Fotomontagem: Célia Regina |
Não sei o que dizer do que será.
Resta-me analisar o que se foi. Assim, na reconstrução do passado, que me pode
dar a compreensão dos erros e acertos do tempo que se foi, posso melhor
inventar o meu futuro. 2014, e o que mais vier.
Repito aqui, os mesmos desejos do ano passado,
pois eles são permanentes, apenas envelhecemos um ano a mais.
Seguramente uma das coisas boas em
minha vida nesses últimos anos foi a força para criar e consolidar este Blog.
Gramática do Mundo, como já disse, um nome quase emprestado de Fernand Braudel
que criou sua Gramática das Civilizações, representou para mim muito mais do
que eu pretendia que se fosse inicialmente. Transformou-se em um fórum de
debate bem provocativo, como sempre fui, e sou, em minha peculiaridade. Através
desse estímulo pude reencontrar minhas forças, me dedicar ao doutorado, e
enfim, concluir mais uma etapa de minha vida profissional. Ter me tornado
doutor, em 2013, foi mais do que uma satisfação, encaro como uma superação,
diante dos anos passados sofridos e dilacerados pelo falecimento de minha
filha.
Por essa razão, ter me dedicado ao
doutorado, produzi pouco para o blog neste ano que passou. Bem menos do que nos
anos anteriores, quando ele se transformou numa catarse a aliviar os meus
tormentos.
Enquanto pude me dedicar ao blog
ele cumpriu esse papel, de fazer com que eu pudesse libertar do fundo da minha
intimidade todos as angústias motivadas pela perda de minha filha, Ana
Carolina. Através do Gramática do Mundo, e tentando ainda fragilmente seguir o
lema da filosofia antiga, exposta inicialmente em um poema de Horácio, no
século I, antes da Era Cristã, com a expressão Carpe Diem, não me preocupo em
viver obcecado com o futuro, mas buscar a compreensão do presente, de forma a
vivê-lo em toda a sua intensidade.
Fotomontagem: Célia Regina |
Essa máxima permanece a guiar as
minhas atitudes e a maneira como concebo a vida. Mas sem jamais querer eliminar
as minhas memórias, as lembranças, mesmo tristes, que me marcaram e me
conduziram ao presente. Bloqueei por algum tempo lembranças trágicas da internação
de minha filha, até o dia fatídico da sua morte. Mas, neste último ano, 2013,
principalmente após a defesa de meu doutorado – talvez algo que ainda eu
devesse a ela – recuperei essas imagens, mesmo que doídas, mas já conseguindo
sentir a sua presença permanentemente ao meu lado, em nossos momentos de
alegrias.
Por isso essa minha mensagem de
transição entre dois momentos simbólicos (2013-2014), construídos seguindo uma
lógica que interessa ao consumismo capitalista, mas que inegavelmente também se
constitui em um momento de confraternização, e de expiação de todos os nossos
problemas, eu quis produzi-la aqui. Transformo, assim, todos os meus seguidores
e eventuais leitores, em personagens de minha vida, com os quais estabeleço
abertamente, por essa ferramenta espetacular que é a internet, momentos de
franca discussão ideológica e intelectual, bem como compartilho todos os meus
sentimentos pela perda irreparável que me consumiu e me consumirá pelo resto da
minha vida.
Continuo recebendo, principalmente
nas minhas postagens mais sofridas, nas datas que mais me lembram da Carol,
mensagens de amigos, e até mesmos de pessoas anônimas para mim, que só conheço
pela internet, e foram e têm sido fundamentais para a recomposição de meu
caminho. São, seguramente, estímulos para a superação das adversidades e me
ajudam a viver a vida como expressado na filosofia antiga, nessa loucura do
mundo moderno.
Isso nos dá também a convicção de
que a solidariedade só precisa ser praticada, porque muito embora tenhamos a
sensação de que vivemos em um mundo cruel, as pessoas, em sua maioria, têm sim,
sensibilidade e expressam ainda isso de várias formas. O velho altruísmo que
salvou a espécie humana em épocas primitivas permanece, ainda que hibernado
pelos tempos individualistas como resquícios do neoliberalismo, e do próprio
capitalismo. Mas em certos momentos ele se manifesta e desperta o lado sensível
dos indivíduos, homens e mulheres.
2013 foi, mais uma vez, um ano de
superação. Mesmo envolto nas leituras e redação de minha tese de doutorado, segui
repensando os comportamentos que me acompanharam por vários anos, e que somente
um choque em nossas vidas é capaz de nos fazer parar para refletir. Embora
agora doutor, seguirei sendo eu mesmo, um pouco melhor da minha “ranzizesse”
privada, apesar de mais velho. Mas isso diz respeito aos defeitos que cada um
de nós possui e compõe a nossa personalidade. Mas adquiri uma capacidade maior
de compreender os dramas e fragilidades da vida humana. Até pela acumulação de
conhecimentos que busquei no estoicismo, somando-os à minha visão de mundo,
baseada na dialética materialista e pela experiência adquirida da vida. E, pela
minha pesquisa, com o contato com o povo simples, humilde e hospitaleiro do Sul
do Pará.
