Eduardo Galeano, historiador-poeta,
referência para muitos de minha época de estudante, principalmente devido ao livro “As Veias
Abertas da América Latina”, gostava de citar essa frase: “A utopia está lá no
horizonte. Eu sei muito bem que nunca a alcançarei. Se eu caminho dez passos,
ela se afasta dez passos. Quanto mais eu buscá-la, menos eu a encontrarei,
porque ela vai se afastando à medida em que me aproximo. Então para que serve a
utopia? Pois a utopia serve para isso, para nos fazer
caminhar”.
Resolvi escrever esse texto como
uma forma de repensar o meu passado, minha trajetória na Universidade, como um
instrumento a introduzir para boa parte daqueles que o lerem, o que desejo
encarar para os anos que virão. O que convencionamos chamar de futuro. E,
assim, seguirei caminhando, olhando a utopia no horizonte. Luto para não
perdê-la de vista. Não perderei. Não a perdi, mesmo nos momentos mais difíceis
de minha vida, quando tive que lidar com a morte de minha querida filha.
Já escrevi neste Blog, e também nas
páginas do livro “Depois que você partiu”, o quanto a UFG foi importante para
mim naqueles momentos. Mas também em muitos outros. Aqui construí meus sonhos,
forjei minha ideologia, construí um caminho de luta e esperança e finquei meus
pés com firmeza, consciente de que minha história estava escrita nas páginas
dessa universidade. Aqui percorri meus anos de estudante de graduação,
pós-graduação, de professor, de militância estudantil, sindical e de
representação da comunidade científica. Somando-se cada um desses períodos que dediquei
à Universidade me deparo com um tempo considerável: 34 anos. Somente por dois
anos, desde 1980, não estive presente nesses espaços que me fez ser o que sou.
Em 1989 fui para Araguaína, onde por quase dois anos lecionei na Faculdade de
Ciências Humanas e Letras (FACILA), um dos embriões da atual Universidade
Federal do Tocantins. Mas em 1990 retornei, para fazer um mestrado, que concluí
em 1994, com defesa em março de 1995. No mesmo ano entrei como professor
substituto no curso de Geografia, no antigo IQG, e fui efetivado no ano
seguinte.
MINHA INICIALIZAÇÃO. AS PORTAS SE
ABRIRAM, E EU ENTREI.
Mas o que se conta dessa história,
se inicia bem antes, no final dos anos 1970, mais precisamente em 1979. Ano em
que, politicamente, o nosso país dava um passo significativo para a
redemocratização, com o retorno ao país de dezenas de militantes políticos que
estavam exilados pelo enfrentamento com a ditadura militar, outros libertados
da condição de presos políticos, além daqueles que saíam das sombras, pois
tinham seus nomes nas listas de procurados pelos agentes do sistema de
informação e repressão. 1979 foi o ano da anistia. Mas foi também o ano em que
fui aprovado no vestibular de história da UFG.
Depois de tentar acesso ao curso de
Jornalismo, uma paixão que me acompanhava pela facilidade com que sempre lidei
com a escrita e pela leitura, terminei por sucumbir a outra paixão, a história.
As dificuldades eram grandes para quem não frequentava a escola por três anos,
devido à necessidade de trabalhar. O que me ajudou nessa passagem foi
justamente a redação, que passou a ser exigida no vestibular exatamente naquele
ano. Em 1980, portanto, eu entrava na História. Naturalmente não aquela
reivindicada por Getúlio Vargas, mas sim, no curso de História, e me
credenciava como o primeiro da família a ter acesso ao ensino superior. Minha
história na Universidade Federal de Goiás, começa, assim, no ano de 1980,
precisamente no mês de março, quando assisti orgulhosamente a minha primeira
aula. Bem se vê, eu teria um longo caminho pela frente, numa ligação endógena
com essa instituição que passou a completar a minha vida.
 |
Manifestação pela Anistia |
Eu vivia numa quase absoluta
alienação sobre o que acontecia no país, e me lembro de somente ter feito uma
ação que me ligou àquele momento tenso da política brasileira, a qual eu
desconhecia. Foi o fato de ter posto o meu nome num abaixo assinado que era
colhido da população que transitava pela praça Bandeirantes. Passando por ali,
fui convencido da importância daquele ato. Mas o conhecimento do que por aqui
acontecia naqueles tempos só fui saber depois dos primeiros meses como
estudante de História. Meu engajamento foi imediato, e logo me envolvi com o
Centro Acadêmico, sendo eleito no segundo semestre daquele ano como diretor de
Imprensa e Divulgação.
