GEOPOLÍTICA
DO CERRADO - Participei da Reunião Regional da SBPC na úttima
sexta-feira pela manhã. Uma boa discussão para analisar um
complexo e contraditório problema: “Cerrado: Ciência, Inovação,
Crescimento Econômico, Desenvolvimento Sustentável e Sociedade”.
O evento, muito bem organizado, ocorreu no Instituto Federal
Goiano, Campus de Rio Verde. Minha conferência teve como tema>
GEOPOLÍTICA DO CERRADO: NATUREZA, POLÍTICA E ECONOMIA. Creio ter
deixado mais dúvidas do que certezas. Mas é como estamos
convivendo com essa contradição de nos depararmos com regiões
próspera economicamente, com uma grande concentração de riqueza
e com um desenvolvimento econômico em cidades pujantes cercadas
por áreas produtivas onde antes era o Cerrado. Sem o equilíbrio
ecológico, dependendo de fortes pulverizações de venenos para
eliminar as pragas cujos predadores foram extintos, escasseando a
água, mas dando a dimensão de uma realidade fugidia, que não se
sustenta ambientalmente e pode trazer profundas complicações para
as gerações futuras. A academia está desafiada a contribuir com
os rumos dessa história. Abaixo segue um resumo do que apresentei
em minha exposição. (Romualdo Pessoa)
Nos
últimos anos o mundo se deparou com um desafio, muito além das
preocupações malthusianas, mas que nos força a relembrar das
teorias de Thomas Malthus. A análise que indicava a
impossibilidade da humanidade poder garantir produção de alimentos
para uma população que crescia vertiginosamente, praticamente perde
força quando passamos a conviver com a capacidade tecnológica que o
mundo alcançou ao final do século XX, inclusive na possibilidade de
produzir alimentos nas situações mais adversas. Técnicas de lidar
com o solo, inovações tecnológicas que aceleram o ritmo do plantio
e da colheita, insumos que aumentam a capacidade produtiva, e o
crescimento da indústria química utilizada no combate às pragas
(para o bem ou para o mal, veremos mais adiante), colocaram por terra
boa parte das questões postas por Malthus.
Mas,
por outro lado, há uma lógica que impede essa capacidade
tecnológica de vir suprir a contento a necessidade que existe em
quase todos os continentes, mas principalmente África e Ásia, de
reduzir o número de indivíduos que vivem na mais absoluta miséria
e com boa parte deles, principalmente crianças, morrendo de
desnutrição. Não tem acesso aos alimentos básicos que possam
garantir suas sobrevivências.
Essa
lógica é a maneira como o capitalismo transforma toda essa
capacidade tecnológica em potencial produtivo visando exclusivamente
a ampliação dos lucros. Assim, existe sim, uma enorme
potencialidade decorrente de todas as inovações que revolucionaram
incessantemente os meios de produção, mas toda essa capacidade
termina servindo aos interesses mais gananciosos de acumulação e
concentração de rendas.
Produzir
alimentos, principalmente as chamadas commodities, mercadorias que
tem os seus preços fixados no mercado internacional tem atraído
muitos investidores. Traduzindo em miúdos, são mercadorias,
principalmente minerais e produtos agrícolas, com pouca ou nenhuma
industrialização, consequentemente com baixíssima agregação de
valor, permanentemente monitoradas pelas bolsas de valores.
Esses
produtos agrícolas têm seus preços fixados em dólares em nível
internacional, com uma produção de larga escala, como
característica principal o fato de serem produzidos em grandes
propriedades e quase sempre monoculturas. Seus preços são,
portanto, variáveis não somente em função da cotação do dólar,
moeda padrão de referência internacional, mas também porque
termina também sendo submetidas às oscilações das bolsas de
valores, e, consequentemente, estão sujeitas às manipulações
tradicionais que ocorrem no mercado financeiro. O Brasil tem se
destacado nesse setor, tornando-se a partir deste ano no maior
produtor de Soja, superando os EUA. A soja, assim, soma-se ao café,
suco de laranja, açúcar e carne bovina. ii
Obviamente,
esses mecanismos que movem o sistema capitalista global, não possuem
a menor preocupação em transformar toda a capacidade tecnológica
em investimentos para conter o aumento da fome em várias partes do
mundo, notadamente naquelas citadas. Em alguns lugares, como na
região da Somália e todo o seu entorno, a situação aproxima-se de
uma enorme catástrofe, com milhões de pessoas deslocando-se para
outras regiões e boa parte delas sucumbindo à fome e perdendo suas
vidas nesses trajetos.
