segunda-feira, 6 de outubro de 2014

A DEMOCRACIA, O ANDAR DO CARANGUEJO E A REALEZA NA TERRA DE CEGOS

Uma rápida análise sobre o resultado eleitoral do primeiro turno das eleições deste ano, confirma as preocupações e receios que manifestei em vários artigos desde o famoso junho de 2013. Insisti por várias vezes que a multidão na rua não significava melhoria nos níveis de consciência política. A falta de organização, a violência que se seguiu e a captura do discurso inconformista difuso, por questões muito variadas e sem foco, pela grande mídia, além da repetida política do medo, sustentada por uma estratégia de amplificar o sentimento de insegurança, indicava que o voto conservador prevaleceria nessas eleições. As condições criadas pela presença maciça das pessoas nas ruas, “indignadas”, principalmente jovens, favoreceu aos setores reacionários, desejosos de retroceder em políticas sociais e de retomar o controle do Estado no interesse de uma minoria desejosa por mais lucros e menos investimentos nas camadas pobres. Isso não é análise sociológica, é fato, real, esteve presente nos embates nesse processo eleitoral, muito embora negado para esconder a roupagem conservadora embutida nos programas de governos e indicado nas mentes pouco brilhantes daqueles que coordenaram as campanhas que se opunham às políticas efetivadas pelo governo federal.
Ainda é tempo para mudar. Mas a opção à direita não conduz o nosso país adiante. Ao contrário, imporá um retrocesso para a adoção de políticas do interesse da elite econômica. Essa é a razão das constantes oscilações negativas da bolsa de valores cada vez que a candidata Dilma Roussef ampliava sua diferença dos demais. É a aposta que o “mercado” faz. Mas esse ente abstrato, se concretiza no capital financeiro, que por sua vez, traduz-se nos investidores, especuladores, na burguesia empresarial, financeira e latifundiária.
Diante de um mundo em crise, resultado de políticas neoliberais, e de ações do Estado para salvar grandes investidores e impedir falências de grandes empresas e corporações financeiras, seria um enorme contrassenso, e andar na contramão dos que desejam mudanças positivas, eleger no Brasil um candidato que represente os equívocos de tais políticas, causadoras da grave crise econômica que afeta todo o mundo.
Mas, o que se vê até aqui, com a composição do parlamento brasileiro, é que o voto conservador, escorado no medo, na apologia da violência, na manipulação dos desejos do povo pela grande mídia, foi em parte vitorioso. Não significou, em absoluto, melhorias nos níveis de consciência política do eleitor. Basta proceder a uma radiografia do processo eleitoral, a elaboração de uma geografia do voto, e se terá uma análise concreta disso que concluo nesse texto. E, isso nos mostrará, independente de quem se eleger no segundo turno, que se tornará muito mais difícil a articulação com esse Congresso, mais conservador e reacionário do que antes. E igualmente fisiológico. E será mais improvável aprovar a realização de um plebiscito que venha a propor uma reforma política, que reveja as condições pelas quais o processo político gera distorções na representação parlamentar, comparando-se com a composição da sociedade brasileira.
O povo brasileiro queria mudar. Mudou o parlamento para pior. Como sempre ocorre quando a organização política fracassa e cede espaço para a multidão cega se manifestar. Mas pode ficar pior ainda. Enfim, essa é a democracia capitalista, e ela prevalecerá porquanto o seu processo não significar um questionamento real e contundente das mazelas que esse sistema produz na vida da maioria daqueles que estão inconformados. Mas esses são cegos, porque sem consciência política, tornam-se incapazes de identificar por quais caminhos as mudanças realmente podem acontecer. E, na encruzilhada, e tomados pela cegueira, seguem rumos que os levarão de volta para o passado.
É evidente que nem todos são cegos, mas esses poucos, disfarçados, adotam o discurso da mudança. Confundem a multidão alienada e fazem valer o velho ditado, que diz, que “em terra de cego quem tem um olho é rei”.
A seguir destaquei alguns trechos de alguns artigos que publiquei desde as famosas “jornadas de junho”. Compare-os com a  realidade das urnas nesse primeiro turno:

CADÊ A MULTIDÃO?

