Entrevista concedida ao
Jornalista Renato Dias, do Diário da Manhã - Goiânia/GO, em julho de 2017. Uma
tentativa de compreender a instabilidade política, social e econômica no
momento atual. Publicado na edição de 22.07.2017 (https://impresso.dm.com.br/edicao/20170722/pagina/11). Edição integral.
Diário
da Manhã - Michel Temer cai?
Romualdo
Pessoa Campos Filho – É imprevisível. A votação no
Congresso não será baseada em respeito às questões éticas. O jogo é de cartas
marcadas, e o atual presidente, que assumiu o posto por meio de um golpe de estado
jurídico-parlamentar, está fazendo de tudo para comprar votos que o mantenha no
poder. Ele sabe que se perder o cargo será preso. Com esse jogo pesado de
compra de votos, é difícil prever o resultado.
DM
- Qual acusação teria maior peso: corrupção, formação de quadrilha ou obstrução
da Justiça?
Romualdo
Pessoa Campos Filho – Creio que corrupção. Ela é que
dá margem para que tudo a seguir seja feito para manter a estruturas por onde
jorram os recursos ilícitos.
DM - O PSDB desembarca do Governo Federal?
Romualdo
Pessoa Campos Filho – O PSDB ajudou a construir esse
cenário caótico da política brasileira. Apostou no tudo ou nada e agora está
sem saída. Qualquer que seja a posição a tomar já se maculou e está condenado a
carregar nas costas o peso de posturas inconsequentes motivadas pela absoluta
recusa em aceitar o resultado eleitoral. Não lhe restou nenhum patrimônio moral
nesse processo.
DM
- Existem indicadores de recuperação da economia?
Romualdo Pessoa Campos Filho – Absolutamente.
O que acontece é por osmose. Se não tivesse o Michel no comando talvez o
crescimento fosse maior. O país inegavelmente consolidou suas estruturas neste
século, por meio de fortes investimentos estatais, ampliou seu mercado externo
e potencializou o mercado interno. Poderia estar numa situação confortável no
cenário político internacional, se não fosse a mediocridade da política rasa
posta em curso de um lado por quem não aceitava ficar na oposição, e de outro,
por quem tornou essas estruturas viciadas e ampliou a corrupção.
DM
- Rodrigo Maia acalma o mercado?
Romualdo
Pessoa Campos Filho – Se o fizer será por força do
poder da grande mídia. Mas será por pouco tempo. Suas ações seriam na mesma
direção das medidas adotadas por Michel Temer, que ampliará a recessão e trará
mais desemprego e tornará a sociedade inseguro devido ao aumento da violência e
da instabilidade social.
DM
- Qual a sua análise da carta-manifesto divulgada por Aldo Rebelo [PC do B -
SP]?
Romualdo
Pessoa Campos Filho – A meu ver ele reflete uma posição que procura ampliar o
leque de forças que possa ajudar o país a sair da crise. O foco que ele dá é a
necessidade de fortalecer o sentimento nacional e recuperar as condições que
fortaleçam o país. Mas de forma mais ampla do que outros setores apresentam.
Acho que é uma alternativa interessante, só não sei com quem se pode contar no
atual quadro político para ampliar essa aliança. O documento mais se aproxima
da “Carta aos Brasileiros” do primeiro governo Lula, com um foco mais
específico em relação ao papel democrático das forças armadas no processo de
consolidação do poder nacional.
DM
- Qual a sua análise da Reforma Trabalhista aprovada no Senado Federal?
Romualdo
Pessoa Campos Filho – Uma reforma feita por um governo
ilegítimo. Não foi eleito, não apresentou à sociedade uma proposta que pudesse
ser discutida e aceita pela maioria. São medidas tomadas para facilitar a vida
daqueles que controlam a riqueza nesse país e vão de encontro às aspirações dos
trabalhadores. Tornarão mais precárias as condições de trabalho e deixarão os
trabalhadores nas mãos dos donos das empresas. Se não for refeita em curto
prazo gerará muitas revoltas e tornará o clima socialmente instável.
DM
- O que esperar da Reforma da Previdência Social?
Romualdo
Pessoa Campos Filho – Vai na mesma direção. Procura
aplicar doses cavalares ao paciente. O que se propõe, na prática, é acabar com
aposentadoria por tempo de serviço. Um indivíduo irá trabalhar a vida toda e
não irá se aposentar. O déficit da previdência decorre de uma escandalosa
sonegação por parte das empresas, que não repassam ao Estado os valores
devidos. Todo o rompo poderia ser coberto se fossem cobradas essas dívidas.
DM
- Geopolítica: qual a sua análise dos passos de Donald Trump?
Romualdo
Pessoa Campos Filho – O que marca as ações de Trump é
a imprevisibilidade. Não se pode dizer que ele tenha definido uma estratégia
política confiável. Os EUA nunca viveram uma instabilidade política tão grande,
e em tão pouco tempo após uma eleição. Certamente ele procurará tomar atitudes
belicistas para conter a insatisfação interna. Essa tem sido uma medida tomada
por todos os governos estadunidenses sempre que cai sua popularidade. O mundo
poderá passar por momentos tensos, decorrentes da eleição de Trump, mas,
fundamentalmente, como consequência de
uma crise estrutural que não tem saída.
DM
- OS EUA atacarão a Coreia do Norte e a Síria?
