito a fim de integrar moradores da região nesses destacamentos.
O Afeganistão, caso específico, convive há anos com a intensificação de guerras de guerrilhas. Desde a ocupação soviética, década de 1980, até as disputas entre os grupos responsáveis pela expulsão dos soviéticos que se revezam no poder pela ação das armas, quase que uma tradição dos povos daquela região, as táticas de lutas guerrilheiras tem sido comum em todos esses anos. Por um lado devido à geografia da região, como já foi dito, e por outro, pela incapacidade bélica, até mesmo como conseqüência da inexistência de um Estado forte, quase impossível de ser consolidado pelas condições históricas e devido às características peculiares daquele povo. Os principais armamentos são sobras deixadas pelos Soviéticos em suas retiradas, ou americanos, visto que o governo Reagan (que os consideravam “guerrilheiros da liberdade” na época da guerra fria), forneceram armas sofisticadas para garantir a derrota da ex-URSS na região. Mas nos últimos anos o comércio ilegal de armas tem sido uma realidade não somente ali, mas em praticamente todas as partes do mundo.
Junte-se àqueles fatores citados por Clauzewitz, principalmente de ser uma área montanhosa e habitada por um povo extremamente pobre, o fanatismo religioso, cujo fundamento básico é a conquista do paraíso no céu, já que na terra o que resta é a miséria e a falta de perspectiva, e teremos ingredientes mais do que suficiente para nos indicar que ao contrário de uma hipócrita “liberdade duradoura”, o que temos, principalmente por ser um território de interesses geopolíticos arraigados, é uma “catástrofe duradoura”.
Fato que, aliás, não tem sido nenhuma novidade na política externa estadunidense, vide Hiroshima, Nagazaki, Vietnam, Chile, bem como nas ações colonialistas européias na África, Ásia e América, que sempre causaram verdadeiras tragédias humanas, como o domínio britânico na China (guerra do ópio, séc. XIX) e na Índia, e dos franceses na Indochina (estes últimos dois casos, no século XX).
Segue-se as farsas se repetindo ao longo da história, quando não tragédias. E contra as agressões imperialistas permanecem as reações de grupos armados, seja nas guerrilhas convencionais, tal qual destacadas neste texto, com ações terroristas como utilizadas pela Al Qaeda, ou como um banditismo desorganizado, com gangs controlando territórios de vários Estados africanos. Onde há opressão, haverá sempre algum tipo de reação.


(*) Esse artigo foi originalmente escrito para o Projeto do Laboratório Tempo, da UFRJ: Enciclopédia de Guerras e Revoluções no século XX, organizado por Francisco Carlos Teixeira da Silva e publicado pela Editora Campus, 2004. Adaptei-o à situação geopolítica atual.

FONTES BIBLIOGRÁFICAS:

CAMPOS FILHO, Romualdo Pessoa. Guerrilha do Araguaia: a esquerda em armas. Goiânia: Editora UFG, 1997.
CLAUZEWITZ, Carl von. Da Guerra. São Paulo: Martins Fontes, 1979
ENGELS, Friederich. As guerras camponesas na Alemanha. São Paulo: Martins Fontes, 1975
GUEVARA, Ernesto Che. A Guerra de Guerrilhas. 3ª  ed. São Paulo: Edições Populares, 1982
HOBSBAWM, Eric. Revolucionários. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982
MARX, Karx e ENGELS, Friederich. Escritos Militares. São Paulo: Global, 1981
TSÉ-TUNG, Mao. Escritos Militares. Goiânia: Editora Libertação, 1980.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

CRISE NO ORIENTE MÉDIO: A CRIAÇÃO DO ESTADO PALESTINO

Nesta semana uma velha polêmica retornará à discussão na Assembléia Anual das Nações Unidas. O presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas oficializará o pedido para que a Palestina seja reconhecida como um Estado autônomo e independente.
Desde 1848, quando os judeus retornaram àquela região às margens do mediterrâneo, e estrategicamente situada entre as nascentes do Rio Jordão e o Mar Morto, que esse se tornou um dos territórios mais disputados da geopolítica mundial
Mas será impossível entender os motivos de tamanha disputa sem retomar a história e procurar compreender que esse conflito tornou-se possível por dois motivos de caráter internacional e de profundas alterações geopolíticas na segunda metade do século XX.
Também este é um dos vários problemas surgidos com o final da segunda guerra mundial e a descolonização que se seguiu, como decorrência das dificuldades de as potências européias continuarem ocupando territórios distantes. Falidas economicamente, pelos altos endividamentos da guerra, e pela necessidade de reconstrução de seus países, completamente destruídos, essas potências são obrigadas a abandonarem o domínio efetivo que exerciam sobre países africanos e asiáticos.
A região da Palestina era um desses casos. Controlada pelo imperialismo britânico desde que o mesmo substituiu o Império otomano (começo do século XX), e com uma posição estratégica invejável, o território palestino sempre se constituiu em um objeto de interesse das potências ocidentais. Com o fim da guerra e a retirada das tropas britânicas, restava tanto a Inglaterra, como aos Estados Unidos, potência em ascensão e uma das grandes vitoriosas no pós-guerra, encontrarem uma nova forma de exercerem o controle daquelas terras.
O interesse agora era motivado pela necessidade de conter o avanço da influência soviética desde então, e posteriormente, sempre garantindo o apoio aos povos árabes e palestinos. Como historicamente sempre foi alimentada pelos judeus a esperança de um dia ver ocupada a “terra santa”, como uma espécie de vaticínio secular, essa se tornou a melhor estratégia para aqueles países de manterem seu controle e evitarem a ampliação da presença soviética num ponto estratégico para exercerem o domínio sobre todo o Oriente Médio, região riquíssima em Petróleo.
