Depois de um longo tempo sem novas
postagens aqui no Blog, me atrevo a escrever uma nova crônica sobre as
transformações que acompanham o nosso cotidiano. Não tenho a pretensão de
abordar tudo, seria demais. Mas vou mirar em dois temas que me parecem ser os
que mais têm estado presente nos noticiários dos grandes meios de comunicação.
O medo e os “rolezinhos”. Como o medo está presente no fenômeno “rolezinho”,
comecemos por este.
Muitas análises sociológicas têm
sido feitas, embora algumas delas tentando encontrar explicações ideológicas
que não estão presentes nesses movimentos. Não são manifestações de protestos.
Não são sequer manifestações. Pelo menos num primeiro momento. Evidentemente
tomaram outro rumo diante da repercussão e do tratamento que lhes foi dado. E
também pelo inusitado e inesperado do próprio fato, já que “ameaça” a
tranquilidade dos templos de consumo capitalista, talvez a mais bem elaborada
forma de atrair consumidores surgida com a globalização.
Diante disso, como tem ocorrido no
Brasil desde a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, estabelece-se de imediato
um paradoxo entre liberdade e intolerância, entre pobreza e riqueza, entre luxo
e miséria. Os que lidam com os meios de comunicação, ou aqueles que produzem
artigos para blogs, como faço aqui, e, principalmente as redes sociais,
compartilham suas e outras opiniões e de imediato o debate espalha-se como um
rastro de pólvora acesa.
As notícias hoje, se espalham em
frações de segundos. Mas, além de notícia, o conhecimento do fato e as reações
a ele, criam novos movimentos por outras partes do país. Isso facilitado pela
padronização que o capitalismo criou em suas formas de atrair consumidores.
Logicamente os mais abastados, os que podem frequentar e gastar nesses
templos. Assim, novos “rolezinhos” se
espalham pelas capitais brasileiras, deixando em polvorosa quem pensou nesses
ambientes como locais seguros e distantes da pobreza.
Mas estamos nos esquecendo de algo.
Quando esses shopings surgiram tornaram-se atrativos para adolescentes de
classe média, então apelidados, sabe-se lá porque, de “mauricinhos” e
‘patricinhas”. Paquerar, se exibir, ostentar roupas com marcas de grifes
famosas, ou simplesmente por falta de melhores opções de onde se juntarem. O
país vivia uma falta de carência de espaços que possibilitassem aglutinar esses
jovens e propiciar diversão com segurança.
Mas o país mudou ao longo desses
anos, melhor dizer nesse novo século. A ampliação da classe média, como
consequência de políticas sociais e de governos com focos diferenciados, se não
melhorou a proporção entre pobres e ricos, cujo fosso permanece enorme, garantiu
com que uma grande quantidade de pessoas ampliasse o percentual daqueles que se
incluem nas camadas médias da população. Ou seja, aquela parcela que tem
condições de consumir produtos anunciados por todo o mundo, marcas de grandes
corporações, apetrechos tecnológicos, e principalmente roupas e tênis de
grifes.
No entanto, consumir esses produtos
não quer dizer, necessariamente, inclusão social. De fato. Os chamados
“emergentes” não são aceitos pela classe média tradicional e pela velha e
arrogante elite brasileira (muito embora esse seja um fenômeno que ocorre
também em outros países). O Brasil passou a conviver com um fenômeno
contraditório, melhorava suas condições socioeconômicas (apesar ainda de muito
distante do desejável), mas se deparava com um ódio de classe impertinente,
incensado por meios de comunicação que viam por terra seus projetos de
manutenção de determinados políticos adequados a esses perfis e a seus
interesses mesquinhos e ideologicamente conservadores.
Por todos esses anos alimentou-se
um sentimento de negatividade diante de conquistas importantes, acentuou-se a
política do medo e o “complexo de vira-latas” que se reproduz em postagens
idiotas nas redes sociais. Apesar dessas melhorias atingirem uma parcela
importante da população a forma como a grande mídia retratou nesses anos o país
e o menosprezo pelos avanços obtidos criava uma sensação, no inconsciente
coletivo, que nada melhorava. Do ponto de vista sociológico isso emperrava a
auto-estima das camadas que melhoravam suas condições de vida. O medo do
endividamento, permanentemente enfocado nos vários noticiários das grandes
redes de TV, mantinha essas pessoas na velha insegurança que sempre lhes
perseguiam. Afastavam-nas, assim, mesmo que inconscientemente, das convivências
com o mundo de cima. Quando alguns, mais eufóricos e ousados, atreviam-se a
romper a fronteira que delimita os campos sociais, eram vistos com desdém e o
perverso preconceito de classe. Tornou-se comum observar os estilos das
pessoas, seus hábitos, jeitos de se vestirem, gostos musicais, e isso, no
dia-a-dia das pessoas, e aí de uma maneira geral, tornou-se piada, gozações,
“zoeiras”, comuns em locais de trabalho, lazer e nas redes sociais. A velha
estratégia de dissimular o preconceito e fazer com que até mesmo as potenciais
vítimas desses preconceitos riam deles próprios.
