Fiquei um tempo afastado das postagens no Blog, em função de duas seleções de textos que estive fazendo, com o
objetivo de lançar dois livros com artigos aqui já publicados. Mas nesse
período não deixei de estar atento às polêmicas e situações políticas que
afetam o nosso cotidiano. Expressei em alguns momentos nas redes sociais algumas
opiniões, embora bem pontuais, sobre polêmicas que se disseminaram rapidamente.
Situações tornadas mais complexas em função da condição em que estamos vivendo,
com uma radicalidade política que tem feito explodir comportamentos estúpidos e
intolerantes. Contudo, as questões nas quais me senti estimulado a comentar, tem a
ver com o objetivo que me propus a voltar às crônicas neste blog.
Como historiador que analisa as sociedades
com base na dialética percebo que estamos vivendo uma crise estrutural,
sistêmica, consequência do choque de contradições na forma de funcionamento das
relações de produção capitalistas. Em outros tempos, em outras formações sociais,
situações parecidas também aconteceram, levando a transições longas e
dolorosas, porque são situações que intensificam como num efeito dominó,
diversas outras crises por todos os setores da sociedade. Inclusive no
crescimento da violência, da intolerância, do individualismo, do messianismo e
dos atos e gestos tresloucados, individuais ou coletivos. A grande diferença,
comparando-se com outros momentos da história, é a rapidez com que os
acontecimentos chegam ao nosso conhecimento, gerando medo e histeria coletiva
numa intensidade muito maior. Além de existirem atualmente mecanismos de
comunicação que dão vozes a qualquer um, disseminando crenças, boatos e
ampliando a dimensão dos fatos a níveis bem maiores do que os normais. Ou do
que se poderia considerar normais em determinadas circunstâncias. É o que vem
sendo chamado de "pós-verdade". O que nos assusta, para além dos
medos que nos agrilhoam, é saber que noutros tempos as sociedades só
conseguiram sair dessas mesmas crises por meio de grandes guerras. Para confirmar meu olhar dialético, concluo com uma frase atribuída a Karl
Marx, por Vladimir Saflatle (não consegui encontrar a fonte, por isso atribuo a
este): "A situação desesperadora da época na qual vivo me enche de
esperanças". (http://www.ihu.unisinos.br/540154-enfim-o-desespero).
Atenção! Tudo é perigoso.
Acompanhei também, equidistane, a
polêmica em torno do “homem nu no museu”, e a reação conservadora eivada de
intolerância que se seguiu. Considero uma aberração estabelecer censuras a
museus. Nos leva de volta para o passado, em tempos nos quais as liberdades
individuais foram sumariamente suprimidas. A diversidade que se apresenta nos
museus e teatros refletem as diferenças que existem em nossa sociedade. Não é
segredo, não pode ser escondida. Aliás, as camadas pobres já não são
estimuladas a frequentarem e ver um mundo diferente daqueles que eles
habitualmente vêem e vivem, sejam em museus ou em teatros. Portanto, manifesto
apoio a toda e qualquer forma de luta contra mais esse ataque retrógrado às
liberdades.
No entanto eu também tenho minha opinião, e o
que desejo é exatamente essa liberdade de expressá-la. Corpo nu, não é arte pra
mim, nem em museu nem nas páginas da playboy ou outras revistas do gênero, seja
masculina, feminina ou LGBT. É simplesmente um corpo nu, objeto de curiosidades e
desejos numa sociedade em que o hábito é andar com alguma roupa. Isso é tão
estranho quanto o fato de não poder andar de biquinis ou sungas pelas ruas, mas
poder usar e ser visto/a assim nas praias. Tudo questão cultural. De liberdades
outras que se permitem em campos de nudismo, mesmo que com regras. As
performances feitas com corpo nu podem ser feitas com roupas íntimas, de
ceroulas, saias, bermudas ou de qualquer jeito. A arte está nas performances.
Mas essa é a minha opinião. Por isso eu quero ter a liberdade de poder analisar
e opinar, de ver ou de não querer ver. Impor censura nos leva a práticas
ditatoriais e totalitárias. É precedente perigosíssimo, como tantos outros
estão acontecendo. É melhor nos ligarmos no grito contido na música de Caetano:
"Atenção: Tudo é perigoso. Tudo é divino maravilhoso. Atenção para o
refrão. É preciso estar atento e forte..."
(https://www.letras.mus.br/caetano-veloso/44718/)
(https://www.letras.mus.br/caetano-veloso/44718/)
MENTES ESCRAVIZADAS E INTELIGÊNCIA
ARTIFICIAL
Para além dessas polêmicas,
tenho me batido também contra um vício, que para nós professores, tem sido um golpe
mortal na possibilidade de conseguirmos chegar ao final de uma aula com o
prazer de ter cumprido o nosso papel, podendo receber como feed back uma demonstração de interesse por mergulhar em busca e
transmissão do conhecimento. Refiro-me à dependência tecnológica que tem
afetado a juventude, mas não somente esta, como também às pessoas de uma
maneira geral.
E, quando nós professores,
perdemos um bom tempo de nossas aulas, ralhando com alunos e alunas, insistentemente,
para que não usem seus smart-fones em sala de aulas, significa que chegamos a
um ponto de difícil retorno à nossa condição humana.