Gradativamente, mas sempre pontuado por embates e confrontos violentos, os judeus dispersos pelo mundo, e após o final da guerra, deslocaram-se aos milhares para a palestina. Seguiam convencidos de que uma profecia se realizaria, mas por trás de desejos de retorno à Terra Prometida, havia toda uma construção ideológica, fundamentada pelo sionismo, uma espécie de nacionalismo judaico, fortalecido pelo discurso de reação ao anti-semitismo desde o final do século XIX. Isso foi potencializado pelos massacres nazistas, aos assassinatos em massa e ao terror dos campos de concentrações da segunda-guerra mundial, onde judeus, comunistas, negros e deficientes físicos foram sumariamente eliminados durante o horror nazista.
(1)
Sentindo-se abandonados, e após essas situações que lhes afligiam, esses judeus aceitaram a ideologia sionista e aderiram ao nacionalismo judeu, como algo predestinado, e rumaram em massa para a região da palestina. Sob a liderança de David Bem-Gurion, principal responsável pelo processo de deslocamento de milhares de judeus com o beneplácito da Inglaterra, e também pelo fortalecimento gradativo de uma reação guerrilheira com a criação de uma força paramilitar que viria a se tornar o embrião da temível Mossad, a atual polícia secreta israelense.
Mas a Palestina não era uma região deserta. A população que ali habitava demorou a perceber o risco eminente de perderem parte de seu território. Quando se organizaram para reagir encontraram um inimigo fortemente determinado e bem articulado internacionalmente, contando com o apoio britânico e estadunidense. A independência de Israel foi declarada em 1948 e Ben-Gurion se tornou o seu primeiro-ministro.
O Estado de Israel já nascia forte, pelos apoios obtidos, ocupando uma região pobre sem muitas riquezas a ser disputadas, mas estratégicamente considerada importante diante da nova disputa que moveria a geopolítica mundial: a guerra fria.
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A reação árabe não demorou, e seguiu-se a uma ofensiva dos países árabes contra a anexação do território palestino por Israel. A primeira delas foi a rejeição ao plano de partilha proposto em 1947 pela ONU. Jordânia, Iraque, Egito, Síria e Líbano invadiram a Palestina. A Faixa de Gaza foi ocupada pelo Egito e a Cisjordânia pela Jordânia, ficando assim até 1967 quando Israel reagiu e retomou esses territórios ampliando seu domínio até a Península do Sinai (já devolvida ao Egito) e as Colinas de Golã, território Sírio, ainda ocupado por Israel.
Essa que foi chamada de Guerra dos Seis Dias, já demonstrava todo o poderio militar israelense, que a deflagrou numa estratégia de guerra preventiva, a fim de se antecipar ao cerco que se iniciava com o fortalecimento do pan-arabismo exercido pelo então presidente egípcio Gamal Abdel Nasser. A ampliação do controle israelense se deu também em relação à Jerusalém, com a ocupação de Jerusalém Oriental, então sob controle da Jordânia e a partir daí passando a exercer a jurisdição total sobre o município e considerando-o indivisível. Local sagrado tanto para judeus como para árabes e cristãos, esse é um dos pontos cruciais a dificultar qualquer resolução de paz e divisão territorial visando um futuro Estado Palestino.
Os Estados Unidos desde então entrariam fortemente no apoio ao estado israelense, e rapidamente todos os investimentos seriam feitos com o objetivo de garantir uma forte estrutura que o consolidasse rapidamente. Mas outros interesses estratégicos seriam cobiçados e se consolidariam a partir da reação árabe à ocupação israelense. Primeiro pelo conquista da Península do Sinai, importante para o controle do acesso ao Canal de Suez e das Colinas de Golã, por onde Israel passa a se proteger contra qualquer dificuldade de controlar os recursos hídricos.
Outras guerras viriam a ocorrer por todos esses anos, opondo de um lado um forte aparato militar israelense, sempre escudado pelos Estados Unidos, de onde vem apoio político e financeiro, e de outro lado as várias organizações guerrilheiras que surgiram com o intuito de lutar por uma Palestina Livre e pela criação de um Estado palestino soberano. Mas, paradoxalmente, completamente divididas entre si.
A característica desses embates é que a população palestina tornou-se refém de interesses geopolíticos maiores, muito além do que a secular disputa religiosa. Como o território ocupado por Israel era habitado por palestinos, a conseqüência imediata foi o deslocamento de praticamente dois terços da população palestina para os países vizinhos. Isso sempre foi se agravando e potencializado pelas intensas guerras e pela reação desproporcional de Israel. Como a guerra de guerrilhas usa de táticas irregulares, ataques surpresas e ações terroristas, a resposta israelense sempre se deu de maneira indiscriminada, atacando cegamente áreas ocupadas por palestinos e quase sempre resultando em assassinatos coletivos de pessoas inocentes. Ao mesmo tempo, toda uma infraestrutura já deficiente foi piorando ao longo dos anos de conflitos, transformando os territórios palestinos em verdadeiros campos de refugiados, prisioneiros em seus próprios territórios, como é o caso, principalmente da Faixa de Gaza.
(3)
Enquanto o Estado de Israel se fortalecia, contando com o forte apoio financeiro dos Estados Unidos, cuja economia é majoritariamente controlada por judeus, a palestina se enfraquecia, isolada pelas imposições israelenses, de um forte controle de suas fronteiras e do proposital sufoco de uma economia frágil absurdamente submetida ao controle de bloqueios de Israel à revelia e contra todas as resoluções já impostas pela ONU e nunca respeitadas.
A radicalização da luta por grupos sectários, tanto palestinos (como as brigadas dos mártires de Al-aqsa) quanto por judeus ortodoxos, que inclusive assassinaram um de seus líderes propensos a um acordo (Yitzahk Rabin, assassinado por um judeu ortodoxo da extrema-direita israelense, em 1995), sempre eram motivos para que as negociações emperrassem.
Contudo, estranhamente há um silêncio sepulcral sobre uma das por mais principais razões pela não aceitação de Israel à consolidação de um Estado Palestino. A ferrenha disputa pelo controle dos recursos hídricos. Ao contrário do que muito se divulga, a religião não é a principal razão das dificuldades para um acordo.