Mas nem tudo era desconhecido para
mim, em termos de realidade social. Eu já carregava comigo nas veias a herança
de ser filho de um ex-vereador, que se elegeu por quatro vezes na cidade de
Alagoinhas, na Bahia e foi preso com o golpe militar de 1964, abandonando a
partir daí a política. Havia, contudo, algo mais, que vai ser definidor de
minhas escolhas ideológicas na universidade. Meu engajamento com a igreja, por
meio das comunidades eclesiais de base e do trabalho com a juventude católica,
me deu a possibilidade de adquirir uma sensibilidade diante das desigualdades
sociais e de conhecer, por meio da Teologia da Libertação, a força das ideias
revolucionárias. Assim tive minha iniciação nas ideias marxistas, mas com uma
forte convicção idealista. “O Caminhar da Igreja com os Oprimidos”, livro de Leonardo
Boff, foi, por assim dizer, o meu catecismo, e pelo qual adquiri o entendimento
necessário para um engajamento nas lutas contra as injustiças e no conhecimento
da complexidade da sociedade, com o conhecimento de que esta se estrutura por
meio de classes sociais que se antagonizam e que dá à uma minoria a condição de
governar o mundo e se impor sobre os pobres. Daí para meu envolvimento com o
marxismo foi um tempo bem curto, e aconteceu naquele mesmo ano de 1980.
 |
Manifestação e prisões em
07/09/1981 em meio a uma
greve nacional dos estudantes. |
Comecei, portanto, a minha história
no movimento estudantil nesse ano, e no ano seguinte organizamos na UFG, em
sintonia com a UNE (União Nacional dos Estudantes), um movimento que irrompeu
por todo o país, culminando na maior greve geral da história das lutas
estudantis. Todas as universidades brasileiras aderiram à greve, e a UFG, após
dezenas de assembleias por cursos e unidades, e uma longa e profunda discussão,
deflagrou a paralisação em uma assembleia de forma avassaladora, com mais de
dois mil estudantes, quase unanimemente apoiando. Por mais de cem dias
sacudimos o país no segundo semestre daquele ano. No dia sete de setembro,
quando decidimos realizar um ato ao final do desfile do sete de setembro e no
momento da agitação por meio de palavras de ordem para sensibilizar a população
que estava presente, fui detido juntamente com outros colegas e jogado no fundo
de um camburão, uma daquelas velhas Veraneios pretas de tristes lembranças.
Levado para o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) fui fichado e em
seguida encaminhado à Polícia Federal, para ser indiciado por atos “subversivos”
e enquadrado na famigerada Lei de Segurança Nacional. Embora em seus últimos
suspiros, a ditadura militar mantinha sua prática costumeira repressora, aliada
aqui a um governo biônico, sem representatividade popular, posto que ainda não
tínhamos retomado o direito livre ao voto. O governo de Goiás era comandado por
Ary Valadão, do PDS, partido que sucedeu a ARENA (Aliança Renovadora Nacional),
da base de sustentação da ditadura militar.
Os anos 80 foram de intensas
mobilizações sociais, estudantis, operárias, dos professores, e de diversos
segmentos que voltaram a se organizar e fortalecer suas lutas. Após as eleições
de 1982, dando início ao processo de redemocratização brasileira, mas ainda sob
a tutela dos militares e sem o direito de escolher o presidente, deu-se início
a uma grande mobilização popular que culminaria em 1984 nos grandiosos comícios
em defesa das eleições diretas para presidente da República.
Paralelo a isso a organização
estudantil se fortalecia a partir de suas bases, os centros acadêmicos, os DCE,
as UEE sendo reconstruídas, e a UNE que voltou com força em 1979. Depois de
entrar no movimento estudantil, com o batismo feito no Congresso da UNE na
cidade de Piracicaba em 1980, e nesse mesmo ano ter me tornado diretor do
Centro Acadêmico, continuei por mais dois anos me destacando no curso de
História, até me tornar presidente nos anos de 1982/1983.
