segunda-feira, 21 de maio de 2018

SOBRE AS CARACTERÍSTICAS DO NAZISMO - O QUE EXPLICA HAVER "SOCIALISMO" NO NOME DO PARTIDO DE HITLER E AS CONFUSÕES DAS "FAKE NEWS"

Por: Romualdo Pessoa

- O Nazismo foi um movimento de Esquerda?
Negativo. De forma nenhuma. Quem tem alguma dúvida sobre isso desconhece por completo a história. A esquerda, principalmente os comunistas, foram os principais alvos de Hitler logo no começo de sua jornada para consolidar o poder que havia sido conquistado. Naquela época o movimento comunista estava em ascensão, assim como a social-democracia. A divergência entre esses dois segmentos terminou por abrir a possibilidade da ascensão de Hitler, na medida em que, em função de uma crise econômica terrível – consequência da grande depressão mundial da década de 1930 – a população alemã não se sentia protegida pelo governo. Numa situação dessas é normal que sempre surja alguém, ou algum grupo, com um discurso de ódio, duro, sectário e moralista. Assim fez Hitler, somando-se a uma capacidade de oratória que ele tinha. Mas o que garantiu a sua ascensão, além desse quadro político e econômico, foi também o fato de a burguesia não ter, naquele momento, outra opção. Assim o establishment do Estado alemão optou por entregar o poder a quem para eles seria mais confiável. Repito, num quadro em que a esquerda estava em ascensão motivada pela conquista e ampliação do poder na Rússia, então transformada em União Soviética. É bom que se diga que tão logo tomou um poder, e responsabilizar um indivíduo holandês, que seria do Partido Comunista, pelo incêndio do parlamento alemão, Hitler iniciou uma verdadeira caçada a todos os comunistas. Mas nunca houve prova de que isso tivesse sido uma articulação dos comunistas. No entanto, serviu de pretexto para dar início a uma ditadura e botar em prática os planos de Hitler da construção de uma nação de raça pura. Aliás, entre os que eram considerados de raça impura estavam os comunistas, negros, homossexuais, ciganos, pessoas com algum tipo de deficiência, portanto não somente os judeus.
Incêndio do Parlamento Alemão -
Reichstag (1933)
- Porque muitas pessoas na internet costumam espalhar essa informação?
Porque a principal característica das gerações atuais é o desconhecimento da história. Assim fica fácil plantar uma mentira, difundi-la repetidamente e esperar que uns tolos acreditem e compartilhem. Vivemos a época das “Fake News”. As redes sociais se tornaram canais de expressão de ignorância, intolerância e estupidez. Apegam-se ao fato da denominação do partido de Hitler.
- Por que o partido de Hitler tinha "socialismo" no nome?
Porque o socialismo estava em ascensão e o capitalismo em crise profunda, com a grande depressão. O socialismo conquistara corações e mentes nas enormes dimensões russas e na Europa, com o advento da Revolução Bolchevique, e também as próprias experiências em curso nos EUA, para tentar tirar o país da crise econômica, tinham no planejamento do estado socialista os melhores exemplos para isso. O Walfare State, que surge logo depois da guerra bebeu na fonte do socialismo. Agora a denominação do partido, como “Nacional-Socialista, dos trabalhadores alemães” era pura retórica. Da mesma maneira como vemos hoje aqui no Brasil partidos de direita e de centro-direita usarem o nome trabalhista e socialdemocrata. Suas políticas não são voltadas para os trabalhadores, embora suas retóricas enganem com denominações assim. Mas o que define as posições são as defesas de uma sociedade menos desigual econômica e socialmente, mais solidária e com distribuição de riquezas, de forma clara na sua aplicação e não somente no nome ou no discurso. Isso é o que diferencia “direita” de “esquerda”.
- Quais as características que definiam ou não o nazismo como direita ou esquerda?