Como se sabe, estamos falando de uma região outrora fértil, mas que ao longo de milênios perdeu parte de sua capacidade produtiva como decorrência de usos abusivos do seu ambiente, e principalmente de seus recursos hídricos. Isso torna a região extremamente dependente do controle de poucos mananciais que abastecem aqueles territórios, sendo o principal deles, o Rio Jordão, um dos reais motivos a impedirem uma saída pacífica para esse problema. Outra razão, também vinculada à disputa pela água, está em seu subsolo. São os aqüíferos, situados principalmente na Cisjordânia, e um mapeamento deles indicará que os colonos judeus foram estrategicamente levados a ocupar o terreno sob o qual eles se encontram.
Ali estão situados os aqüíferos da Montanha (quase por inteiro sob a Cisjordânia), o aqüífero de Basin e o Costeiro, que se estende até Gaza e passa por uma pequena parte do território israelense. No caso da Bacia do Rio Jordão, inclui-se ainda o mar da Galiléia (um enorme lago de água doce), o rio Yamurk e o Baixo Jordão. O Acordo de Paz de Oslo, em 1993, determinava que os palestinos tivessem mais facilidades do acesso à água, o que não ocorreu, com Israel passando a ter absoluto controle sobre o consumo de água também dos palestinos, que usam menos de um terço do que usam os israelenses.
Para se ter uma idéia disso, os israelenses podem usar livremente água na agricultura, em que irriga 50% de sua produção, mas os palestinos precisam de autorização nem sempre concedida. A anexação das Colinas de Golã, a fim de exercer controle sobre os afluentes do Rio Jordão, a construção do Aqueduto Nacional e o muro de proteção construído a pretexto de conter a entrada de suicidas, são na verdade ações que visam ter o real controle da água naquela região.
A observação da geografia do oriente médio, com o foco voltado para as fronteiras em disputas na palestina, sobreposta a um mapa hídrico da região, dará a comprovação das dificuldades que cercam a criação do Estado Palestino, como decorrência da dependência que acarretaria à Israel aos recursos hídricos que passariam facilmente a ser controlado pelo novo Estado.
Mas a História desse conflito indica muito mais problemas do que esse espaço possibilita abordar, e nos faz ver um dilema que poderá acarretar em graves conseqüências a partir das decisões que serão tomadas.
Não há dúvidas, no entanto, da necessária justeza para a imediata criação do Estado Palestino. Pode-se afirmar sem receio que essa já deveria ser uma decisão tomada há décadas. É inaceitável a postura da ONU, e principalmente dos Estados Unidos, que tomam decisões céleres quando se trata de atacar países cujos governos não lhes são confiáveis, e, no entanto, deixa tornar-se letras mortas as resoluções que obrigam ao Estado de Israel se retirar dos territórios que ocupam na Cisjordânia, bem como por fim ao bloqueio criminoso sobre a Faixa de Gaza.
São mais de cinco décadas de uma luta justa. Nesse tempo, contam-se aos milhares a quantidade de vítimas de um comportamento irracional, que tem motivado crimes dos dois lados, e um número infinitamente superior de palestinos não combatentes. Mulheres, crianças, velhos e trabalhadores perderam suas vidas no cotidiano de uma existência sofrida, oprimida, reféns em seu próprio território e vivendo com dificuldades crescentes, amenizadas nos últimos anos pelo aumento de doações de governos de países que já não vêem a hora de votar a favor de um Estado Palestino.
Isso pode se consolidar esta semana. As conseqüências desse ato, no entanto, serão imprevisíveis.  A recusa à criação do Estado Palestino poderá levar as revoltas da chamada “primavera árabe” para os territórios palestinos ocupados e para as fronteiras dos países vizinhos de Israel. Alguns, como a Síria e o Egito, ainda vivem as tensões das lutas populares e teriam dificuldades em conter outro tipo de rebelião, que poderá se direcionar contra Israel. Algo que já está acontecendo, como na invasão da Embaixada Israelense há cerca de duas semanas, no Cairo, capital do Egito.
Também a aceitação do Estado poderá ter conseqüências beligerantes. Israel já demonstrou não ter o menor receio de rejeitar uma decisão da ONU. Isso já vem sendo feito há décadas, com a complacência e cumplicidade dos Estados Unidos, e, mediante as pressões dos grupos radicais da ultra-direita judaica, poderá ampliar a repressão e, na reação aos grupos guerrilheiros palestinos, promover mais uma carnificina na região.
Como se vê, além da crise econômica, outras disputas geopolíticas podem potencializar conflitos bem maiores do que os que assistimos no início deste ano e que se limitaram à revoltas internas. Já desmoralizada pelas medidas adotadas sob pressão de potências ocidentais, a ONU ficará em situação complicada seja qual for a decisão tomada. Contudo, do ponto de vista histórico, da justeza de uma causa que não é somente do povo palestino, pois interessa também a outros povos que ainda lutam por um Estado-Nação, essa é uma decisão que precisa se enfrentada de uma vez por toda, a fim de que não prevaleça como há tempos o poder ilimitado de um Estado sobre as decisões das demais nações.
Palestina livre, e a criação de um Estado Palestino soberano, é a decisão justa a ser tomada.



NOTAS: 
(1) No mapa, em amarelo, o território palestino pré-1967, que a ONU pode transformar num Estado independente. A oeste, menor, a Faixa de Gaza. A leste, a Cisjordânia. . (http://www.outraspalavras.net/2011/09/17/a-um-passo-do-estado-palestino/).
 
(2) Ben-Gurion ao proclamar independência do Estado Judeu em 1848

(3) Os Acordos de Oslo criaram um território fragmentado. Em vermelho (cidades) e azul (vilas), estão as únicas regiões sob autonomia da Autoridade Palestina. Como se vê, são pontilhadas por assentamentos israelenses de colonização (triângulos em azul claro). Toda a área amarela ("C") está sob controle de Israel. (http://www.outraspalavras.net/2011/09/17/a-um-passo-do-estado-palestino/).