 |
Estudantes pulam catraca de ônibus,
num movimento que durou meses |
Nessa mesma época pudemos
participar de um dos maiores movimentos da história dos estudantes goianos. Por
cerca de três meses levamos adiante um movimento conhecido por “pula catraca”,
quando nos rebelamos contra o aumento das passagens dos ônibus coletivos, ao
mesmo tempo em que protestávamos contra as péssimas qualidades do serviço. Como
de imediato conseguimos um forte apoio dos estudantes, em um momento que as
entidades estavam bem fortalecidas, juntamos essas reivindicações com outra
maior. Passamos a exigir o meio-passe estudantil. Foi uma luta espetacular, com
mobilizações impressionantes, e com grande impacto na sociedade. Embora a
ditadura militar ainda não tivesse sido derrotada, aqui em Goiás o governo que
resistia ao diálogo conosco e evitava ceder na concessão da meia passagem era o
governo eleito na primeira eleição direta para governadores. Íris Rezende,
eleito pelo PMDB, demorou a aceitar nossas reivindicações, além de reprimir
nossa luta de forma implacável. Mas nosso movimento tornou-se cada vez mais
forte, até que após uma grande manifestação onde mais de uma centena de ônibus
foi depredada depois que fechamos todo o entorno da praça Cívica, conseguimos
abrir os canais de negociações e firmar um pacto com o governo, até que fossem
feitos os estudos sobre os impactos que seriam causados pela concessão dos
descontos. Pouco tempo depois foi anunciado um desconto nas passagens para os
estudantes, ainda não era o meio-passe, mas um terço do valor normal. As
entidades aceitaram a proposta, mas continuaram exigindo o meio-passe. Alguns
anos depois isso foi concretizado, a partir de um projeto de lei apresentado
pela vereadora Denise Carvalho, que havia sido presidente do DCE, um projeto
para a concessão do meio-passe.
 |
Luta pelo meio passe na década de 1980.
Manifestação no Campus II |
Depois desse movimento fui incorporar
a diretoria do DCE. Não foi um processo eleitoral, meu nome foi indicado pelo
Conselho de Entidades de Base, porque uma parte da diretoria renunciou, por
discordar da pressão que fazíamos sobre o governo do Estado no movimento pelo
meio-passe. Depois do DCE, onde fui diretor de Imprensa e Divulgação, assumi um
cargo na diretoria da União Estadual dos Estudantes, nessa mesma função. Logo
em seguida, no ano de 1984, fui indicado para a diretoria da União Nacional dos
Estudantes, e me tornei vice-presidente da região Centro-Oeste entre os anos de
1984 a 1986. Naquela época a gestão da UNE era de um ano, mas como decorrência
das mobilizações para aprovar a emenda das eleições diretas, foi aprovada no
conselho da entidade a prorrogação do mandato. Com isso, pude participar como
diretor da UNE de dois momentos históricos: a campanha pelas eleições diretas,
para aprovar a emenda Dante de Oliveira e, logo em seguida, com a derrota dessa
votação no Congresso Nacional, a campanha para eleição de Tancredo Neves, com o
intuito de derrotar o candidato da ditadura militar, Paulo Maluf. Uma tragédia
no meio do caminho, para demonstrar o quanto é difícil conquistar a democracia
no Brasil, levou à morte o presidente eleito Tancredo Neves, e quis o destino
que em seu lugar fosse empossado José Sarney, que formara uma dissidência no
partido do governo, inclusive criando outra legenda (Partido da Frente
Liberal), e que assim se tornara vice-presidente.
 |
Membros da diretoria da UNE
Gestões 1983/1984 e 1984/1986 |
O governo Sarney nascia sob um
manto enorme de desconfiança. Mas exatamente por isso ele precisava transitar
entre todos os setores que apoiaram a frente criada para derrotar a ditadura
militar. Por essa razão, seu governo foi forçado a abrir concessões, de forma a
atender às pressões que se faziam de todos os lados. Em 1985 a UNE conseguiu a
sua legalização, depois de uma campanha intensa e da aprovação de projeto de
lei na Câmara Federal, de autoria do deputado goiano, Aldo Arantes, ele também
ex-presidente da UNE na década de 1960. Eu acompanhei toda a tramitação do
projeto, como vice-presidente da UNE, assim como participei da sanção do
projeto no Palácio do Planalto, em um momento histórico das lutas estudantis.
Uma assembleia constituinte foi aprovada e sua eleição e realização tornaram-se
fundamental para a definição dos novos rumos da democracia brasileira. Muito
embora não fosse a Constituição desejada, os avanços foram significativos, e em
1988 ela foi promulgada, depois de intensos debates e embates, explicitados
pelo acirramento da luta de classes, principalmente devido às discussões sobre
a Reforma Agrária.
COMO MESTRE: O PRAZER, A SATISFAÇÃO
E OS DISSABORES DA VIDA
Em 1988 passei a me dedicar a
finalizar o meu curso. Já estava por quase uma década envolvido com o movimento
estudantil e por esse tempo pude participar de diversos momentos importantes na
história da UFG, como o retorno à democracia com a escolha de reitor feita com
a participação da comunidade universitária, e não mais indicada pelo ministro
da Educação, com a reconstrução das entidades representativas de estudantes,
técnicos e professores, e com a estatuinte universitária, que nos levou a
realizar diversas discussões sobre a necessidade de transformações estruturais
e acadêmicas em nossa universidade.
