Tenho insistido há algum tempo
sobre o quadro político e social que tem nos afetado, e à toda sociedade.
Minhas inquietudes ultimamente se concentraram na situação de acomodação da
universidade, ambiente que deveria ser, por excelência, o oposto disso. Mas o
que vemos na universidade é reflexo do que se passa na sociedade.
Nessa circunstância os arautos do
caos despontam por todos os lados, mas carregam consigo uma espécie de maldade,
decorrente de uma visão catastrófica do mundo e da realidade em si. Nesse
ambiente de crise econômica, política e social, as pessoas ficam fragilizadas,
porque, majoritariamente, não conseguem compreender todas as teias que são
responsáveis por construir o tecido social no qual cada um de nós está
envolvido. Muitos veem sua própria realidade como a dimensão do geral, e não a
dimensão do que ocorre no geral influenciando em sua realidade.
Mas essa situação de acomodação não
é fácil de ser revertida. Porque a rotina incrustrada no cotidiano de cada um
impede que percebam que vivemos nossa vida de forma absolutamente repetitiva. Muitos
dos que vivem nessa situação, porque a própria condição de suas atividades
exige, não tem essa percepção e julgam estar dando o melhor de si para cumprir
o que é exigido. Segue-se também a essa forma de se comportar alguns valores
religiosos que lhes movem, pelos quais cada um deve dedicar-se a uma vida
cordata, fazendo sua parte, e assim contribuirá positivamente para tornar o
mundo melhor.
Essa é uma visão absolutamente
individualista e nega peremptoriamente a condição do que seja viver em
comunidade. E talvez essa seja uma das principais condições para a acomodação.
E que poderíamos, em qualquer circunstância, também chamar de alienação social,
pela qual o indivíduo perde a capacidade de perceber que ele, por sua ação,
qualquer que seja, mesmo a imobilização, é fundamental para a formação da
sociedade e até mesmo para a definição da política. Nessa circunstância ele, o
indivíduo, ou ela, a pessoa, passa a aceitar tudo como normal, ou natural ou
divino. A sua imobilidade, ou o fazer individual, conforma, e mantém as coisas
numa direção retilínea e daí podemos falar de um comportamento conservador,
porque passa a ver qualquer mudança como ameaçadora.
É claro que na política, no âmbito
de relações democráticas, isso é aproveitado por quem disputa algum cargo ou
função, cuja decisão esteja atribuída aos que serão dirigidos. Em situações de
crise, como a que vivemos, há sempre uma dúvida atroz entre apostar em algo
novo, o que sempre é visto com indisfarçável desconfiança, ou se definir (de
forma conservadora), pela manutenção de quem possa representar a continuidade
rotineira de sua situação. A acomodação leva ao medo de mudar.
Mas, por outro lado, há também
parcelas significativas da sociedade que assumem postura oposta. E sentem-se
seduzidas por discursos radicais, em muitos casos vazios de conteúdos que
apontem em efetivas mudanças, mas que tocam fundo em revoltas incrustradas,
seja por condições pessoais ou até mesmo por decepções políticas. A aceitação
de tais discursos aleatoriamente, movida por sentimentos muitas vezes egoístas
ou marcado por revanchismos ou mágoas, quase sempre resulta em apostas
arriscadas, porque não se considera que tais decisões são podem ser movidas por
olhares individualizados, com focos específicos em seus interesses
particulares, mas necessariamente deve-se ver como os resultados de tais
escolhas representarão positivamente no conjunto da sociedade ou da comunidade.
Ou seja, a manutenção de uma
situação de normalidade, pelo medo da mudança, pode resultar na impossibilidade
de se verificar erros que são cruciais para corrigir os rumos que tendem a
levar às crises. Até porque isso significa, quase sempre, a concentração de
mais poder naqueles grupos que se mantém à frente de instituições e do Estado.
Isso pode não acontecer se a mudança significar o rompimento com práticas
democráticas e o desvirtuamento de ações em prol do bem coletivo. Porque
resultante em benefícios que sejam direcionados para a solução de desvios que
impedem a justiça social.
A aposta cegamente no discurso
sectário, moralista somente no sentido de se aproveitar das circunstâncias da
insatisfação com denúncias em curso, e não como uma necessidade de mudança
sistêmica nas estruturas que garantem essas práticas, e o objetivo elitista de
atender a uma camada mais instruída, detentora da capacidade de formar a
opinião pública, tende a resvalar para a intolerância, o preconceito, a
xenofobia e a desconfiança com o ouro. Passamos assim a viver em um ambiente de
absoluta fragilidade no âmbito das relações sociais. O tecido social rompe-se,
o individualismo se acentua, a perda da autoridade se amplia e a violência
assume um patamar de difícil controle. Alimentar esse discurso é irresponsável,
e pode levar a sociedade ao caos, e a conflitos que destroem as relações e nos
empurra por caminhos tortuosos.
Mas, nessa situação, em que a
sociedade ou uma comunidade, já esteja submetida a uma situação como a descrita
na maior parte desse artigo, que numa situação de crise ou dificuldade também é
marcada pela desesperança, ou seja, quando a normalidade já assume ares de
patologia, de normose, fazer com que as decisões sejam racionais torna-se bem
mais difícil. A insegurança e a desesperança terminam por conduzir as decisões,
e a capacidade crítica submete-se aos temores e aos medos condicionados pelo
receio da mudança.
Urge sermos persistentes. Essa é
uma situação semelhante à de um indivíduo que entra em um processo depressivo
crônico. Somente com muita dedicação, insistência, convencimento e busca pela
superação, seremos capazes de realizar mudanças que altere os rumos de situação
que nos leva em direção ao abismo. E, se vivemos em estruturas democráticas, a
não alternância pode ser um dos fatores que nos deixam com a sensação de que
nada é possível mudar. Ou, que se mude, mantendo-se os mesmos, para que tudo
continue como está.
Apostar na mudança, no novo, na
novidade, não necessariamente deve ser uma aposta no desconhecido. Mas
acreditando na capacidade de transformações efetivas em direções que nos levem
adiante, de forma segura e que nos inspire confiança. Não podemos ficar presos
ao passado, submetidos a condições em que vivemos em determinadas conjunturas,
na ilusão de que se possam adotar as mesmas práticas em circunstâncias
diferentes. Muito menos pode significar retrocessos, em escolhas por algo ou
alguma proposta que já tenha sido experimentada no passado e que pode
representar retrocesso ou grave anacronismo que pode também exacerbar crises e
reduzir as possibilidades de transformações.
Como diz o saudoso Belchior: “No
presente a mente, o corpo é diferente. E o passado é uma roupa que não nos
serve mais”.
Ótimo texto!
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