domingo, 11 de setembro de 2011

WORLD TRADE CENTER – RÉQUIEM PARA UM IMPÉRIO

11 DE SETEMBRO DE 2001: QUATRO AVIÕES, DUAS TORRES, UM PENTÁGONO E O COMEÇO DO FIM DE UMA ERA
Como historiador é fascinante poder desvendar os mistérios que cercam os acontecimentos ao longo dos tempos. Com a geopolítica, teço as linhas temporais na definição dos territórios e do concerto das relações internacionais. Como gente, presente ainda no cotidiano entre-séculos, a ver minha vida pessoal também atormentada por perdas irreparáveis nessa primeira década, me vejo também como participante dessa História. Posso dizer, até o final dos meus dias, que pude presenciar um inusitado ataque a um dos maiores impérios da humanidade desde o transcurso das civilizações.
Na somatória disso tudo, pelo fato de permanentemente estudar todas essas transformações, e também poder sentir como uma tragédia pode transformar nossa vida, me sinto dentro dessa História. Afinal, desde o final dos anos 1990 que me debruço sobre as transformações econômicas e sociais, a fim de entender a lógica insana e contraditória que movimenta o mundo.
Nos passos de Eric Hobsbawm, aprendi a compreender a história pelo olhar criterioso da dialética marxista. Às vezes por sua brilhante interpretação, outras bebendo na fonte dos teóricos do materialismo histórico, Marx e Engels, pude entender melhor como essas contradições explicam os choques de interesses contrários e alteram ao longo do tempo o curso da história.
Não existe nenhum ato que seja isolado do contexto que o circunda. Nada acontece aleatoriamente, nem desvinculado de elementos causais. Há sempre um ponto de partida, mas ele nunca surge espontaneamente, e por vezes, é, em si, também o ponto de chegada, a depender do que se deseja analisar. Mas isso não significa o fim da História. Como erroneamente afirmado no final do século passado, ela jamais se encerrará porquanto existir a raça humana. Contudo, sob determinadas circunstâncias, um ato pode transbordar uma imensidão de efeitos devastadores, fazendo alterar na sequência a  própria condução do processo histórico.
O 11 de setembro de 2001 é um desses momentos emblemáticos da história humana. Por mais que os apaixonados pelo glamour “americano” – embora o correto seja afirmar estadunidense – insistam em não enxergar nesse acontecimento a decadência dos Estados Unidos, enquanto potência hegemônica política e economica, os fatos subseqüentes, até os dias de hoje e pelo que se aponta ao futuro, determinam que o século XXI se iniciou sob uma nova égide.
Todo terror é insano. Venha do lado que vier e sob quaisquer tentativas de justificá-lo. Pelo simples fato dele perpetrar o assassinato indiscriminado de pessoas inocentes, com o objetivo de espalhar o medo e criar dificuldades para os que detêm o poder. Embora esses quase sempre fiquem imunes a tais ataques. Tornam-se alvos quem inclusive pode até ser voz dissonante na aceitação do governo ou governante que se quer atingir. Em síntese, é abominável como instrumento de luta pela libertação e/ou dominação de um povo. Injustificável.
O que não significa que não devamos estudar suas causas, para melhor entender as razões que levaram seus autores a praticar tamanha barbaridade. Mas, por vivermos a história de um tempo presente - embora ele passe permanentemente cada vez fluindo mais rapidamente em nossa aparência cotidiana - pude também acompanhar as ações do “império americano” por toda a década de 80.
São idas e vindas de relações políticas incoerentes, sucedendo-se ações militares indiscriminadamente na aliança com certos atores, desde que o objetivo intentado pudesse ser atingido. Quase sempre esses objetivos estavam ligados ao domínio de regiões estratégicas do mundo, com o intuito de manter o controle hegemônico da economia mundial, e de áreas ricas em recursos minerais, com destaque para o petróleo, mais importante fonte de energia a movimentar a maior potência econômica do planeta, em crescente escassez desse produto para atender à demanda de um final de século portentoso. Principalmente depois de sagrar-se vitorioso no embate travado por quatro décadas de Guerra Fria com a desestruturada União Soviética.
O controle dos mercados americanos e asiáticos, à exceção da China, e das riquezas petrolíferas do Oriente Médio, fez da política externa dos Estados Unidos uma extensão das estratégias de guerras dos falcões que dominavam o Pentágono. A África, recém-descolonizada e ainda entregue à sanha dos aliados europeus, manteve-se desprezada por essas ações, e aos poucos se enterrando em lutas tribais, como conseqüência de uma divisão territorial em Estados Nacionais que não correspondiam às suas características étnicas.
O fim da guerra fria fez explodir em ambição os interesses imperiais. Onde existissem grandes reservas petrolíferas o alinhamento com os EUA deveria ser obrigatório. Os governantes que ousassem contrariar essa política poderiam contar os seus dias. Seriam iniciamente demonizados, contando com todo o aparato midiático ocidental, transformar-se-iam em inimigos da humanidade e assim declarados pela Corte de Haia, perseguidos implacavelmente e seus países ocupados a fim de substituí-los por quem estivesse disposto a tornar-se cúmplice das ações rapaces imperialistas.
A OTAN, instrumento criado para a guerra fria, passou a ter outra finalidade, agir no estreito interesse dos Estados Unidos, e bombardear com forte aparato militar países frágeis em suas defesas, muito embora aparentemente resistentes pelas retóricas e fanfarronices de seus governantes. Alguns, ditadores, outrora aliados ocidentais, transformados em inimigos quando passavam a defender interesses nacionais e a se fortalecerem em governos títeres centralizadores, dificultando os objetivos econômicos dos países e grandes corporações ocidentais.
Mas não há ação que não gere uma reação em sentido contrário, como na física, conforme formulado por Isaac Newton, na sua terceira lei. Assim, até na política pode-se dizer que encontraremos sempre a possibilidade de essa reação ocorrer, como também se aplicando as leis da dialética, pelas quais o choque dos contrários impõe uma transformação inevitável, quando se atinge os limites dessas contradições.