Logo após minha formatura decidi
que iria ser docente de ensino superior. A oportunidade apareceu bem distante, na
longínqua Araguaína, ainda então como parte do estado de Goiás, mas logo
viraria município do novo estado do Tocantins. E isso aconteceu quase que ao
mesmo tempo da minha chegada para ser professor na Faculdade daquela cidade. A
separação do estado de Goiás, e a criação do novo estado, ocorreu junto com a
promulgação da Constituição de 1988. Em 1989 me tornei professor na FACILA, mas
não por muito tempo, questões políticas me impediram de continuar. Fui
solidário com duas colegas que estavam sendo perseguidas pela direção da
Faculdade.
Após ter me desligado da Faculdade,
resolvi retornar à Goiânia. Mas desta vez não retornei sozinho. Quis o destino
que aparecesse uma forte atração entre mim e uma aluna, e isso se transformou
em namoro e em maio de 1990 em casamento. Essa relação dura há 26 anos,
surgindo dois filhos para completar nossas vidas: Iago, nascido em maio de
1993, quando eu estava fazendo o meu mestrado; e Ana Carolina, nascida em 1997,
um ano depois que me tornei professor efetivo da UFG. Meu filho seguiu os meus
passos, tornou-se estudante de História e logo em seguida foi eleito diretor do
DCE e depois da UNE, assumindo atualmente a diretoria de Assuntos
Institucionais. Mas o destino foi cruel conosco. Ana Carolina faleceu em 2007,
aos dez anos de idade, e sua morte trouxe não somente um vazio em nossas vidas,
como também nos jogou em uma profunda depressão, vencida com muito esforço e
superação, apoiado em solidariedade de amigos e parentes, mas que me deixou
afastado por um tempo. Por alguns anos lutei contra a dor mais terrível que
pode nos atingir, a de perder uma filha.
Em 2007 eu havia também saído da
direção da Adufg. Tinha alguns planos, e um projeto de doutorado preparado. Foi
impossível pensar em qualquer outra coisa, minha luta era comigo mesmo,
suportar um sofrimento imensurável. Escrever se tornou para mim uma catarse,
constituiu-se também em uma terapia. Escrevi diversas crônicas e nelas procurei
expressar todo o meu sentimento, além de relembrar de momentos e fatos
marcantes com minha filha. Essas crônicas estão no livro que publiquei, “Depois
que você partiu”. Dessa forma também surgiu o Blog Gramática do Mundo, e por
ele continuei a expressar meus sentimentos em diversos outras crônicas,
acrescentadas no livro em sua segunda edição. E o blog seguiu em frente,
abordando além de conteúdos intimistas, também textos sobre geopolítica,
política e fatos do cotidiano. Aos poucos, assim, fui me reencontrando com meu
passado e acumulando forças para encarar o presente, agora sem minha filha. Mas
ela seguia sempre ao meu lado, e continua a seguir.
 |
Primeira edição, do livro sobre
a Guerrilha do Araguaia,
publicada pela editora da UFG |
O ano do nascimento da Carol, foi
também do lançamento de meu primeiro livro sobre a Guerrilha do Araguaia. Em
1995 eu defendi minha dissertação de mestrado, obtendo nota máxima, numa época
em que ainda éramos avaliados por nota na pós-graduação. Logo a encaminhei para
a editora da UFG, por recomendação da própria banca, e acrescentei um posfácio
complementando o trabalho, pois ainda retornei à região da minha pesquisa
quando o livro já estava no prelo e já tinha sido aprovado para publicação.
“Guerrilha do Araguaia: A esquerda em armas – 1972-1975” se constituiu no
primeiro livro originado de uma pesquisa acadêmica, sobre um fato por muito
tempo omitido da história. Tornei-me, assim, referencia no assunto. Quando me
senti em condições de retomar minhas atividades acadêmicas, em toda a sua
integridade, e com o apoio de muitos colegas de minha unidade na UFG, resolvi
fazer meu doutorado. Embora inicialmente tivesse mantido o mesmo projeto, já
preparado anteriormente à morte de minha filha, o envolvimento com a temática
da Guerrilha do Araguaia me forçou a substituí-lo e a prosseguir na pesquisa
daquele fato que já ganhava uma enorme dimensão, inclusive com a busca dos
corpos dos guerrilheiros que haviam sido presos, assassinados e seus corpos
escondidos. Minha presença nas expedições que buscavam esses vestígios me
envolviam e isso me fez apresentar um outro projeto. Assim, pude estudar as
consequências da guerrilha, na região em que o conflito aconteceu, e definir
minha tese de doutorado que consegui defender em dezembro de 2013. No ano
seguinte foi publicado o segundo livro sobre a guerrilha, agora como resultado
da defesa da minha tese de doutorado: “Araguaia: Depois da guerrilha, outra
guerra – 1975-2000. A luta pela terra no Sul do Pará, impregnada pela Ideologia
da Segurança Nacional”.