Estranhamente, até pelas ações de
políticas públicas, passou-se a combater com mais veemência o preconceito
“racial”, assim como cresceu também o combate aos crimes de homofobia. Medidas
importantes foram tomadas para que isso acontecesse, e felizmente tem feito
mudar comportamentos, apesar dos ressentidos direitistas religiosos e fascistas
de todos os tipos, que persistem na intolerância. Mas são cada vez mais em
números reduzidos, apesar do poder que ainda possuem.
Mas o estranhamento se dá pelo fato
de paralelo a isso viesse se fortalecendo o preconceito social, com a ampliação
da barreira existente em determinados ambientes, no caso específico os
“shopping centers”. Muito embora tivessem surgido alguns de “perfis populares”,
onde se vendem efetivamente as mesmas marcas que os mais elitizados. Mas sempre
foi nítida a desconfiança que perseguia principalmente jovens de classes menos
abastadas, que se aventuravam a passear nesses templos luxuosos. Isso inibia
alguns de os frequentarem, somente se arriscando ou com a família ou em pequenos
grupos. Nesse último caso, mantendo-se sobre eles uma vigilância permanente.
Daqui eu pulo para os “rolezinhos”,
cujo significado é dar uma voltinha, passear. Ora, as últimas manifestações
ocorridas no Brasil não podem ser esquecidas quando analisamos esse novo
fenômeno que preocupa os Shoppings, e a burguesia, naturalmente. Juntemos as
duas coisas e o que teremos é o resultado de um verdadeiro “empoderamento” por
parte do que podemos classificar como comunidades de jovens que se reúnem nas
redes sociais. Assim como se espalharam pelo país os vários chamamentos para as
manifestações que mobilizaram principalmente os jovens, por todos os Estados
brasileiros, nas grandes e médias, e até pequenas cidades, o fenômeno se repete
com os “rolezinhos”.
Mas há algo que se disseminou pelas
periferias das grandes cidades. O chamado “funk ostentação”, que se espalhou a
partir do Rio de Janeiro e de São Paulo. Ao contrário do “funk social”, aquele
se caracteriza por aderir ao estilo de vida das elites, e de buscar ostentar os
mesmos produtos de marcas famosas, carros de luxo etc. Os artistas que produzem
as músicas desse estilo e são badalados até mesmo pela burguesia e classe média
alta, conseguem penetrar em ambientes elitizados. Mas os jovens da periferia,
adeptos desse movimento sempre tiveram dificuldades até mesmo de frequentar os
shoppings onde pudessem ostentar ou adquirir esses produtos. Não viveriam como
iguais, mas desejavam se mostrar como tais.
Os mesmos mecanismos adotados para
mobilizar para as manifestações, inclusive dos black blocks, passaram a ser
usados para encher esses templos de consumo, não para combater qualquer tipo de
discriminação ou de preconceito, muito menos para levantarem a bandeira do fim
da propriedade privada e do socialismo. Mas para ocuparem o que é para eles de
direito. Se antes, andar em pequenos grupos os tornavam alvos dos seguranças,
que os monitoravam permanentemente, agora, com os “rolezinhos”, essa sensação
de empoderamento se compara com a força com que essa mesma juventude se
insurgiu contra a violência policial nas manifestações. Assim, encher os
shoppings, mediante a mobilização via rede social os tornaram mais do que
visíveis, deram a eles o poder que é comum quando o ser humano se junta (e
naturalmente sempre acontece descontrole e oportunistas, mesmo se em minoria).
Em se tratando de jovens, ávidos por ocuparem espaços de seus desejos e que
sempre lhes foram negados, a “zoeira” toma uma dimensão incontrolável. Afinal,
onde está escrito que é negado passear com sua turma no shopping?
Como essa pergunta não encontra
resposta, e estando sendo proibidos de “passear”, os rolezinhos, aí sim,
viraram atos de protestos e se disseminam muito mais rapidamente. Como
contê-los? Eis aí uma boa pergunta para ser respondida por aqueles que criam
seus próprios mecanismos de destruição. No século XIX, um impertinente barbudo
já havia alertado para isso. E dizia que o capitalismo seria vítima de suas
próprias contradições.
Vamos dar um rolezinho com um violão de baixo do braço em qualquer esquina eu paro em qualquer botequim eu entro só não podemos entrar em shopping. Bravo. Abraços.
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