Depois de décadas aplicando uma estratégia de ocupação militar ostensiva, quando não intervindo através de ações de espionagem e sabotagem sobre governos que lhes eram antipáticos, os Estados Unidos tornou-se inimigo público número um de grupos guerrilheiros, organizações revolucionárias e libertárias por todos os continentes. Agravado com a política da Guerra Preventiva, principal elemento a movimentar a Doutrina Bush.
No mundo árabe isso se tornou mais intenso como decorrência do acobertamento dos abusos e crimes cometidos pelo Estado de Israel na ocupação do território palestino e da política de estrangulamento da economia de Gaza e da Cisjordânia, através de bloqueios e isolamento de uma população que há mais de quatro décadas luta por um Estado soberano.
Os ataques do 11 de setembro foi uma conseqüência dessas políticas. A própria Al Qaeda, sob certas circunstâncias, originou-se diretamente desse processo. Primeiro, quando os Estados Unidos financiaram os insurgentes anti-soviéticos no Afeganistão no ocaso da guerra fria, já nos estertores do Império Soviético. Bin Laden e os Talibãs, e isso já foi fartamente documentado, foram armados e exaltados pelo Governo Reagan e posteriormente pelo Bush pai. Depois, numa inversão de lado, Bin Laden rebela-se contra a Guerra do Golfo, quando uma coalizão ataca o Iraque que então tinha invadido o Kwait, na denominada “Operação Tempestade do Deserto”. Também foi o momento de rompimento de Bin Laden com a Monarquia Saudita e do seu deslocamento para a fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão.
Sucessivos ataques terroristas anteciparam o que seria o mais espetacular atentado da história.  O próprio World Trade Center já tinha sido alvo de um ataque em 1993, quando um carro bomba explodiu mais de 600 quilos de combustível e nitrato, matando seis pessoas e ferindo pouco mais de 1000. O ataque à Torre Um, foi feito na garagem desse prédio numa ação presumivelmente financiada pela Al Qaeda, mas realizada por um grupo de fundamentalistas islâmicos. Mas essa organização caracteriza-se exatamente por ser representada por diversos grupos, que se autodenominam seus membros, e por terem sido por ela algumas vezes financiadas, numa espécie de rede terrorista que atua sob franquias. Isso se ampliou muito mais após a reação dos Estados Unidos com as invasões do Afeganistão e do Iraque.
O atentado de 11 de setembro, malgrado a devastação de vidas humanas alheias às disputas geopolíticas e às agressões estadunidenses (à exceção de alguns agentes da CIA que morreram em um dos prédios, onde existiam um escritório dessa agência), representou uma resposta a uma política externa extremamente beligerante e claramente disposta a exercer o controle sobre todas as regiões estratégicas do mundo. Inclusive em territórios anteriormente vinculados à extinta União Soviética.
Mais do que um simples atentado terrorista o ataque simultâneo às duas torres do World Trade Center, ao Pentágono e, possivelmente, à Casa Branca, indica uma operação de guerra espetacular e muito bem planejada. Estrategicamente brilhante, porque tinha como alvo edifícios símbolos dos poderes econômico,  militar e político. Este último, no entanto, não chegou a ter sucesso, com um dos aviões-bombas caindo no Estado da Pensilvânia, provavelmente como decorrência da reação de seus passageiros.
Não se sabe, contudo, para completar a inteligência do plano, se os terroristas sabiam da possibilidade de as duas torres desabarem em um processo semelhante à implosão, ampliando em muito a dimensão do atentado e a quantidade de vítimas. Isso porque a própria construção do complexo já continha em sua engenharia a preocupação de resistir ao choque de aviões, embora não a um Boeing 767. Contudo não foi o choque em si, responsável pelo desabamento das torres, e sim um processo de combustão gerado pela queima do querosene, combustível dos aviões que estavam com tanques praticamente cheios.
Não foram, contudo, somente as duas torres a desabarem. Mas praticamente todo o complexo, composto por sete torres foram abaixo nos dias seguintes ao atentado. Alguns foram implodidos em função de estarem com suas estruturas danificadas e desabariam inevitavelmente.
Com número inferior de vítima, mas de uma importância reduzida somente pelo beneplácito da mídia, a destruição de parte do pentágono talvez represente uma ousadia maior do que ao do ataque às torres gêmeas. O Pentágono, coração da segurança militar e centro das principais agências de defesa dos Estados Unidos, representa o poder militar da maior potência do mundo. Neste quesito imbatível, naquele momento, no atual, e ainda por muitos anos. Se a perícia existente na condução dos aviões em direção ao World Trade Center se repetisse no Pentágono, certamente o impacto poderia ser muito mais devastador.
Quanto ao quarto avião, presumivelmente a ser jogado contra a Casa Branca, teve outro fim que custou a vida de todos os seus 45 passageiros e tripulantes, e não conseguiu atingir o alvo previsto. Mas há controvérsias quanto a este alvo. É provável que pudesse ser também o Capitólio, a sede do Congresso estadunidense.
Mas ainda existem muitas indagações sobre esse acontecimento. A rapidez com que os órgãos de segurança identificaram os seqüestradores se choca com a incompetência em impedir que um atentado tão espetacular pudesse ocorrer, com o seqüestro simultâneo de quatro grandes aviões comerciais. Para se ter uma idéia, 18 horas após o atentado a CIA já estava entrevistando o proprietário de uma escola de aviação, onde dois seqüestradores aprenderam a pilotar. Presume-se que praticamente todos os seqüestradores já estivessem sendo monitorados pela “inteligência” estadunidense, o que deixou margem para que inúmeras teorias apontassem para uma possível negligência programada, com o intuito de implementar uma política externa e militar mais agressiva. O que já constava da própria campanha de Bush Jr. à presidência.
