segunda-feira, 10 de setembro de 2018

UM PAÍS À DERIVA: QUE TEMPO É ESSE? PARA ONDE ESTAMOS INDO?


O Grito de Edvard Munch.
Obra expressionista
Não podemos achar que vivemos em uma ilha, onde as coisas acontecem independentemente da realidade que reflete os fatos que se sucedem no mundo. Evidente que não. O que nos afeta é consequência de transformações que foram geradas pelo fracasso daquilo que se convencionou chamar de globalização. E das políticas neoliberais que formaram as condições necessárias para que tais políticas fossem implementadas.
Fracassados os modelos tentados por essa onda de desregulamentação e destruição dos Estados o mundo se depara com uma crise, que não advém de 2008 como muitos possam imaginar. Ela é um processo cíclico que se inicia, se é que há um início ali, na década de 1970. Mas somente na década de 1990 as soluções desejadas pelo capitalismo conseguiram ser plantadas, como decorrência da decadência dos países que seguiam pelo socialismo, e em especial a União Soviética.
Passou-se a um ambiente de absoluta ausência de regulamentações, a não ser aquelas definidas por um ente abstrato, erigido à condição de sujeito: o mercado. Naturalmente isso significa dizer que não havia nenhum tipo de regulação. Em termos, claro. Porque muitos países se aproveitaram dessas circunstâncias, se incluíram no mundo globalizado sem abdicar de ter o Estado como instrumento necessário para transformar o desenvolvimento econômico e social em algo mais palatável em relação à sociedade. Ou seja, sem o Estado como instrumento regulador as classes sociais mais baixas estariam entregues a um sistema claramente marcado pela selvageria da lei do mais forte. E assim ocorreu, em muitos casos. Em outros não. E para onde foi o mundo quase ao final da segunda década do século XXI?
Essa lógica foi desastrosa. Sob diversos aspectos. No econômico levou a uma poder descontrolado das corporações, principalmente aquelas que estão na ponta dos conglomerados: os bancos. A concentração de riquezas chegou a níveis escandalosos. Houve um processo de saneamento das empresas, motivado pela lógica inerente ao sistema capitalista, da necessidade de lucros, levando a uma escalada de desempregos por diversos países, principalmente aqueles que se encontravam em fortes conflitos, seja guerras com inimigos externos, seja por desestabilizações políticas internas, acrescidos das ações de agentes que executavam a chamada “guerra híbrida”.
Para tornar a situação mais complexa o capitalismo, como é comum acontecer diante do agravamento de suas crises crônicas, cíclicas, busca um processo de reestruturação, acelerando transformações tecnológicas cada vez mais sofisticadas, por meio da robotização acentuada e da inteligência artificial. Naturalmente isso garante maior lucratividade para empresas e a redução do uso de mão de obra humana, alimentando uma crise social de proporções crescentes, trazendo junto com isso desemprego, mais problemas sociais, uma juventude cooptada pela criminalidade, desestruturação familiar, intolerância, ódio e xenofobia.
Por outro lado, governos conservadores, alguns alçados à condição de dirigentes por meio de golpes institucionais, programam medidas austeras em relação aos gastos do Estado, prejudicando as camadas mais baixas, ao mesmo tempo em que seguem mantendo subsídios às grandes empresas, ou as beneficiando por meio de isenções fiscais e garantia de infraestruturas para seus aportes e instalações.
No Brasil não foi diferente. As circunstâncias de uma situação política que levou o país a uma forte crise fiscal serviu de pretexto para a derrubada em 2016 de um governo eleito legitimamente, mediante acusações nitidamente farsescas, embora com a anuência de um judiciário carregado de mágoas por causa de decisões que feriram seus interesses corporativos.
A crise política, econômica e institucional se agravou ao longo dos anos seguintes, e deixou numa situação caótica o quadro político e social brasileiro. Um governo incompetente e imoral, completamente distanciado dos interesses da Nação, até porque não foi eleito democraticamente, adotou medidas que sufocaram mais ainda os trabalhadores e empurrou o país para uma das maiores recessões de sua história. Mas o aspecto moral foi o que mais se deteriorou, potencializado pelo crescimento da criminalidade, da insegurança, da violência e do discurso que projeta mais um sentimento de vingança do que a sensação que a justiça prevalecerá. Um vale-tudo se instalou no país disseminado por fake-news nas redes sociais que toma proporções parecidas com o que aconteceu nas eleições dos EUA e no plebiscito do Brexit na Inglaterra.
Inquisição medieval
Nesse quadro a sociedade vive a expectativa de um processo eleitoral. Numa conjuntura em que a população se vê perdida diante dessa manipulação de fatos e da utilização dos mecanismos que foram adotados em outros países, da falsificação da verdade e de informações distorcidas, aliado à perseguição comandada por um Ministério Público de uma parcialidade irritante, embora reforçado por comportamentos semelhantes do judiciário.