Portanto,
o interesse é meramente especulativo, com base na ganância e na
garantia de lucros crescentes, como de resto é a maneira como o
sistema funciona. Isso significa dizer que os investimentos possíveis
de serem feitos obedecem à lógica do mercado mundial, e, portanto,
a crise econômica pode alterar os rumos do capital.
Mas
é sempre bom considerar que o mercado de alimentos é potencialmente
lucrativo, ou, melhor dizendo, das commodities agrícolas, já não
mais somente como produtos que visem atender apenas às necessidades
alimentares da população, mas também porque boa parte deles passa
a se constituir em matéria-prima para produção de energia, como no
caso da cana-de-açúcar (embora o etanol não seja ainda uma
commoditie,
o açúcar o é), o milho e outros que podem passar também a serem
produzidos com esse objetivo. Além de boa parte da produção de
soja atender ao mercado de ração para alimentar o gado que em boa
parte do mundo, principalmente Europa é criado em confinamento.
A
crise econômica, que persiste na maior parte dos países, tende a
ampliar a crise alimentar em algumas partes do mundo, mas a tendência
deve se manter, de os investimentos continuarem sendo feitos naqueles
produtos marcados como commodities porque são os que garantem mais
divisas para os países como o Brasil e possibilitam maiores lucros a
quem investe no mercado de produtos agrícolas. Mesmo que isso
signifique uma crescente concentração de rendas, por serem produtos
de baixo valor agregado. Para o Estado Brasileiro o que mais importa
é o fato de essa atividade ser a principal responsável pelo
superávit na balança comercial.
Como
esse é um espaço com enorme potencial produtivo e com ainda uma
área cultivável imensa a ser explorada, se for desconsiderado, como
tem sido, a importância da biodiversidade, provavelmente poucas
alterações acontecerão em relação ao crescente interesse pela
aquisição de terras em áreas desse bioma, como também na Amazônia
e na região de transição entre o Cerrado e a Caatinga. Essa nova
fronteira agrícola já atende pelo nome de MATOPIBA (Maranhão,
Tocantins, Piauí, e Bahia), que tende a se acelerar quando a
ferrovia Norte-Sul entrar em funcionamento.
A
delineação desse quadro, já em curso, tem levado à aquisição de
grandes quantidades de terras por empresas, e até mesmo governos
estrangeiros, e passa a se constituir em um excelente investimento,
principalmente em regiões de expansão agrícola como o Cerrado.iii
Consequentemente
os impactos que decorrerão
de tudo isso tende a ampliar o processo de degradação ambiental e
de aceleração da devastação desse bioma. Por mais que as
pesquisas desenvolvidas nas Universidades ou ONGs sérias focadas na
enorme contradição presente da expressão “desenvolvimento
sustentável com preservação ambiental”, possa
indicar
todo o rico potencial da biodiversidade do Cerrado, a resposta para
investimentos e o quantitativo de lucro que advirá em atividades
exploradas pelas populações tradicionais, não são suficientes
para se contrapor a essa lógica gananciosa e destrutiva.
Especulação, grilagem de terras e violência, tendem a aumentar,
seguindo uma lógica perversa que afeta há décadas a população da
Amazônia.
Cabe
a todos aqueles que vivem no Cerrado e os que estudam sua riqueza
natural e importância da sua biodiversidade, insistir em apontar os
riscos que isso causa e a possibilidade de futuramente boa parte do
bioma se tornar improdutiva e desertificada. O uso excessivo da água
para irrigação, por exemplo, com a utilização de grandes pivôs
centrais, a esgotarem rios, córregos e lençóis freáticos, é um
bom exemplo dos desatinos que se cometem sem levar em conta os
desgastes inevitáveis desses excessos, como por exemplo, a
salinização do solo.
Acrescente-se
a isso os interesses que estão por trás desse modelo de produção
agrícola. Refiro-me agora às essas disputas exercidas por
corporações gananciosas, e criminosas, que inundam o campo com
produtos químicos responsáveis pela ampliação dos casos de câncer
no Brasil e no mundo. São os agrotóxicos, venenos que eliminam
pragas, mas que trazem junto um efeito perverso e profundamente
destrutivo para as pessoas e todo o meio
ambiente.iv
Agora, que os representantes latifundiários tomaram o Congresso de
assalto, já se discute a mudança da legislação para facilitar a
comercialização desses venenos.v
Essas
corporações, quase todas multinacionais, usam de todos os tipos de
praticas deliquentes para burlar legislações e buscar apoio em
setores políticos conservadores com o intuito de conter proibições
– como ocorre em outros países – mesmo para certos produtos
claramente comprovados como extremamente nocivos à vida humana.
