A Nota da Associação da Polícia Militar[1],
em reação à reportagem sobre a agressão ao estudante da UFG, Mateus Ferreira, apresentada
num programa deste domingo (28/05), é absolutamente irracional. Mostra bem que
aqueles princípios norteadores da militarização das polícias, construídos
durante a ditadura militar, com a criação do SISNI (Sistema Nacional de
Informação), cujo objetivo, seguindo bem a orientação estadunidense incorporada
nas elaborações teóricas do estrategista Nicholas Spykman, visava no âmbito da
guerra fria identificar os inimigos externos e os inimigos internos.
Assim, todos aqueles que ousavam
questionar os valores conservadores estabelecidos pelas políticas dos governos
aliados dos EUA, e aqui no Brasil dominado pelos militares, eram considerados
subversivos, perseguidos, presos, torturados e assassinados. Não se analisavam
o caráter das pessoas, e a justeza de suas causas, mas identificavam naqueles
que não concordavam com o regime desajustados criminosos, que eram
inapelavelmente eliminados. Invertiam-se os valores, e os crimes de tortura e
morte eram justificados como cumprimento aos valores patrióticos. Uma
aberração, que causou mortes de gente inocente, que lutavam por uma causa
justa, por democracia e justiça social.
Passados tantos anos, mesmo décadas
depois do fim da ditadura militar, mantêm-se nas corporações militares aqueles
mesmos valores, pelos quais se identificam nas rebeldias de jovens inquietos e
inconformados com uma sociedade absolutamente desigual e injusta, como
perigosos subversivos e criminosos.
Não estou pregando o comportamento
agressivo e de enfrentamento com forças repressivas, até pelo caráter desigual
do confronto, e por entender que as lutas em curso devem primar pelo equilíbrio
e construção de outra forma de democracia, embora saiba tratar-se de uma tarefa
difícil, pelas reações violentas às lutas democráticas. Também deploro a
destruição do patrimônio público, porque é um patrimônio do povo e construído
por meio de impostos extraídos do suor
da maioria que não sonega. Mas é indefensável usar um argumento de proteção do
patrimônio quando se coloca em risco vidas de jovens, quando se adota uma forma
repressiva nitidamente letal. E percebe-se que no caso em discussão, isso
absolutamente não estava acontecendo, muito menos se identifica Mateus Ferreira
em algum ato de depredação, conforme já mostrado por diversos ângulos no
momento da agressão por ele sofrida.
O papel da polícia militar é de
segurança, de garantias de defesa da segurança da população, primordialmente.
Não pode ser de atentar contra a vida. Embora seja inegável que nas circunstâncias
de uma atividade de risco muitos policiais perdem suas vidas. Evidente que
também é lamentável ver isso ocorrer e deve-se louvar o trabalho daqueles que
se dedicam com afinco a uma profissão que é de proteger o cidadão. Contudo, na
medida em que se confunde um comportamento criminoso, com uma atitude de
rebeldia e insatisfação social, percebe-se uma mudança nos objetivos dessa
instituição, e um retorno à maneira como se procedia nos períodos mais
violentos e antidemocráticos de nosso país, na ditadura militar. Não pode a
democracia ser pior do que uma ditadura, mas no tocante à ação da Polícia
Militar, isso está acontecendo. Por isso podemos questionar: que democracia?
A insistência na defesa desse
comportamento agressivo em ações individuais e coletivas da polícia aponta em
um sério e grave desvio de conduta dessa
corporação, que a afastará cada vez mais do cidadão, que já não tem mais
respeito e sim medo, pela forma como se dá essa relação. E, ao se sentir
protegido nas reações de seus comandos e de suas entidades de classe,
individualmente as atitudes serão desproporcionais, agressivas, violentas e até
mesmo com ações letais que atentam contra a vida das pessoas. Nessa direção, já
não se faz mais distinção no trato entre o criminoso e o cidadão comum, mesmo
que este eventualmente tenha se desviado de sua conduta pacífica.
Perigosamente, marchamos para um modelo de sociedade moldada pelo medo e pelo
militarismo exacerbado.
Urge, portanto, haver uma reflexão
profunda nessa relação, estabelecer formas de treinamento que incorpore valores
humanistas e compreensão sobre a importância dos direitos humanos. A segurança
pública é essencial em uma sociedade fortemente urbanizada, em ambientes que
congregam milhões de pessoas e diante de comportamentos egoístas, gananciosos e
consumistas. Essa relação tem que ser estabelecida a partir de valores
solidários e comunitários, o que não significa deixar de agir com rigor contra
a criminalidade. Mas o que não se pode é identificar em todos ou todas que
porventura sejam críticos das estruturas de poder como marginais ou bandidos.
Por essa razão, muito embora
vivamos nos espaços da universidade diariamente com uma insegurança crescente,
é que nos opomos à presença da Polícia Militar dentro de nossos Campi e
regionais. Sabemos que precisamos de segurança, mas por esses comportamentos a
presença militarizada da segurança incorreria em outras inseguranças, e
certamente em algum momento isso poderia implicar em conflitos, por essa
concepção formativa dos quadros policiais. Mas entendemos ser necessário
encontrar um meio termo. Naturalmente, no entendimento de compreensão que a
juventude é, por essência, rebelde, inquieta e contestadora, e isso é algo
insofismável.
A crítica que fazemos aqui deve ser
absorvida pelos que comandam o Estado e por consequência estabelecem a política
de segurança pública. Para que o foco nos treinamentos dessas corporações seja
o respeito às pessoas e a garantia de segurança para a sociedade. Mesmo que não
se descuide da segurança patrimonial. Mas quando se estabelece como foco
primeiro defender patrimônio, mesmo que à custa de agressões mortíferas contra
as pessoas, isso representa uma decadência de valores e nos encaminha
perigosamente para um tipo de sociedade fria, inconsequente, onde será
impossível distinguir qual tipo de caráter importa defender.
Essas críticas também não podem ser
recebidas de forma rancorosa, como se estivéssemos identificando em cada
policial um inimigo. Não, essa lógica é o alvo de minha crítica de como se dá
no sentido oposto. O que é preciso é assimilar a crítica como uma necessidade
premente de se mudar a forma de tratar a juventude, de como atuar em meio à
multidão, e de como proceder a uma tática defensiva nessas situações, como é
prática em muitos países europeus. Não pode ser jamais uma instituição que
existe para cuidar da segurança das pessoas, a primeira a exacerbar a
violência. Ela deve, primeiramente, conter qualquer tipo de violência. É
plenamente possível fazer isso, sem recorrer a atos que beiram a insensatez e o
sadismo no confronto com os movimentos sociais. E considere-se o fato de que a
forma como parte dessa juventude se prepara para a guerra, ao ir a esses atos,
é consequência do histórico de repressão e de agressividade como a Polícia se
comporta. E quanto mais se radicaliza nessa repressão, mais se amplia o número
daqueles que assim se preparam para o confronto. Isso não interessa aos que
organizam essas manifestações, não contribui para a democracia e aumenta
perigosamente o risco de estarmos diante do estabelecimento de um estado
policial.
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