Filme nós avaliamos
de acordo com nossa visão de mundo, e a partir daquilo que estamos focados em
assimilar no trabalho que desenvolvemos, se desejamos utilizar como referência
para debate e discussão.
Esse filme, “O
menino que descobriu o vento”, a meu ver possibilita fazer diversas discussões.
Particularmente irei usá-lo tendo como foco questões estratégicas e de caráter geopolítico,
especialmente em Geopolítica das Águas.
A seguir, então,
indicarei os pontos que destaco para discussão, e que representa a minha
maneira de ver o que a história do filme pode me dizer.
- Certamente eu não
poderia deixar de começar traçando um histórico da realidade da África. Pelo
aspecto econômico, como um continente abandonado após ter sido saqueado pelos
países europeus, principalmente. Um pífio desenvolvimento em muitos países
deixando a população sem alternativas, que não fosse uma produção para
sobrevivência. Isso aliado a governos frágeis, corruptos, submissos aos
colonizadores e incapazes de oferecer alternativas que pudessem tornar suas
economias mais fortes. Se a colonização nos países africanos foi terrível e
desumana, a descolonização foi perversa. As potencias europeias, em crise e
endividadas no pós-guerra, abandonaram suas colônias ao sabor das diferenças
internas, acentuadas por eles próprios no processo de dominação, fazendo com
que as guerras tribais e étnicas se tornassem frequentes. Quando não chegaram a
um estágio de extrema divisão, com guerras civis e lutas por libertação do jugo
opressor, daqueles países que insistiam em manter o domínio colonial, mesmo em
meio à crise. O palco dessa história é o Malaui, ou República do Malawi, país
que situa-se na parte oriental da África e faz fronteira com o Moçambique.
Neste mês de março esses países foram vitimados por um violento tornado, que
mais uma vez trouxe caos e desespero para as suas populações, com destruições
terríveis, causadas principalmente por inundações e deixando cerca de mil
mortos.
- Essa realidade,
de uma pobreza cruel e de absoluta ausência do Estado em diversas regiões,
levou naturalmente a população, em seu ímpeto por sobreviver, a utilizar métodos
tradicionais que pecavam por não perceber a necessidade de evoluírem em
técnicas que garantissem manter um nível de produção que lhes satisfizessem,
mas que não destruísse o ambiente em que eles viviam.
- Sem condições econômicas
suficientes para atender uma comunidade que crescia, e tendo que assistir aos
seus filhos saírem em busca de oportunidades em outros lugares, as pessoas se
submetem a uma postura equivocada do governo que vê suas chances no
desmatamento para a venda da madeira. Isso gera um efeito perverso, na medida
em que as terras que produziam os alimentos ficam sujeitas às intensas chuvas.
Sem proteção florestal as inundações destroem as colheitas, e, para piorar,
esse desmatamento provoca um desequilíbrio ambiental que se reflete no regime
de chuvas. Enchentes em um ano pela falta de proteção florestal e seca nos anos
seguintes, tornando cada vez mais impossível produzir pelos métodos
tradicionais, levando a uma forte crise na comunidade e a um enfrentamento com
os poderes governamentais, também incapazes de dar resposta aos problemas. Em
muito criado por suas próprias políticas de incentivo ao desmatamento.
- Em meio a tudo
isso o que se destaca com muita força no filme é o papel do conhecimento. Esse
é o diferencial que irá propiciar uma redenção à comunidade, mas não sem muito
sofrimento, como decorrência do apego do pai de William aos métodos
tradicionais e às crenças, muito forte, de seus antepassados.
- A escola garantiu
ao jovem William despertar sua curiosidade e o desejo de aprender se somou a
isso. Importante enfatizar o confronto entre o novo que surge sempre, a partir
da busca do conhecimento e do que pode apontar para melhorias numa sociedade, e
o velho que insiste em permanecer com métodos tradicionais, muitas vezes pelo
medo de apostar em algo diferente. Ou, o que prevalece em algumas sociedades,
principalmente na África e na Ásia, o temor que persiste entre os mais velhos,
em verem seus conhecimentos tradicionais serem superados pelo que os jovens
podem apresentar. Em alguns casos isso está ligado a preceitos religiosos,
exatamente por isso de caráter conservadores. Já que rejeitam algumas mudanças
que possam impactar esses valores.
- Mas há também o
aspecto individual. A resiliência. Essa é uma característica que está presente
em algumas pessoas, independente da classe social. Claro que na condição de
William, a luta para que essa resiliência se mantenha firme até atingir o
objetivo que ele deseja, é mais difícil. Em função da pobreza que o cerca e dos
desafios imensos para poder continuar na escola. Essa é uma característica
presente no William que a irmã dele não adquiriu. O que faz com que, ao final,
ele tenha chegado a uma situação de ganhar prêmios e frequentar universidades
na África do Sul e nos EUA.
- Por fim, o
elemento central para mim, em meio a tantas dessas questões possíveis de serem
discutidas. A necessidade da água para a garantia de sobrevivência de uma
comunidade e de como ela se torna essencial também para manter uma economia
suficiente para que as pessoas possam sobreviver, mesmo que por mera subsistência.
A água é essencial. Ao mesmo tempo o uso de energias alternativas, que poderiam
ser mais utilizadas pelos governos para melhorarem as condições de vida das
comunidades mais pobres. A tecnologia eólica, do aproveitamento do vento, neste caso, demonstra ser uma saída
não somente para geração de energia, mas para criar condições de buscar água em
lençóis freáticos e possibilitar que por meio da irrigação as comunidades
possam produzir alimentos para suas sobrevivências e para comercializarem no
mercado, a fim de melhorarem suas condições de vida. Isso pode evitar o
deslocamento de populações, já que a escassez hídrica é uma das principais
razões para o imenso fluxo migratório que atinge principalmente a África.
- E, para além
dessas questões, existem outros aspectos que tem relevância, e que não são de menor importância. A ausência do Estado em
todas as circunstâncias, mas o mais grave é ver uma escola em uma comunidade
paupérrima sem ser gratuita, com os pais tendo que pagar para seus filhos
estudarem em meio a uma condição de absoluta dificuldade.
Penso que esse
filme, cuja história se passa no começo deste século, nos dá muitas
possibilidades de discutir temas que são candentes nos dias de hoje e
absolutamente necessários compreendê-los para que tenhamos a compreensão das
desigualdades que afetam os diversos países e continentes.
Na parte técnica, a
direção do filme e o desempenho dos atores é algo que eu também destacaria.
Suas atuações transmitem um sentimento de revolta e frustração diante de uma
realidade tão sofrida e tão sombria. E nos emociona ao ver o resultado como
consequência da resiliência e na certeza que pode sim, haver soluções para
todas as situações, mesmo as que se apresentam como desesperadoras. O conhecimento é a ferramenta para as transformações sociais, mas o papel do
Estado é imprescindível.
Ficha Técnica do filme (Disponível no
Netflix):
Título no Brasil - O
Menino Que Descobriu o Vento
Título
original - The Boy Who
Harnessed the Wind (2019)
Diretor: Chiwetel Ejiofor
Roteirista: Chiwetel Ejiofor
Romualdo,
ResponderExcluirSensacional a sua avaliação. Eu e Graça acabamos de assistir. Um forte abraço camarada.