Calcula-se que cada brasileiro, em média, por ano consuma em torno
de 5,2 litros de agrotóxicos, embora existam estudos que apontem
para uma maior quantidade. vi
E
essas Corporações atuam não somente na área de alimentos, como é
de suas características, mas em outros setores geradores de disputas
internacionais e guerras como o petróleo, indústria farmacêutica e
de produtos veterinários. São gigantes que possuem fortes
influências em poderosos Estados, principalmente os de suas origens,
como os Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha etc. Muitas
delas tem seus produtos também fabricados aqui no Brasil, como Basf,
Bayer, Syngenta, DuPont e Monsanto.
Como
defender o Cerrado em um tempo em que todos os olhares gananciosos e
geopolíticos estão voltados para esses imensos chapadões de uma
paisagem que dá uma impressão de pobreza, mas que esconde uma
enorme riqueza? Se todas as transformações que são visíveis nos
Estados centrais, ou do imenso sertão brasileiro, se deram às
custas de grandes investimentos agrícolas, e com isso possibilitou
um forte crescimento econômico, como frear nos dias de hoje a
continuidade de um processo que se agigantou e ameaça a riqueza
natural de um importante bioma?
Esse
é um desafio que se apresenta para todos aqueles que são estudiosos
do Cerrado, mas que compreendem também todo o processo de
desenvolvimento socioeconômico de uma região até pouco tempo
marginalizada. Um progresso também, notadamente conseguido à custa
de uma enorme concentração de riqueza, como decorrência do modelo
agrícola utilizado, que causou outros efeitos colaterais. Um deles,
a expulsão de quase toda uma população rural para as cidades,
potencializando um crescimento desordenado das mesmas e um cinturão
de miséria em suas periferias responsáveis em grande parte pelo
aumento da criminalidade e do consumo de drogas que destrói o futuro
de boa parte da sua juventude e mantém as pessoas refém da
violência e do medo.
Assim,
são as condições criadas pela acelerada penetração em direção
ao heartland
brasileiro, desde a marcha para o Oeste na época varguista, até a
instalação da capital federal, seccionando o território goiano, e
todo o projeto de integração nacional visando o controle
estratégico da grande Amazônia posto em prática por Juscelino
Kubitscheck no final da década de 1950 e consolidada pelos governos
da ditadura militar.
Mas
foi mesmo a revolução tecnológica na agricultura o principal
responsável pela transformação acelerada
de um solo seco em terreno de ótimo potencial produtivo. Aliado à
característica climática sem muitas alterações, dividida em duas
estações, a seca e a chuvosa, propícia à atividade agrícola e à
pecuária.
Desfazer
essa visão do cerrado como meramente um território somente adequado
à instalação do grande agronegócio, e buscar outros caminhos
alternativos de desenvolvimento, que se preocupe com a conservação
da biodiversidade e de outros modelos sustentáveis de produção
agrícola, é a tarefa do momento da universidade, dos pesquisadores
e de todos aqueles que lutam pela exploração democrática e não
destrutiva das riquezas que a natureza possui, em benefício da
maioria e em prol da construção de um mundo com outra compreensão
a respeito da vida.
i
Romualdo Pessoa Campos Filho. Professor do Instituto de Estudos
Socioambientais da UFG, Historiador, Doutor em Geografia,
especialista em Geopolítica Contemporânea, Geopolítica da
Biodiversidade, Geopolítica das Águas. Esse texto é um resumo, atualizado, de alguns artigos já publicados aqui no Blog.
ii
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/05/brasil-assume-lideranca-mundial-na-producao-de-soja-segundo-eua.shtml?loggedpaywall
– Acesso em 10.05.2018
iii
https://fpabramo.org.br/2018/02/22/expansao-do-capital-estrangeiro-no-agronegocio-da-regiao-matopiba/
- Acesso em 14.05.2018
v
https://www.fne.org.br/index.php/todas-as-noticias/4834-fiocruz-lanca-alerta-contra-mudar-lei-do-agrotoxico
– Acesso em 14.05.2018
vi
http://autossustentavel.com/2018/04/brasileiros-7-litros-de-agrotoxicos.html.
Acesso em 30.04.2018
Nenhum comentário:
Postar um comentário