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Junho de 2013, manifestações repentinas levaram multidões às ruas. Se imaginou passar o Brasil por profundas transformações. Em alguns artigos eu alertei que pelo mundo adentro situações semelhantes tinham levado ao poder setores conservadores e da extrema direita. Os resultados de multidões sem direção, cegas e reticentes à aceitarem direções e organização, sempre levaram para rumos opostos ao que se pretendiam. Relembro aqui um artigo que escrevi no auge da febre criada pela multidão. Não mudei uma vírgula. O que se vê hoje? qual o quadro se apresenta nas eleições estaduais e nacional? Mudou a política? Mudou a cabeça da população? Ou a mídia conseguiu manipular a multidão? hoje dispersa e sendo representada por um bando de inconsequentes que só conseguiram criar um ambiente de retrocesso democrático no trato com as manifestações. Qual o quadro político se apresentará ao final dessas eleições?

A FÚRIA: O DESPERTAR DA MULTIDÃO, OU A REVOLTA DE UM INCONSCIENTE COLETIVO?

FRAGMENTOS DE UM OLHAR SOBRE A MULTIDÃO
sábado, 22 de junho de 2013
Eu acompanho essas manifestações há mais de dez anos. Claro, ao longe, como estudioso de geopolítica. A maior delas, ou uma das mais importantes, foi em 1999, durante uma reunião da OMC e gerou um filme chamado "A batalha de Seattle". Já escrevi sobre isso no meu blog (http://gramaticadomundo.blogspot.com.br/2011/11/indignados-para-qual-direcao-seguem-as.html). Há diversas demandas, revoltas represadas, reivindicações justas. Mas nada disso será possível de ser mudado sem organização. As vozes das ruas, da multidão, criam motivações, e até mesmo uma empolgação exagerada, principalmente na juventude, cuja adrenalina explode e os empurra com força para o embate. É natural e importante que isso aconteça. Mas o que virá depois disso depende da política (ou da guerra, quando fracassa a política, mas aí sabemos as consequências). A multidão tem sido protagonista desde o final do século XX, com grandes protestos antiglobalização, e depois, com a intensificação da crise, na chamada “primavera Árabe”. Os resultados de tudo isso ainda está por vir, mas nos países onde ocorreram houve retrocesso na condução política. Governos mais conservadores e direitistas foram eleitos, Na Grécia, Itália e Espanha. Ou fundamentalistas religiosos, no caso do Oriente Médio, resultando em menos democracia e no fim do Estado laico e o controle de partes dos países por milícias armadas. Devemos refletir sobre esses momentos, mas nada seguirá bem se a política não funcionar, e já há algum tempo uma massificação da ideia de que tudo está ruim. A grande mídia e os setores conservadores têm insistido nisso, e agora os jornalões da Inglaterra e dos Estados Unidos (lembremos-nos de 1964). Existem coisas que precisam ser melhoradas, mas penso que a possibilidade de piorar não é remota. As raposas estão escondidas, prestes a atacar na surdina, como sempre fazem. O melhor que fazemos nesse momento, para saber de fato o que queremos, é, por um lado apoiar as reivindicações que são justas e não sejam pautadas pela mídia, por outro assistir o filme "A dia que virou 21 anos", documentário que está em cartaz sobre o golpe militar de 1964. Para não precisarmos comprovar o que diz Marx, que "a história se repete, da primeira vez como tragédia, da segunda como farsa".
NÃO HÁ MUDANÇA NOS NÍVEIS DE CONSCIÊNCIA POLÍTICA
Tenho uma forte suspeita de que há uma geração que desaprendeu da política, e outra que desconhece o que ela significa, a sua importância. E, principalmente, desconhece a história desse país. Embora nada disso esteja sendo dito no sentido de generalizar, mas essa é uma realidade na multidão que tem ido ás ruas. Tenho críticas, muitas críticas, a algumas atitudes do governo, principalmente quando cede às pressões conservadoras e da grande mídia. Mas conheço o passado desse país, e espero que ele não se repita. Nem como tragédia, nem como farsa, como diria Karl Marx.
O melhor que se faz é buscar se informar sobre as batalhas políticas em curso, senão todos vão no embalo da rede globo. E é preciso também saber como funciona o sistema político. Muita gente está indo para as ruas sem saber isso. A multidão vai às ruas no embalo, mas a cegueira ainda continua. É necessário pressionar por uma reforma política e conscientizar os cidadãos de que não se pode votar em candidatos por simples amizade, mas pelo seu histórico de lutas. O que se vê é a repetição de um voto conservador, em que se elegem empresários, latifundiários e profissionais liberais sem tradição de participação nas lutas sociais. É a própria sociedade que compõe esses parlamentos. Além disso, as novas gerações precisam saber melhor de como era esse país. Embora a maioria das pessoas esteja certa na necessidade de que é preciso melhorar, e muito. Mas não podemos permitir que as nossas liberdades democráticas sejam ameaçadas e que essa multidão torne-se massa de manobra dos setores reacionários. 