 |
Executiva Nacional dos Grupos PET
em reunião com o ministro
Cristovam Buarque |
Mas meu envolvimento, anterior à
esse período, não se limitou à atuação sindical, em que por duas vezes fui
presidente da Adufg. Depois de minha primeira passagem pela Adufg, e também
tendo sido coordenador de curso, assumi a Tutoria do Grupo PET da Geografia.
Mesmo ainda na condição de Co-Tutor, conduzi o grupo na substituição da Tutora,
que assumira a direção da nossa unidade. Meu envolvimento, como sempre, foi
marcado por uma dedicação a esse programa para além de nossa realidade local.
Logo me tornei um dos tutores mais presentes nas lutas para evitar que esse
programa fosse extinto, como se pretendia na época. Entrei para a Executiva
Nacional dos Grupos PET e, com muita luta, conseguimos barrar um retrocesso que
estava quase iminente e, como resultado, o programa saiu fortalecido, embora
ainda precise de muito aprimoramento e de uma política de expansão, difícil de
ser executada nesse momento com as mudanças conservadoras em curso e a redução
dos investimentos.
A LUTA EM DEFESA DA C&T: A SBPC
E A EXPERIÊNCIA NO ESTADO
Por essa mesma época (2002) assumi
a Secretaria Regional da SBPC pela primeira vez, em evento realizado na UFG.
Naquele momento já estava em curso uma campanha liderada pela ADUFG, que visava
pressionar o governo do Estado a criar a Fundação de Amparo a Pesquisa de
Goiás, e essa se tornou também uma bandeira que incorporamos no período em que
estivemos à frente da Regional da SBPC.
Como consequência dessa atuação,
pelo destaque também conseguido com a visibilidade de todo o movimento em prol
de uma instituição estatal que fomentasse a pesquisa, fui convidado pela então
Secretária de Ciência e Tecnologia, Denise Carvalho, para assumir a
Superintendência de Apoio e Fomento à Pesquisa, uma das mais importantes superintendências
daquela pasta, responsável por definir uma política para a área, no tocante aos
investimentos em pesquisa e inovação. Mas fomos mais além, e nos debruçamos
sobre a necessidade de compreender as potencialidades do Estado em arranjos
produtivos locais, e demos outra dimensão ao trabalho de identificar e
fortalecer as cadeias produtivas, envolvendo nesse trabalho outras secretarias
do Estado. Um dos resultados mais importante de nosso esforço foi a criação da
cadeia produtiva do leite, “Arranjo lácteo da microrregião de São Luís de
Montes Belos”, dentro do “programa 1088 de fomento e apoio à pesquisa e aos
projetos de desenvolvimento em Arranjos Produtivos Locais, Plataformas
Tecnológicas e Agropolo”. Isso gerou também, por meio da Universidade Estadual
de Goiás, a criação de um curso de graduação de Técnicos em Laticínios,
tornando essa região referencia na produção leiteira.
Na Superintendência da SecTec-GO,
prosseguimos na luta pela criação da Fundação de Amparo à Pesquisa, colocada
também como uma das principais bandeiras da Secretaria, em seu planejamento.
Apesar de ficar pouco tempo, e a minha saída se deu por uma escolha pessoal,
essa experiência foi fundamental para compreendermos nossa potencialidade, e a
necessidade de ocuparmos espaços institucionais a fim de vermos nossos melhores
projetos na defesa da educação, da ciência e tecnologia, serem implantados.
Retornei à Universidade, mas me
mantive presente nas lutas, principalmente na defesa da Fapeg. Até porque,
enquanto superintendente, eu cumpri uma função que deveria ser atribuída à uma
fundação de amparo à pesquisa, como já existia na maioria dos Estados. Tanto
que, quando enfim a Fundação foi criada, após cerca de cinco anos de lutas, a
superintendência de fomento e apoio à pesquisa deixou de existir no organograma
da Secretaria. Mas houve um certo maquiavelismo na denominação encontrada para
ela. Muito embora feita por um governo do qual eu havia participado, no segundo
mandato do governador Marconi Perilo, e já na gestão da professora Raquel
Teixeira, com quem sempre estabeleci boas relações e a quem respeito, entendo
que a alteração do nome pelo qual tanto lutamos, embora não fosse a questão
principal, terminou por diminuir uma luta que durou meia década, no esforço
para que Goiás saísse da condição de um dos poucos estados que não possuíam uma
fundação de amparo á pesquisa.