O nazismo é um regime totalitário, que abomina a democracia e refuta a diversidade. Para as concepções nazistas o que faz as pessoas diferentes do padrão que eles consideram normais, constituem-se em deformidades que precisam ser extirpadas. É um regime que se propunha a atender a uma parcela minoritária da sociedade e a tratar os trabalhadores, principalmente aqueles de origem pobre, africana e asiática, como excrescência. No caso dos judeus haviam outros elementos, além daqueles que fizeram deles párias das sociedades desde a diáspora do mundo antigo por conta das questões religiosas. A Alemanha estava em crise, absolutamente falida e humilhada. A perseguição aos judeus, apesar dos argumentos utilizados que iam nessa direção da questão religiosa, se dava muito pela necessidade de pilhar aqueles que possuíam grandes riquezas. Os judeus eram pessoas bem sucedidas, em sua maioria, em uma sociedade absolutamente falida. Hitler saqueou praticamente toda a riqueza dos judeus e a incorporou ao Tesouro do Estado alemão. Mas, sempre, nazismo e comunismo se opuseram com profundas diferenças. Afirmar que o movimento comunista prega um Estado totalitário é também desconhecer a história desse movimento, que defende, sim, que num primeiro momento haja a conquista do Estado com a centralização do Poder, mas isso se dá pela necessidade de esse Estado atender ao que é essencial, distribuir a riqueza, diminuir as desigualdades sociais e caminhar para uma transição onde ele, o Estado, não seja mais necessário. Claro que ocorreram distorções e problemas nesse percurso, e erros foram cometidos levando a um fracasso nesse objetivo. Mas o nazismo é o oposto, assume a condição de um movimento avesso à democracia popular, menospreza pobres, trabalhadores e mulheres, e sempre teve o apoio da burguesia e das grandes empresas e corporações.
A maior batalha da 2ª Guerra se deu entre
alemães e soviéticos, em Salingrado.
- O que mais as pessoas precisam saber para que essa informação esteja clara?
Conhecer a História. As pessoas não estudam mais como antes. Submetem-se a leituras curtas e rápidas, sem dar importância às fontes, às origens daquelas notícias, não pesquisam para saber se o que está repetindo e compartilhando é verdade ou não e passam a assimilar mentiras como se fosse verdades. E aí, depois que assumem essa condição, de compartilhar inverdades, passa a acreditar fielmente naquilo. Assim seu cérebro vai sendo condicionado e suas posições assumem características radicais e intolerantes. Essa é uma situação que boa parte do mundo vive hoje, e que alguns chamam de “Pós-Verdade”, como sendo uma etapa posterior à “Pós-Modernidade”. A pós-verdade é aquele momento em que as pessoas, diante de condições socioeconômicas e políticas complicadas, e diante de crises inclusive identitárias, passam a ver somente diante de si uma realidade, aquela que ele construiu para si próprio a partir de leituras feitas sem embasamento e que se tornam crenças irredutíveis. Ele não consegue ouvir mais o contraditório, e passa a rejeitar qualquer outra explicação para aquele fato que ele crê como sendo a pura verdade. É um ambiente de intolerância.
Saber lidar com o conhecimento de forma a não ver uma opinião como definitiva, estar aberto para o contraditório, acreditar que as coisas podem ter mudanças positivas a partir do entendimento entre as partes, enfim, ser tolerante em suas posições, ajuda as pessoas a ter uma visão mais clara sobre a realidade. Mas, acima de tudo, olhar para o passado. As pessoas ficam procurando enxergar o futuro, quando ele sequer existe e sua possibilidade depende do presente. Só que a melhor maneira de aprendermos e evitarmos a repetição dos erros, ou pegar bons exemplos para seguir, é mirando-se no passado, conhecendo a história. Como dizia Eduardo Galeano, “A história é um profeta com o olhar voltado para trás. Pelo que foi, e contra o que foi, anuncia o que será”.


(*) Íntegra da entrevista concedida ao à Jornalista Fernanda Kalaoun, do Jornal Diário de Aparecida.

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