Assim, tudo é feito, até por meios desleais no âmbito de uma justiça que se desmoraliza, aprofundando a sensação de parcialidade explícita para que o poder político não retorne às mãos dos partidos de esquerda. À medida que os principais candidatos dos segmentos conservadores não conseguem deslanchar, destaca-se como representante do ódio alimentado ao longo desse tempo, um candidato da extrema-direita. Como característica desses perfis de candidaturas por todas as partes do mundo, seu discurso é baseado na intolerância, na descriminação ao outro sem respeito às diferenças e na alimentação do ódio, sob todos os aspectos. Um discurso que pode ser caracterizado sem erro de neonazista. Paradoxalmente, ao tempo em que professa esse sentimento intolerante, alicerça-se em crenças evangélicas, cristãs, e diz falar em nome de deus.
Cenas da Inquisção
Mas, porque esse indivíduo chegou a essa situação? Basta olharmos para a história e veremos muitos trágicos exemplos de como uma população fica refém de discursos de ódio, na medida em que perde a esperança, não vê perspectivas em curto prazo, principalmente os jovens, e são nesse desespero capturados pelo discurso fácil, enganador, manipulador. São conduzidos pelo medo, e pela forma como culturalmente foram sendo constituídos os valores e a ideologia de uma sociedade conservadora.
Submersos em momentos de avanços sociais, como na primeira década deste século, um sentimento conservador se libertou das profundezas, alimentando o medo e iludindo as pessoas com versículos bíblicos escritos há mais de dois mil anos. Seria impossível crer que um discurso de ódio e perversidade encontrasse guaridas em páginas religiosas? Não é bem assim. A história nos levará a outros tempos, e nos veremos diante de fatos por épocas passadas, onde o discurso religioso se tornou instrumento de fascistas, farsantes e até mesmo de fanáticos que levaram centenas de seguidores à morte, ou a tornarem-se, eles próprios, armas contra quem eles sequer jamais chegaram a conhecer. Porque o ódio cega, e o ódio do sectarismo fanático religioso se alimenta da ilusão e da crença de que determinado indivíduo se torna ungido e destacado por deus para libertá-lo das angústias e dos medos. E os que professam desse ódio e desse sentimento perverso, matam e se matam em nome de deus.
Marcha da Família com Deus
Pela Liberdade, em apoio
ao golpe militar - 1964
Numa situação de crise grave, de desemprego que se conta a dezenas de milhões, em que uma juventude se perde na ausência de esperança e de perspectiva, esse discurso farsesco se espalha rapidamente. E, por mais paradoxo que possa parecer, mesmo sendo os que assim propagam como sendo o escolhido, representante das camadas ricas, que defende abertamente a eliminação dos pobres pela execução daqueles que os deveriam proteger, muitos pobres, alienados, e/ou dominados pelas crenças sectárias religiosas, são facilmente convencidos por esses discursos de ódio, por esse ambiente no qual eles vivem e que a crise o aprofunda. Foi assim que surgiram os personagens mais perversos e genocidas da história mundial.
Muito embora isso, no espectro político que define a disputa eleitoral em curso, tem valido mais a disputa do Poder e da projeção partidária desconectada da preocupação com o futuro que nos aflige. Seria de esperar que num quadro assim delineado tivéssemos uma junção de pensamentos, e de partidos, que se opõem a esse perigo eminente de caminharmos para uma fascistização aberta da sociedade. Mas seguimos um enredo já visto no passado, e isso parece não despertar uma sensação de risco, ou talvez venha acompanhado de um sentimento de que uma derrota agora pode ser revertida nas próximas eleições. Provavelmente alguns estrategistas imaginam que da eleição de um desastroso e pérfido projeto levará as pessoas a se arrependerem, e imaginam um fenômeno semelhante ao sebastianismo ocorrido em Portugal, país que viu seu rei perder-se em meio a uma guerra, sem que jamais se soubesse qual foi o seu destino. A expectativa do retorno de um salvador ilude a sociedade e transfere para um futuro incerto um destino que estará sendo definido neste momento.
Podemos dizer que a história julgará aqueles que se omitirem ou manipularem um processo à custa de um jogo perigoso que envolve toda uma nação. Mas ainda temos tempo de alterar o curso dos acontecimentos. Praticamente vai se definindo uma disputa que colocará de um lado uma candidatura nesse perfil aqui analisado, que representará a destruição de tudo que se construiu e que se avançou na sociedade. Agora, a menos de um mês da eleição é preciso recuperar o tempo perdido de forma a garantir uma candidatura de esquerda na contraposição a essa onda de perseguição e intolerância que tomou conta do Brasil. A rejeição a esse projeto reacionário está num patamar bastante elevado, indicando a possibilidade de uma derrota efetiva em um segundo turno das eleições. Temos que ter foco e saber definir bem claramente quem é o alvo a ser derrotado e quais propostas o povo rejeitará nas urnas, porque trariam mais incertezas para o nosso país. Neste momento virar as baterias contra possíveis aliados no segundo turno é uma estupidez. O "fogo amigo" só ajuda o adversário.
Mas o tempo não para. E as pessoas vão se definindo, em meio a uma confusão inédita na história dos processos eleitorais brasileiro.
Não temos tempo a perder. “Nosso suor sagrado, é bem mais belo que esse sangue amargo. E tão sério… temos nosso próprio tempo” (Legião Urbana).

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