No livro, “Eu Robô”, escrito em
meados do século XX, Isaac Asimov cria, em ficção, diversas situações que
demonstram os avanços da robótica e o desenvolvimento, até mesmo no campo da
inteligência, de máquinas que substituiriam os humanos. No clássico “Blade
Runner”, de Philip K. Dick (1968), os humanos são substituídos por androides,
chamados replicantes, que gradativamente também vão adquirindo inteligência,
sensibilidade e a capacidade de sentir prazer. Para completar os clássicos,
também Stanley Kubrick avançou nessa direção, praticamente afirmando a
possibilidade de robôs/andróides serem capazes de desenvolverem suas
inteligências, a partir de protótipos criados por corporações. Todos esses
livros ou roteiros foram transpostos com sucesso para o cinema, este último
amplificado por Steven Spielberg (A. I. 2001). A Inteligência Artificial,
elemento presente em todas essas obras de ficção, hoje já ultrapassa essa
condição, e se torna algo objetivamente real, com o desenvolvimento dessa
capacidade em computadores e já também em robôs.
Mas o que tem isso a ver com a
minha decepção em relação ao uso desmedido de smart-fones, inclusive em horário
de aula? Porque isso demonstra que, gradativamente, e de forma mais acentuada
com as mais novas gerações, o cérebro vai aos poucos tendo partes descartadas
por falta de uso, já que não somente isso é um objeto de distração, como vai sendo
substituído pouco a pouco pela “inteligência” artificial. E propositadamente
coloco a expressão entre aspas, porque não se trata, enfim de inteligência que
possa adquirir capacidade crítica, na medida em que cada vez mais o uso desses
aparelhos desvia a atenção da juventude, anestesia sua capacidade de reflexão
de forma mais aprofundada, retira-os implacavelmente do mundo real e contribui
para a disseminação de atos de estupidez e intolerância, na medida em que o
poder de discernimento vai, pouco a pouco, perdendo-se em meio a uma infinidade
de informações mal processadas e não verificadas em suas autenticidades. Com as
devidas e raras exceções.
Claro, os aparelhos são os
transmissores, os equipamentos que permitem a determinados programas cumprir
esses objetivos. As redes sociais disseminam-se celeremente, afetam rapidamente
a rotina e o cotidiano das pessoas. Parecemos cada vez mais com zumbis,
inclusive em plenas vias urbanas e até mesmo no trânsito, absolutamente
distraídos em relação ao mundo real que nos cerca, e completamente absortos em
um mundo virtual, distante e desatento do nosso lócus.
O uso excessivo de smart-fones já
se constitui em um vício. Algo devidamente diagnosticado como uma patologia,
inclusive com tipos de tratamentos semelhantes àquelas pessoas viciadas em
drogas fortes. Naturalmente, como tantos outros vícios, as pessoas não tem essa
percepção. Informam-se, divertem-se, trabalham, leem, estudam, e dessa forma
encontram sempre uma justificativa para o uso exagerado desses aparelhos. Ora,
muitos fazem tudo isso. Confesso que também eu. Mas devemos ter a capacidade de
saber dos nossos limites, ou até onde podemos sucumbir às máquinas. Algo que
aliás, o geógrafo Milton Santos, morto em 2001, já alertava para esse caminho
que a humanidade estava seguindo, em que estávamos sendo dominados pelas
máquinas, ou pelos objetos.
Acredito que o limite disso
tudo chega a um nível perigoso quando as novas gerações trocam o saber pelo
instrumental, o conhecimento pela informação, a objetividade pela
superficialidade, e o real pelo virtual. Ao nos depararmos com jovens que
diante de seus professores, em plena sala de aula e durante a exposição do seu
mestre, prefere acessar esses aparelhos, começamos a nos sentir derrotados
naquilo para o qual dedicamos boa parte de nossas vidas. Já não faz mais
sentido, mesmo que por enquanto ainda não seja uma maioria a fazer isso. Mas se
não impomos restrições essa maioria aparece rapidamente.
Creio que um filme (três, na
verdade) nos possibilita discutir isso com precisão. Mais um desses filmes,
naturalmente. Embora tenha sido produzido atemporalmente. Ou seja, antecipou
uma realidade que veio despontando ano a ano depois de sua produção: a trilogia
Matrix. Talvez esse seja um filme de grande relevância para debater com a nova
geração, mas duvido que consigamos convencer aqueles que já estão numa
dependência doentia na relação com esses aparelhos.
Ademais, e isso é fato, a maneira
como esses aparelhos possibilitam os contatos virtuais, encurtam as distâncias
entre as pessoas, muito embora as distanciem fisicamente, tem possibilitado a
difusão de mentiras, boatos, notícias falsas, “fakes” (que pode ser tudo isso),
e potencializado a disseminação de ódios, preconceitos, intolerância e atos
estúpidos, pois criam condições que encorajam pessoas que não se manifestariam,
e não se manifestam, presencialmente.
São caminhos perigosos que
trilhamos nesse momento de insensatez, visível nos atos e gestos do boquirroto
que assumiu a condição de presidente da maior potência econômica e militar do
planeta, fazendo bom uso dessas tecnologias e desses mecanismos geradores de
estupidez. Sua campanha foi um exemplo de como nossos destinos estão submetidos
às neuroses coletivas provocadas por “verdades” produzidas em laboratórios de
marketings. Somos, cada um de nós, cobaias de novos experimentos que analisam
comportamentos e criam inteligências artificiais mais espertas do que a maioria
dos mortais, entregues que nem zumbis aos deslumbramentos tecnológicos.
Ainda há tempo para adquirir
capacidade crítica, resistir e combater. Um outro mundo é possível! Mas estamos
perdendo batalhas importantes.
Professor Romualdo,
ResponderExcluirO assunto é deveras polêmico e sério. Até onde iremos é difícil saber. Também nao sabemos qual nova evolução tecnológica derivada da atual pode estar surgindo, tão inesperadamente quanto os smart. Realmente estamos absortos neste novo hábito, basicamente de entretenimento, que tem reeducado inclusive gerações dos pais e avôs da geração X e Y. Abraço.
Como sempre, uma ótima reflexão, camarada Romualdo. Mais uma vez parabéns pelo excelente texto. Um forte abraço.
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