FAPEGO: era esse o nome que criamos
em nossos abaixo-assinados, apoiados pela Adufg e pela SBPC-GO. Mas, ao ter seu
projeto de criação aprovado, virou FAPEG. Tudo bem que foi criada, e isso é o
mais relevante, mas todos os demais órgãos estaduais sempre contiveram a sigla
GO em seu final, não se entende, portanto, a mudança. Isso, sem dúvida deu a impressão
de ser outra entidade e não aquela pela qual tanto lutamos. Mas é inegável, aos
que não negam a história, o papel que tivemos nessa conquista, e, modestamente,
me incluo nesse esforço que significou um enorme avanço para novos
investimentos em ciência, pesquisa e inovação em nosso estado. Torna-se,
contudo, imprescindível lutar para aumentar o percentual orçamentário que lhe é
destinado, e, o mais importante, que esses recursos sejam repassados em forma
de duodécimos, automaticamente a cada mês, a fim de impedir que esses sofram
contingenciamentos sempre que as dificuldades financeiras afetarem os gastos do
Estado.
O RETORNO À ADUFG: DAS LUTAS
SINDICAIS À DOR DE PERDER UMA FILHA
 |
Caravana à Brasília - luta pela aprovação
de projeto que reajustava salários 2006 |
Em 2005, mesmo ano da criação da
Fundação, retornei à direção do Sindicato. E, mais uma vez como presidente da
Adufg pudemos ampliar a influência dessa entidade. Realizamos grandes
mobilizações e as mais importantes, que ocorriam anualmente, foram dentro da
Mostra Multicultural Milton Santos, criada em gestões anteriores. Mantivemos
essas atividades, porque representavam uma forte mobilização na universidade,
saindo do perfil dos eventos tradicionalmente realizados em nosso ambiente. Foi
também um período de intensas discussões sobre o processo de ampliação do
ensino superior, consolidado em abril de 2007, conhecido como REUNI.
Participamos ativamente dessas discussões, e nos debates que diziam respeito
aos interesses dos professores, num processo de discussão de uma reforma
universitária que pudesse acompanhar a expansão do ensino superior. Nossa
preocupação era que os professores não ficassem prejudicados com sobrecargas de
trabalhos, e essa foi nossa luta por todo o processo de discussão. Não fomos
contra a reforma nem a expansão, mas adotamos uma posição crítica, por
entendermos que sobrecarregaria, de alguma forma, os professores. Mas conseguimos
também avanços substanciais nas melhorias salariais, embora não as desejadas,
que, nos anos seguinte foram sendo consolidadas com alguns avanços. Algo que
nos tempos atuais e vindouros se apresenta como de arrocho e retrocessos, o que
imporá a necessidade de retomada de muitas discussões e pressões para
garantirmos nossas conquistas.
Como já citei anteriormente, minha
saída da Adufg veio acompanhada de uma tragédia pessoal. Já no mês de junho
daquele fatídico ano, 2007, nos vimos apreensivos com uma internação às pressas
de minha filha, Ana Carolina, de dez anos de idade. Por dez dias de internação
estivemos sob tensão, sem que um diagnóstico preciso tivesse identificado sua
doença, embora, mal preparados, alguns médicos nos faziam acreditar em virose
ou pneumonia. Sua recuperação foi lenta e cercada de preocupação e
acompanhamento médico. Sua fragilidade, embora não fosse visível aparecia em
situações estranhas e nos fazia às vezes pensar em alguma coisa pior. Quando um
abatimento tomou conta de seu corpo, no mês de dezembro daquele ano, e tivemos
que correr atrás de algum especialista que identificasse o problema, o tempo
encurtou para sua vida. Rapidamente foi necessário interná-la, e três dias
depois ela entrou numa UTI para não mais sair com vida. Foi o tempo em que o
diagnóstico identificou uma leucemia, de tipo raro para criança, e por isso
agiu de forma fulminante.