Romualdo
Pessoa Campos Filho – Duvido muito que isso ocorra de
forma aberta. Principalmente a Coréia do Norte, pelo potencial nuclear que ela
possui. Mas certamente ações de desestabilizações internas, como tem sido
prática dos EUA nas últimas décadas, deverão acontecer. O grande problema para
o mundo é que a maneira como esses países têm entrado em crise só potencializam
mais ainda problemas estruturais que se espalham por todo o mundo. Os efeitos
colaterais dessas políticas externas inconsequentes tem sido perversos para
todos os países, principalmente os que são mais fracos economicamente. A Síria,
a Libia, o Iêmen, dentre tantos outros, até mesmo a Venezuela, são países
destruídos por meio de ações políticas que os desestabilizaram internamente e
os levaram a guerra ou à instabilidade social.
Romualdo
Pessoa Campos Filho – Creio que isso já vem
acontecendo. Essa teria sido a razão da escolha por Trump como presidente.
Desde sua campanha vê-se uma tentativa de se aproximar da Rússia para tentar
frear a influência que a China tem adquirido por todo o mundo. O grande
equívoco é imaginar que o Putin irá embarcar nessa estratégia. Duvido muito. A
tendência é a China continuar ampliando sua influência e os EUA procurarem
formas de solapar esse processo, o que poderá levar a conflitos sérios não
somente diplomáticos, mas com a possibilidade de enfrentamentos bélicos
localizados no Pacífico.
DM-
Há, hoje, uma onda conservadora em ascensão no mundo contemporâneo?
Romualdo
Pessoa Campos Filho – Sim, como consequência da crise
estrutural. Como pela esquerda as alternativas não são sustentáveis, porque
estão também dentro do mecanismo de funcionamento de um sistema em crise, os
discursos radicais à direita ou a saída por meio de medidas neoliberais (não há
outra para a burguesia mundial) terminam se apresentando como alternativas para
uma população desiludida e desesperançosa. Não são propostas aprovadas por
maiorias. O número dos que estão desistindo de comparecerem nos processos
eleitorais só cresce. Na França a abstenção foi a maior da história, cerca de 57%
das pessoas não compareceram para votar. Essa desilusão, por outro lado, pode
levar a explosões de descontentamentos, principalmente entre a juventude, e as
sociedades viverão momentos de terríveis enfrentamentos entre grupos sociais
distintos. Esse é um sintoma de uma estrutura social em crise, mas que não há
ainda uma luz no final do túnel. A luz que se vê é a de uma locomotiva que se
aproxima e que pode atropelar quem estiver pela frente.
DM
- Qual a sua análise da eleição para reitor na UFG?
Romualdo
Pessoa Campos Filho – Já publiquei também em meu blog
uma análise sobre esse processo. A Universidade mudou muito, em todos os
sentidos, para o bem e para o mal. Cresceu, se fortaleceu, ampliou sua
capacidade de produção científica com o aumento de cursos de pós-graduação, mas
relegou o ensino de graduação à uma posição de inferioridade e se tornou uma
instituição conservadora, fortemente focada no sucesso e na alimentação de egos
e vaidades de grupos. Isso se demonstrou na campanha. Fiz um diagnóstico que se
demonstrou, ao final, correto. A acomodação, o medo de mudar, a aceitação da
normalidade de uma instituição que deveria ser crítica e inquieta, prevaleceu. Mas
fizemos um bom debate, ético e respeitoso. Colocamos os problemas abertamente,
sem preocupação se isso resultaria em voto, era preciso fazer isso, e vamos
continuar fazendo. Não é possível que num momento tão crítico de nosso país, a universidade se feche numa redoma. Não tivemos receio de enfrentar essa discussão, mas quebrar paradigmas não é
fácil. O que a Universidade precisa entender é que a lógica que impulsionou as
mudanças no mundo nas últimas décadas, está em crise, e não encontra saída nos
mecanismos que a impulsionaram. Nós, na universidade, entramos também nessa
lógica, mas há dificuldade de sair disso e perceber que precisamos apontar
saídas inclusive no âmbito das políticas públicas e na identificação de
alternativas a esse sistema. O conhecimento que produzimos só tem importância
se ele se concretizar por meio de saberes que transformem a sociedade. É o
saber que faz com que o conhecimento tenha validade. O conhecimento, pelo
conhecimento, não tem relevância, se esgota em si próprio até ser superado.
DM
– Como você vê a condenação do Lula?
Romualdo
Pessoa Campos Filho - A condenação de Lula neste
momento de destruição dos direitos sociais e trabalhistas, e quando se discute
os crimes de uma quadrilha que deu um golpe na democracia deste pais, tem o
claro objetivo político de desviar a atenção e evitar a revolta da população. É
preciso dizer em bom tom, que tudo isso é parte do mesmo processo que está
jogando o país no buraco e ampliando o fosso que separa os ricos dos pobres.
Nitidamente o que se fez nesse país foi brecar todas as mudanças democráticas e
mudar o rumo do país para atender os interesses de banqueiros, grandes
empresários e latifundiários do agronegócio. A indignação à condenação de Lula
não pode ser passional, ela deve ser uma reação política apontando para a
organização popular a fim de reverter por meios democráticos, ou pela força do
poder das massas populares trabalhadoras, que sentirão duramente as
consequências dessas reformas.
DM
- Projeto de novo livro?
Romualdo
Pessoa Campos Filho – Produzi ao longo dos
últimos anos uma série de artigos que publiquei em meu Blog, Gramática do
Mundo. Estou fazendo uma seleção daqueles que considero mais relevantes e os
colocarei em três sessões: da geopolítica mundial, da conjuntura política
brasileira e de discussão sobre a universidade. Espero neste semestre
publicá-lo. E para o ano seguinte, talvez num pós-doutorado, pretendo dar
continuidade sobre a luta pela terra no Sul do Pará, e completar a trilogia
sobre os conflitos naquela região que tem se acentuado. Agora abordando do ano
2000 até os dias atuais.
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