SOBRE MÁSCARAS, VIOLÊNCIAS E O DIREITO DE SE MANIFESTAR

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014
Aliás, já escrevi a respeito da inversão que se faz ao filme “V, de Vingança”. Ali, o personagem se revolta exatamente contra a manipulação feita por quem pretendia um poder forte. A violência se tornou constante, o regime refluiu no combate e o medo, ao tomar conta da população, a jogou para os braços de um ditador, que militarizou o poder estatal. Foi contra isso que “V” se insurgiu.
O que se vê pelos meios de comunicação, destacadamente nas grandes redes é uma ênfase às notícias sobre fatos violentos, e um clamor crescente da população por mais “segurança”, significando isso mais polícia nas ruas. Ou seja, enquanto nas ruas os manifestantes clamam por desmilitarização da polícia, nos bairros, principalmente os periféricos, a população exige mais polícia, para combater o que a mídia aponta como um descontrole do Estado para conter a violência. No que eu identifico como uma “geopolítica do medo” sendo maquiavelicamente implantada.
Embora a violência exista, e esteja vinculada principalmente ao tráfico de drogas, ela não é combatida em sua essência. Nem as críticas que se fazem a ela dão ênfase às contradições que fazem do capitalismo um sistema profundamente injusto e desigual.
Ao não desejarem participar de organizações de caráter político, e abominarem os partidos políticos, mesmo os que se intitulam revolucionários e socialistas ou comunistas, esses manifestantes deixam de analisar a conjuntura política com base em fatos concretos e na realidade objetiva. Novas "realidades" são perversamente construídas por outros setores da política, que se beneficiam com esses comportamentos, o que leva a fortalecer a indústria do medo, e a exigência de governos fortes, militarizados e com uma base de parlamentares mais conservadores.
Não há dúvidas de que há infiltração nessas manifestações. Tanto por organizações políticas, que temem se apresentar abertamente por medo das reações dos “Black blocs” e visam também “recrutar” novos militantes entre aquela juventude, como por setores fascistas, tipos provocadores que desde aquele momento por mim citado anteriormente, na década de 1980, já se infiltravam em nosso meio. Policiais ou não. Por motivos diferentes esses setores objetivam criar os confrontos para gerar desgaste nos governos, de tal forma que os possam debilitar. O uso da violência, no caso, como mecanismo de se contrapor à repressão policial assume um verniz diferente nos dois casos, mas o resultado é desastroso de qualquer jeito. Principalmente quando o personagem culpado desse tipo de ato não é um indivíduo vinculado às forças repressoras, porventura infiltrado. O que dá margem para a mídia conservadora enfatizar no seu discurso de um ambiente dominado pela insegurança e anarquia.
Não tenham dúvidas de que o principal discurso nas próximas campanhas eleitorais será esse. Dominados pelo medo, que cotidianamente entra em suas casas pelos canais de TV, ou pela própria realidade que as cercam, as pessoas tendem a sucumbir à repetição constante desse discurso, e corremos o risco de ver a eleição de um parlamento muito mais conservador do que o atual.
Esse poderá ser o resultado de atos inconsequentes e irresponsáveis, movidos por um voluntarismo tolo, e a demonstração de atos de estupidez como se fossem atitudes libertárias e revolucionárias. Em um novo tipo de ludismo pós-moderno que está mais para os atos de cegueira atestado por José Saramago.

Um comentário:

  1. Professor, não foi profecia mas uma interpretação da dinâmica social e política no Brasil. A geopolítica nos permite essa análise. Os artigos do ano passado já anunciavam a eleição de conservadores, e, agora, o que se observa são eleitores confusos e sem nenhum conhecimento (ou fazem de conta ) do histórico da política brasileira! Por que foram às ruas? Por que reivindicaram? Pra deixar que chegue ao poder um representante da elite brasileira? Apenas numa leitura atenta dos seus artigos é que se pode alcançar as respostas para tais questionamentos. Abraços!!

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