 |
Foto tirada na sede da Adufg
2007. |
Não há força positiva no mundo
capaz de manter em pé um pai ou mãe que perde um filho ou filha. Reagimos de
forma diferente, pela característica de cada um, mas o baque é muito grande, e
a depressão um caminho quase que natural. Senti o golpe muito fortemente, como
se uma parte de mim tivesse sido extraída, e recompor a vida demandou tempo,
psicanálise, solidariedade e muita amizade. Demorei a me reerguer e
praticamente por cinco anos me afastei de outras atividades que não fosse a
sala de aula, que me confortava, além das viagens que me distraía. Aos poucos,
depois de escrever um livro para ela e criar um Blog pra me aliviar das tensões,
fui me reencontrando. Fortaleci-me com o doutorado, a publicação de outro livro
e a sensação de que a vida, em sua dinâmica natural, nos coloca em desafios
permanentes, e no confronto com a morte nos permite compreender que há algo que
nos move para frente: ela própria, a vida. Para continuá-la devemos ter forças
para superar tais adversidades e seguir em frente. Por meio de uma psicanalista
compreendi que o luto não demora somente um ano, como tradicionalmente e
culturalmente aprendemos desde cedo, mas que eu precisaria lidar com a perda de
minha filha de tal maneira que eu pudesse sentir não mais sua ausência, mas
sempre a sua presença permanentemente comigo. O período em que me abstive de
participar de quaisquer atividades e isso quebrou de certa forma uma
característica de minha presença na universidade, seguia essa compreensão da
psicanálise, e se confirmou com o tempo. A dor, o sentimento de tristeza por
perder uma filha, as saudades, isso sempre nos acompanha, intermitentemente.
Mas aprendemos a conviver com uma realidade, que é insofismável, já não a
tínhamos em vida. Passamos a tê-la sempre, em nossas lembranças, e a suportar e
superar tamanho infortúnio.
Ao mesmo tempo, meu filho seguia um
rumo parecido com o meu, como a alimentar meu orgulho de pai e a vontade de
viver e de me ver nele. Tendo estudado por todo o tempo no Cepae-UFG no
primeiro processo seletivo entrou na UFG, no curso de História. Logo se
destacou como um jovem aguerrido e dedicado à leitura, e entrou no Centro
Acadêmico e em seguida no Diretório Central dos Estudantes. Em pouco tempo
chegou à União Nacional dos Estudantes, e atualmente é diretor de Assuntos
Institucionais da entidade e está matriculado na Universidade de Brasília. Isso
aconteceu porque eu jamais o sufoquei por todo esse tempo de sofrimento
intenso, sempre mantendo mais do que uma relação de pai e filho, mas de amigos.
Isso me fortalecia. Por outro lado, minha esposa, que também passou por todo
esse processo, buscou na criação do Instituto Ana Carol, e depois da
Cooperativa de Bordadeiras – Bordana, o aconchego por onde suportava as
saudades e superava a dor. Duas instituições que surgiram nesse processo e que
hoje tem nela o exemplo de superação.
É difícil fazer um relato da
minha trajetória, e aqui isso acontece para um fim específico, sem deixar de
falar desses momentos, porque eles foram impactantes em minha vida. Mas não me
fizeram ficar prostrados, senão por um período em que procurei me refazer de um
golpe tão duro. E as decisões que tomo hoje são sempre reforçadas pela crença
de que seria isso, certamente, o desejo de minha filha, e, obviamente, a
opinião de meu filho também me é absolutamente relevante.
Superei esse intervalo e busquei me
recolocar na Universidade, porque essa era também uma necessidade, pois a vida
sempre exige de nós um olhar para adiante. E, pela dor, como pela história, o
passado nos alimenta, estimula e nos ensina, podendo nos tornar mais fortes,
diante de determinadas circunstâncias.
O RETORNO À SECRETARIA REGIONAL DA
SBPC E O DOUTORADO
Em 2010 reassumi a Secretaria
Regional da SBPC, Goiás, e voltei a me envolver naquilo que sempre marcou a
minha trajetória por esses anos, a defesa da Universidade e da Ciência e
Tecnologia. Conseguimos realizar atividades importantes, com destaque para o
Fórum de Ciência e Tecnologia no Cerrado, em sua 5ª edição, na cidade de
Anápolis, numa parceria com a Secretaria Municipal de C&T; e também a
publicação de um livro “Cerrados: Perspectivas e olhares”, dentro do Projeto
Ciência explicando Ciência.
A decisão de retomar o projeto de
Doutorado, e a efetivação desse desafio se concretizou no ano de 2010. Essa era
uma necessidade em uma universidade que tornava imperativo o doutoramento. As
circunstâncias e as escolhas me fizeram atrasar por esse caminho, mas não a
ponto de me fazer desistir. Seria também uma oportunidade de me desafiar e
demonstrar cabalmente que meu enfrentamento com a realidade me fortalecera. Dediquei-me
por três anos a esse objetivo e consegui atingi-lo reafirmando meu processo de
superação e me reforçando para novos desafios. Menos de um ano depois consegui
a publicação desse esforço e o livro com a tese que eu defendera foi publicado,
numa sequência da história que eu pesquiso desde o meu mestrado.