A maneira como se comportou o governo daquele país nos atos subseqüentes deixam, de fato, dúvidas a respeito dessas fragilidades da segurança. Se naquele momento a popularidade de Bush era inferior à 40% ela adquiriu um pique de mais de 80%, principalmente após o seu discurso beligerante no parlamento, onde contou com a unanimidade para a implementação da denominada “Guerra ao Terror”. Alie-se a isso o fato de posteriormente várias denúncias envolverem o poderoso exército privado “Blackwater”, agora “Ox”, e o vice-presidente Dick Cheney. E uma série de outras relações mal explicadas de corporações que se beneficiaram com a partilha da reconstrução dos países destruídos no pós-11 de setembro.
Evidentemente, não se faz guerra a um país, principalmente historicamente reconhecido como difícil de ser ocupado (já tentado no século XIX pelos britânicos e no século XX pelos soviéticos), sem que um planejamento militar já esteja devidamente com estratégicas e táticas previamente elaboradas. Além da preparação de toda uma infra-estrutura grandiosa para garantir o deslocamento de dezenas de milhares de soldados, equipamentos e um forte aparato militar. O tempo transcorrido entre os atentados das torres gêmeas e a invasão do Afeganistão (considerando a necessidade de uma investigação) foi de menos de um mês.
O que evidencia a existência de um plano já pronto anteriormente à data dos atentados. Ressalte-se que não somente a desconfiança em relação ao regime do Taliban, mas outros interesses motivavam a invasão do Afeganistão. A necessidade da construção de oleodutos e gasodutos pelo território afegão, até então negado veementemente pelos talibans. A confirmação dessa suspeita pode ser encontrada em qualquer busca pela internet, identificando a construção dos mesmos atendendo aos interesses de empresas estadunidenses, uma delas muito citada, a Unocal, ligando o Turcomenistão ao Paquistão atravessando o território Afegão e chegando ao Mar da Arábia, para em seguida atingir o Oceano Índico (ver mais site http://geopoliticadopetroleo.wordpress.com).
Inegavelmente foi um atentado extraordinário e um crime em massa descabido. Mas a reação que seguiu foi igualmente exagerada e extremamente desproporcional. O que se aplicou a seguir ao atentado do World Trade Center foi completamente irracional, tanto quanto as ações terroristas, ou mais, pela quantidade de mortes que a ação militar gerou, superando em muito o número de mortos do 11 de setembro. É praticamente impossível se obter um número exato de pessoas que morreram nas guerras do Iraque e do Afeganistão, mas é possível dizer com segurança que o número supera a quase cem vezes a quantidade de vítimas da ação terrorista. Possivelmente mais de meio milhão de pessoas, a enorme maioria civis, padeceram e padecem, como conseqüência da vingança estadunidense, aliada aos objetivos escusos já em curso para se obter o controle daqueles territórios.
Mas ao contrário do que tenta apresentar os principais meios de comunicação, a perda maior foi sem nenhuma dúvida para os Estados Unidos da América, comparativamente à Al Qaeda. E são vários os fatores decorrentes desses ataques que explicam o processo de decadência econômica do imperialismo estadunidense. O primeiro diz respeito à completa paralisação da economia daquele país por cerca de uma semana, sem que sequer as principais bolsas de valores funcionassem. Estagnou-se também, por completo, todo o sistema de circulação, inicialmente com o impedimento de vôos comerciais, para em seguida, e até por cerca de um ano, uma verdadeira operação tartaruga travasse quase por completo todo o sistema de aviação, como uma necessidade para rigorosa identificação dos passageiros. Agora, todos suspeitos de serem terroristas.
As corporações financeiras, responsáveis pelas principais empresas seguradoras do país, sofreram um forte baque, e não se recuperariam desde então. Sendo essa uma das razões da crise que estourou em 2008 e se estende até os dias atuais.
Um clima de terror e desconfiança tomou conta das principais cidades estadunidenses e a aplicação do chamado Ato Patriótico impôs restrições ao livre deslocamento de pessoas internamente e também daqueles que pretendiam ali ingressar. Mas não só isso, esse ato cerceador das liberdades democráticas constituiu-se em uma verdadeira institucionalização da bisbilhotagem da vida das pessoas, garantindo ao Estado vigiar permanentemente, sem ordem judicial, todo e qualquer indivíduo que as agências de “inteligência” julgassem suspeitos. O “Big Brother” orwelliano mudou de lado.
Nas fronteiras dos territórios ocupados, mediante a ação desproporcional e indiscriminada, e sob suspeitas infundadas de existências de armas nucleares e de destruição em massa, como no caso do Iraque, o extermínio de civis inocentes tornou-se uma criminosa rotina. Tanto nas atitudes militares e de mercenários estadunidenses, como na resposta dada pelos insurgentes com as explosões permanentes de fundamentalistas suicidas e de carros bombas, a destruir a infra-estrutura da cidade como, principalmente, proporcionar o assassinato em massa de dezenas e, ao final, centenas de milhares de afegãos e iraquianos. Inúmeros deles foram presos sem muitas explicações e submetidos à torturas por prisões tipo Abu Ghraib e Guatánamo, espalhadas em países de governos ditatoriais aliados, como o do Iêmen, e até mesmo na Líbia de Ghadafi, agora tornado inimigo.
A empreitada vingativa dos Estados Unidos, embora militarmente destruidora, mas não necessariamente vitoriosa teve um forte efeito colateral. Já abalado pelo atentado que causou prejuízos gigantescos à sua economia, as despesas militares acentuaram-se a níveis jamais vistos, superando todos os gastos daquele país durante as duas guerras mundiais. Se serviu para abastecer as contas dos aliados e financiadores da campanha de George W. Bush, e isso é fato, fartamente denunciado, com o aproveitamento do espólio iraquiano por grandes corporações ocidentais, principalmente dos EUA, por outro lado foi um fator preponderante para abrir um rombo enorme em suas finanças.
As dívidas, externas e internas, se elevaram a níveis gigantescos, chegando-se aos dias de hoje a superar o seu Produto Interno Bruto, algo que jamais ocorrera, nem mesmo durante a grande depressão da década de 1930. Plenos em suas ganâncias, os investidores não se contiveram em artificializar ganhos com uma espécie de corrente especulativa, aproveitando-se de um sistema de crédito propício à implementação desses mecanismos golpistas, tentaram recuperar seus prejuízos endividando os cidadãos estadunidenses ao limite de suas capacidades.
