sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

O MENINO QUE DESCOBRIU O VENTO – ANÁLISE


Filme nós avaliamos de acordo com nossa visão de mundo, e a partir daquilo que estamos focados em assimilar no trabalho que desenvolvemos, se desejamos utilizar como referência para debate e discussão.
Esse filme, “O menino que descobriu o vento”, a meu ver possibilita fazer diversas discussões. Particularmente irei usá-lo tendo como foco questões estratégicas e de caráter geopolítico, especialmente em Geopolítica das Águas.
A seguir, então, indicarei os pontos que destaco para discussão, e que representa a minha maneira de ver o que  a história do filme pode me dizer.
- Certamente eu não poderia deixar de começar traçando um histórico da realidade da África. Pelo aspecto econômico, como um continente abandonado após ter sido saqueado pelos países europeus, principalmente. Um pífio desenvolvimento em muitos países deixando a população sem alternativas, que não fosse uma produção para sobrevivência. Isso aliado a governos frágeis, corruptos, submissos aos colonizadores e incapazes de oferecer alternativas que pudessem tornar suas economias mais fortes. Se a colonização nos países africanos foi terrível e desumana, a descolonização foi perversa. As potencias europeias, em crise e endividadas no pós-guerra, abandonaram suas colônias ao sabor das diferenças internas, acentuadas por eles próprios no processo de dominação, fazendo com que as guerras tribais e étnicas se tornassem frequentes. Quando não chegaram a um estágio de extrema divisão, com guerras civis e lutas por libertação do jugo opressor, daqueles países que insistiam em manter o domínio colonial, mesmo em meio à crise. O palco dessa história é o Malaui, ou República do Malawi, país que situa-se na parte oriental da África e faz fronteira com o Moçambique. Neste mês de março esses países foram vitimados por um violento tornado, que mais uma vez trouxe caos e desespero para as suas populações, com destruições terríveis, causadas principalmente por inundações e deixando cerca de mil mortos.
- Essa realidade, de uma pobreza cruel e de absoluta ausência do Estado em diversas regiões, levou naturalmente a população, em seu ímpeto por sobreviver, a utilizar métodos tradicionais que pecavam por não perceber a necessidade de evoluírem em técnicas que garantissem manter um nível de produção que lhes satisfizessem, mas que não destruísse o ambiente em que eles viviam. 
- Sem condições econômicas suficientes para atender uma comunidade que crescia, e tendo que assistir aos seus filhos saírem em busca de oportunidades em outros lugares, as pessoas se submetem a uma postura equivocada do governo que vê suas chances no desmatamento para a venda da madeira. Isso gera um efeito perverso, na medida em que as terras que produziam os alimentos ficam sujeitas às intensas chuvas. Sem proteção florestal as inundações destroem as colheitas, e, para piorar, esse desmatamento provoca um desequilíbrio ambiental que se reflete no regime de chuvas. Enchentes em um ano pela falta de proteção florestal e seca nos anos seguintes, tornando cada vez mais impossível produzir pelos métodos tradicionais, levando a uma forte crise na comunidade e a um enfrentamento com os poderes governamentais, também incapazes de dar resposta aos problemas. Em muito criado por suas próprias políticas de incentivo ao desmatamento.
- Em meio a tudo isso o que se destaca com muita força no filme é o papel do conhecimento. Esse é o diferencial que irá propiciar uma redenção à comunidade, mas não sem muito sofrimento, como decorrência do apego do pai de William aos métodos tradicionais e às crenças, muito forte, de seus antepassados.
- A escola garantiu ao jovem William despertar sua curiosidade e o desejo de aprender se somou a isso. Importante enfatizar o confronto entre o novo que surge sempre, a partir da busca do conhecimento e do que pode apontar para melhorias numa sociedade, e o velho que insiste em permanecer com métodos tradicionais, muitas vezes pelo medo de apostar em algo diferente. Ou, o que prevalece em algumas sociedades, principalmente na África e na Ásia, o temor que persiste entre os mais velhos, em verem seus conhecimentos tradicionais serem superados pelo que os jovens podem apresentar. Em alguns casos isso está ligado a preceitos religiosos, exatamente por isso de caráter conservadores. Já que rejeitam algumas mudanças que possam impactar esses valores.
- Mas há também o aspecto individual. A resiliência. Essa é uma característica que está presente em algumas pessoas, independente da classe social. Claro que na condição de William, a luta para que essa resiliência se mantenha firme até atingir o objetivo que ele deseja, é mais difícil. Em função da pobreza que o cerca e dos desafios imensos para poder continuar na escola. Essa é uma característica presente no William que a irmã dele não adquiriu. O que faz com que, ao final, ele tenha chegado a uma situação de ganhar prêmios e frequentar universidades na África do Sul e nos EUA.
- Por fim, o elemento central para mim, em meio a tantas dessas questões possíveis de serem discutidas. A necessidade da água para a garantia de sobrevivência de uma comunidade e de como ela se torna essencial também para manter uma economia suficiente para que as pessoas possam sobreviver, mesmo que por mera subsistência. A água é essencial. Ao mesmo tempo o uso de energias alternativas, que poderiam ser mais utilizadas pelos governos para melhorarem as condições de vida das comunidades mais pobres. A tecnologia eólica, do aproveitamento do vento, neste caso, demonstra ser uma saída não somente para geração de energia, mas para criar condições de buscar água em lençóis freáticos e possibilitar que por meio da irrigação as comunidades possam produzir alimentos para suas sobrevivências e para comercializarem no mercado, a fim de melhorarem suas condições de vida. Isso pode evitar o deslocamento de populações, já que a escassez hídrica é uma das principais razões para o imenso fluxo migratório que atinge principalmente a África.
- E, para além dessas questões, existem outros aspectos que tem relevância, e que não são  de menor importância. A ausência do Estado em todas as circunstâncias, mas o mais grave é ver uma escola em uma comunidade paupérrima sem ser gratuita, com os pais tendo que pagar para seus filhos estudarem em meio a uma condição de absoluta dificuldade. 
Penso que esse filme, cuja história se passa no começo deste século, nos dá muitas possibilidades de discutir temas que são candentes nos dias de hoje e absolutamente necessários compreendê-los para que tenhamos a compreensão das desigualdades que afetam os diversos países e continentes.
Na parte técnica, a direção do filme e o desempenho dos atores é algo que eu também destacaria. Suas atuações transmitem um sentimento de revolta e frustração diante de uma realidade tão sofrida e tão sombria. E nos emociona ao ver o resultado como consequência da resiliência e na certeza que pode sim, haver soluções para todas as situações, mesmo as que se apresentam como desesperadoras. O conhecimento é a ferramenta para as transformações sociais, mas o papel do Estado é imprescindível.

Ficha Técnica do filme (Disponível no Netflix):
Título no Brasil - O Menino Que Descobriu o Vento
Título original - The Boy Who Harnessed the Wind (2019)
Gênero(s) - Drama Biografia
Roteirista: Chiwetel Ejiofor

Um comentário:

  1. Romualdo,
    Sensacional a sua avaliação. Eu e Graça acabamos de assistir. Um forte abraço camarada.

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