Em 2014 fui convidado para ser coordenador
dos grupos PET da UFG, função ligada à Pró-Reitoria de Graduação. O convite foi
um reconhecimento dos tutores dos diversos grupos, do trabalho que desempenhei
à frente da Executiva Nacional dos Grupos PET nos tempos mais difíceis desse
programa. Aceitei essa responsabilidade, e como sempre faço em tudo que assumo,
me dediquei para ir além dos objetivos que a função exigia por aqui. Busquei
contatar outros interlocutores das demais universidades onde o programa estava
implantado, com o intuito de constituirmos um Fórum dos Interlocutores dos
Grupos PET. Mas meu objetivo, e isso eu não havia escondido em nenhum momento,
era me tornar mais uma vez, agora em uma nova realidade, tutor do PET da
Geografia. Quando isso se vislumbrou e antes que outros projetos pudessem ser
concluídos, optei por me afastar da coordenação para concorrer à tutoria.
 |
Homenagem recebida na Câmara
Municipal de Goiânia (entre o reitor
Edward Madureira e o vereador
Fábio Tokarski) * |
Mas, particularmente eu não
esperava que a disputa despertasse tanto interesse. E isso se demonstrou com
uma quantidade inédita de candidatos à tutoria. A partir deste momento me
deparei com uma realidade até então não testada. As novas exigências
curriculares impunha certos pré-requisitos que desconstrói todo o seu passado,
resumindo-o a cinco anos ou menos de existência produtivista. Para quem atingiu
o doutoramento tardiamente, isso era fatal. Pouco valia, em meu currículo, toda
a experiência que adquiri à frente de uma luta que salvou este programa e já
ter composto a executiva nacional dos tutores PET. Importava, fundamentalmente,
o que eu produzira nos últimos três anos. Isso não foi suficiente para me
qualificar, muito embora, de forma intempestiva e marcado pela insatisfação em
ter todo um esforço esquecido, questionei trechos do edital num primeiro
momento o que levou ao seu cancelamento. Desisti, no entanto, quando percebi
que eu estava diante de uma realidade dura, para quem se dedicou por tantos
anos a defender melhorias, avanços e defesa da nossa instituição. O seu tempo,
sua experiência, é relegada às calendas gregas, pouco importa dentro de
critérios puramente produtivistas. Uma perversão de um modelo de universidade
que, embora deva ser absolutamente criteriosa na identificação do esforço do
nosso trabalho, renega a importância de se lutar permanentemente pelo seu
fortalecimento, e que isso possibilita uma inegável experiência aos que assim
se dedicam. E sem esse esforço jamais alcançaríamos nossas conquistas.
Talvez essa seja uma das razões
pelas quais muitos dos nossos colegas, mesmo estando no auge de sua capacidade
intelectual e com experiência que é essencial para transmitir conhecimentos e
influenciar seus alunos, optam por se aposentarem. As pressões que recaem sobre
nós cotidianamente, e nos empurram para situações de estresses, terminam
fazendo com que percamos competências, numa desvalorização precoce. É preciso
que saibamos definir os critérios que identifiquem a nossa capacidade em se
envolver naquilo que nos é exigido, do ensino, da pesquisa e da extensão, e que
aquilo que fazemos seja devidamente registrado, publicado e publicizado. Mas
não devemos descartar competências que acumulam experiências de décadas de
contribuição à nossa universidade e na formação de uma geração, inclusive de futuros
colegas que ou já estão ao nosso lado, ou nos substituirão. A Universidade deve
aprender a valorizar essas experiências, pelo que possuem de capacidade, pelo
que já dedicaram à instituição. Aprender a lidar com uma transição entre o
velho e o novo é fundamental para reforçarmos naqueles que nos sucedem, valores
que incorporam também o sentimento de pertencimento a uma instituição que não é
nossa, é da sociedade, mas à qual dedicamos uma vida inteira, e por isso, pelo
que construímos aqui, devemos aprender a dar o necessário valor. E o respeito
àqueles que lhes legaram conhecimento e princípios fundados na ética e na
valorização do saber.
________________________________
* A homenagem que recebi, juntamente
com outras personalidades, ocorreu, por coincidência, na data em que se completava mais um ano do
falecimento de minha filha. Daí a expressão de emoção pelo momento ainda de
muita angústia e de saudades.