Um outro mundo, no entanto, seguia seu curso de desenvolvimento livres das amarras e das imposições do império. Enquanto envolvia-se nas guerras na Ásia central e Oriente Médio, outros países aproveitavam de uma conjuntura favorável e fortaleciam seus mercados internos, regionais e buscavam novos caminhos para seus investimentos produtivos. Isso fez com que países como Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, dentre outros, avançassem celeremente em direção a um novo protagonismo em um mundo que já não mais aceitaria como antes o comando unipolar de um império decadente.
Como conseqüência dessas alterações geopolíticas a grave crise de 2008 atingiu de maneira mais amena esses países, dando mais impulso ainda aos seus fortalecimentos perante a economia mundial e principalmente regional. Em contrapartida aqueles países, além dos Estados Unidos, que diretamente se envolveram nos conflitos que se seguiram ao ano de 2001, passaram a conviver com uma crise econômica tão intensa quanto de difícil previsão em relação à sua superação.
Em abril de 2011, quase dez anos depois, os Estados Unidos em uma operação suspeita, invadiu o Paquistão e assassinou Osama Bin Laden, dando sumiço ao seu corpo. Um mês depois, um helicóptero militar, contendo parte do grupo que eliminou Bin Laden, um comando especial da Marinha, foi estraçalhado por uma ação do Taliban em uma suposta armadilha, caracterizando uma ação de vingança que provocou a morte de 22 daqueles soldados que estiveram em Abbottabad, cidade próxima à Islamabad, capital do Paquistão (http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,eua-sofrem-pior-reves-no-afeganistao,755180,0.htm).
Pouco tempo depois acentuou-se a crise econômica da ainda maior potência do planeta, embora em franca decadência. Pela primeira vez em sua história os Estados Unidos se depararam com a possibilidade de ter que dar calote em suas dívidas. Caso isso acontecesse causaria uma verdadeira paralisação em todo o sistema financeiro, o que jogaria todo o mundo em uma forte depressão econômica. Mas o risco ainda continua.
Embora tenha sido eliminado, Osama Bin Laden seguirá sendo um fantasma a incomodar as grandes potências. Sendo ou não o principal responsável pelos espetaculares atentados, o fato é que a ele foi dado todas as responsabilidades pela orquestração da ação terrorista. Mas por trás dele toda uma rede permanece ainda atuante, e seguirá assim porquanto as ocupações militares continuarem a criar insurgentes, e porquanto a política externa estadunidense se preocupar somente em expropriar riquezas e exercer controle sobre pontos estratégicos, mas seguramente repletos de gente dispostas a lutar contra a sua dominação.
Não restam dúvidas, muito embora diga o contrário Obama e grande parte da mídia, que o 11 de setembro desmoronou não somente parte do pentágono e o complexo do World Trade Center. Mas abalou seriamente a economia dos Estados Unidos e por conseqüência de muitos países europeus. Por tudo que a História real nos conta desde então, podemos afirmar que as ações da Al Qaeda, literalmente, atingiram seus alvos.
Quanto às lembranças que restam daquela data fatídica, não devemos somente lamentar os quase três mil mortos no império. Inclusive os mais de sete mil jovens soldados estadunidenses que foram à guerra. Mas também as centenas de milhares, incluindo-se crianças, mulheres e velhos, em sua enorme maioria civis, que foram massacrados pelas tropas “aliadas” em seus lugares de viver e trabalhar. E pelos tantos outros milhares, inclusive dos soldados que compunham a aliança militar ocidental, que permanecerão incapazes e com seqüelas por perderem parte de seus corpos, para o resto da vida.
O mundo mudou, em 2001 e nos anos seguintes. Mas, seguramente, não foi para melhor.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

SOMÁLIA – UMA CATÁSTROFE ANUNCIADA

Somália. Este nome se popularizou aqui no Brasil, na medida em que um jogador negro, alto de corpo esguio se destacava no futebol. São vários “Somálias” em nossos campos. Eles se parecem, e é exatamente por isso que recebem o mesmo apelido. Mas quantos conhecem a verdadeira situação da Somália. Não mais um nome que se populariza no futebol, mas de um território fragmentado que já de há muitos anos não pode ser concebido como uma Nação.
A história da Somália não é diferente da de muitos outros países africanos, submetidos ao controle colonial de potencias européias a partir do século XIX. O início da sua desgraça é o começo da sua libertação. Sempre assim. Os europeus exploraram ao limite suas colônias, extraíram delas o que podiam em termos de riquezas, de recursos minerais ou de suas posições geoestratégicas para atingir seus objetivos de dominação imperialistas.
Ao final de certo tempo, devido à própria escassez desses recursos explorados, ou como decorrência das guerras ocorridas entre essas potências pelo controle do continente africano, principalmente de territórios ricos em petróleo, ouro, diamante e da própria exploração humana escravizada, a descolonização abandonou à própria sorte nações criadas artificialmente para atender a esses interesses.
Toda a repartição africana, seus limites territoriais, fronteiras, novas nações criadas, atenderam exclusivamente os interesses dos colonizadores. As várias etnias, obrigadas a conviverem a ferro e fogo, sob o jugo do colonizador, despertaram da escravidão colonial e passaram a se enfrentar pela disputa do território.
Existem culpados para a situação caótica da Somália, e de tantos outros países criados dentro dessa artificialidade e que a partir da metade do século XX tentam encontrar suas identidades. Inevitavelmente, isso só ocorrerá compreendendo-se a lógica de funcionamento étnico-tribal, e através de uma nova redivisão territorial em muitos desses países.
A Somália é, atualmente, um amontoado de grupos armados disputando um território esfacelado. O Estado, completamente falido, tendo à frente um governo cujo arranjo internacional não o tornou capaz de resolver a situação, não consegue deter a violência crescente.
No meio disso tudo, aberrações de todo o tipo acontece. Estupros, corrupção de menores, pirataria, contrabando de armas, comércio de drogas ilícitas, e tantos outros crimes que explodem numa terra marcada pelos caos.
Mas essa situação não é de agora. A calamidade anunciada pela ONU já está se constituindo há vários anos, sob os olhares indiferentes dela mesma e dos países que sempre exploraram o continente africano. Nos últimos anos a Somália vem sendo disputada por milícias armadas que desconhecem o governo central. Este, completamente desmoralizado não consegue conter o avanço desses grupos, apesar dos acordos firmados com a União das Cortes Islâmicas (UCI), que já controlava parte de Mogadício, a capital, e outros territórios. O presidente atual, ex-membro da UCI (hoje Aliança para a Reliberação da Somália), tenta, mas não consegue pacificar o país.
Por outro lado, a neurose terrorista cria desconfiança na aproximação da UCI com o governo. Os EUA acreditam ser esse grupo aliado da Al Qaeda e há tempos tentam uma intervenção militar. Mas somente a Etiópia e Eritréia, nos últimos anos têm desenvolvido apoios para tentar conter o conflito, até por uma própria necessidade que a geografia lhes impõe, em razão da ligação fronteiriça com a Somália.
Essa situação, até então pouco divulgada internacionalmente, é de um prolongamento da guerra civil, com a disputa entre vários grupos étnicos, organizados em verdadeiros bandos armados. Isso tem impedido até mesmo a chegada de ajuda humanitária. Diante disso, a população desamparada e completamente desprovida de alimentos e outros recursos, abandonam a capital e acumulam-se em campos de refugiados onde se consolida uma situação de verdadeira catástrofe.
Ainda no século anterior, em sua última década, a ONU preparou uma intervenção com o intuito de possibilitar ajuda humanitária. Pelo menos essa foi a justificativa apresentada. Tentou exercer um controle pelo sul da Somália, numa operação bem sucedida inicialmente. Mas a reação do então governante Somáli, Mohamed Farrah Aidid retomou o controle e após atacar tropas do exército paquistanes infligiram uma derrota à ONU e aos Estados Unidos que invadiram Mogadício e tentaram seqüestrá-lo.
Houve uma verdadeira carnificina. Milhares de somalis foram mortos. Dezenove soldados da tropa de elite Delta Force morreram depois de serem encurralados em pleno centro da capital. A partir daí a ONU teve dificuldades para agir naquele ponto da África. O episódio do conflito, mostrando o fracasso da operação estadunidense e a morte de seus 19 soldados é mostrado no filme “Falcão Negro em Perigo”, do diretor Ridley Scott. Claro, com uma forte pitada de sentimento heróico a impulsionar as ações dos falcões.
Depois disso, e entregue à própria sorte (para o bem ou para o mal ela não possui petróleo, pelo menos não ao que se saiba até este momento), o país se esfacelou e tenta com muitas dificuldades se reencontrar.
A absoluta ausência de uma economia consolidada, dificultada por essa situação de conflito, levou a que nos últimos anos grupos de somalis se dedicassem a atacar navios estrangeiros e a seqüestrar seus passageiros e tripulantes. Além de roubarem seus pertences exigiam elevadas quantias para libertá-los.
Ressalte-se que a Somália localiza-se em um ponto estratégico, conhecido como o Chifre da África, na entrada do golfo de Adén. Por ali passam grande quantidade de embarcações, boa parte delas grandes petroleiros que transportam petróleo do Oriente Médio e do Norte da África para o Ocidente.
Pouco se diz, contudo, que também uma das bases da economia daquela região, a pesca, desde há décadas vem sendo gradativamente afetada por um crime ambiental pouco divulgado. Há décadas o Golfo de Aden vem sendo poluído por lixo tóxico, despejados por grandes cargueiros vindos dos países ocidentais. Quando eles próprios não são afundados propositadamente com tais resíduos, numa operação que tem sido realizada pela máfia, em um negócio que envolve bilhões de dólares, e que se destina a despejar naquela área lixos tóxicos e radioativos. Chumbo e metais pesados, como cádmio e mercúrio, já foram detectados naquelas águas, sendo, certamente, um dos principais fatores para a redução do número de peixes, afetando uma das poucas atividades econômicas do povo somali.
A tragédia que se apresenta hoje na Somália, como outras tantas ocorridas no continente africano, tem as impressões digitais dos países ocidentais, através de ações imperialistas nas várias formas de dominações colonialistas desde há muito tempo.
Não há dúvidas da ferocidade e violência das milícias que atuam na Somália e impedem que ajuda humanitária atenda urgentemente a uma população que morre de fome. E elas precisam ser combatidas não a partir do velho método de ocupação e destruição em massa. A estratégia para a solução do problema somali deve passar primeiramente pela União dos Países Africanos, com a presença isenta da ONU, de forma a garantir a verdadeira libertação daquele povo respeitando suas diferenças étnicas na divisão territorial que porventura seja necessária acontecer.
Uma Nação se faz com características que venham a somar a formatação de um povo, que o complete e que seja uma aspiração amplamente majoritária, uma aceitação irrefutável e consentida. Não pode ser imposta desconsiderando-se tipos e hábitos completamente distintos entre povos de etnias diferentes e que não seja de suas vontades uma unificação com outros agrupamentos étnicos que lhes são diferentes.
A África ainda luta por sua verdadeira libertação. As origens de suas desgraças são encontradas nas ações rapaces, gananciosas e invasoras dos países que construíram suas riquezas mediante o saque dos recursos naturais abundantes no continente africano.
Somália, Ruanda, Congo, Uganda, Serra Leoa, Guiné Bissau, Burundi e tantos outros países africanos com baixo Índice de Desenvolvimento Humano, são vítimas de um mundo movido por uma lógica cruel, cujo motor de funcionamento tem como combustível a ganância e o lucro. A riqueza de poucos está na proporção inversa e desigual da pobreza de muitos, e aquela se serve desta. Não há riqueza que não seja obtida a partir da exploração da pobreza. A catástrofe que ameaça a Somália é um resultado disso.