Não sou partidário de princípios
doutrinários, segundo os quais o sacrifício é um fator essencial para que o
sentimento humano se realize. Não temos que, necessariamente, buscarmos o
sofrimento a fim de termos nossos “pecados” expiados. Mas é inegável que ele
nos trás um choque de uma realidade da qual não esperamos experimentar.
Construímos nossos mundos (assim como nossos deuses) de acordo com o que
queremos, e esquecemos que não podemos querer aquilo que é inusitado,
ocasional. O inevitável pode nos trazer surpresas para as quais não nos
preparamos, e da fragilidade de uma vida aparentemente perfeita, desfazem-se
sonhos e ilusões de futuros construídos quase que moldados por fantasias que
nos são impostas por mecanismos exteriores à nossa vontade.
Converso com minha companheira,
Celma, sob óticas diferentes de ver a vida. Ela, sempre otimista, construiu
toda a sua resistência à tragédia que nos abateu, buscando espiritualmente forças
que traduzisse sentimentos de solidariedade e de um pensar positivo que vê ao
longe, além do momento em que estamos, e constrói positivamente um futuro de
esperança. Assim ela vai lidando com os projetos que o Instituto Ana Carol tem
construído e, principalmente o que já se tornou uma realidade consistente, a
Bordana, Cooperativa de Bordadeiras a consolidar essas certezas construídas com
o olhar para adiante.
Não tento desconstruir os sonhos,
mas parto de outra perspectiva. A de que o que imaginamos ser a construção de
um futuro nada mais é do que a realização do presente. Dialeticamente, ele vai
sendo tecido, e termina por concretizar algo que foi pensado. Mas o que seria
desse “futuro” se no presente não tivéssemos construído as bases das mudanças?
Ademais, não há futuro, pois o que idealizamos como sendo isso, ao imaginarmos
tê-lo construído, ele já se torna presente. E, como o tempo não para, em
frações de segundos já se torna passado.
Digo isso para afirmar que são as
realizações do presente que possibilitam aos nossos pensamentos se
concretizarem. Contudo, nada do que se constrói hoje, ou do que se imagina
construir, está livre do acaso. Mas, como não podemos ficar pensando no acaso,
assim como não faz sentido a obsessão pela morte, devemos pensar sempre em
viver toda a intensidade do presente. Abstraindo o egoísmo e o individualismo,
logicamente. Afinal, a nossa vida não se realiza isoladamente. E,
principalmente, procurarmos viver cultivando a honestidade e a solidariedade.
Assim, 2014 se construirá a cada
dia. Por isso, a mensagem que quero passar é a de que cada ano novo só se
completa em seu final, até lá ele simplesmente é a somatória de dias, semanas e
meses. E cada um de seus dias, deve ser vivido em seu tempo, na duração que lhe
foi dada por essa espetacular e indecifrável condição que adjetivamos como
vida. E, ao final, ele soma-se à nossa própria história.
Então, não nos basta pensar no ano
de 2014. E sim na construção dele, a partir da vivência ativa e intensiva de
cada dia, separadamente. Viver um dia por vez, ao invés de nos perdermos em
angústias e desesperos do que fazer depois de amanhã. Isso parece óbvio, mas
estranhamente não é visto dessa maneira.
Mas alguns dirão que isso é utopia.
Que é ilusão se imaginar preso apenas ao que acontecerá a cada dia, na medida
em que isso acarreta um efeito em sequência e, seguindo a própria lógica da
vida, impõe naturalmente o pensamento no que se seguirá.
Isso também é verdade. Mas aí
reside a beleza, a incógnita e o segredo da dialética. A vida em sua mais
perfeita contradição. Pela qual não conseguimos jamais compreendê-la por
completo, nem vivê-la a cada momento. Pois que ela nada mais é do que uma
tridimensionalidade que nos cerca: vivemos o presente, a partir de coisas que
construímos do passado e que seguiremos levando adiante, naquilo que se traduz
como o futuro.
Que 2014 seja assim, então, para
cada um de nós. Cheio de saúde, alegria, amor e fraternidade. Que a
solidariedade jamais deixe de estar conosco cotidianamente, por mais que
tenhamos em nossas ideologias o sentimento de que tudo que está aí deve ser
mudado na construção de um mundo novo.
Tudo bem. Mas as pessoas que vivem
a sofrer, por uma condição de sujeição à lógica irracional deste mundo, têm
direito a superar seus sofrimentos. Não devemos esperar as pessoas morrerem na
miséria para tomar isso como exemplo de que o sistema é injusto. Devemos
condená-lo, mas salvando as pessoas... e não somente as matas, as árvores, os
animais. Somos nós, seres humanos, que damos sentido a este mundo. Embora
contraditoriamente sejamos nós também os responsáveis pela aceleração de sua
destruição. Enfim, devemos lutar pela vida. “Hay que endurecerse, pero sin
perder la ternura jamás” (Che).
Que 2014 inspire solidariedade,
amizade e amor. Que construamos um novo mundo a partir de nossos próprios
exemplos. Que não nos limitemos à crítica, pela crítica, mas que apresentemos
alternativas concretas para realizarmos o sonho das pessoas viverem seus
presentes com dignidade. E façamos isso também com nós mesmos. Que consigamos
viver intensamente cada dia, cada momento, e nos coloquemos um desafio: de a
cada dia que conseguirmos superar, aumentar o número de amigos e amigas que nos
cercam.
Quem sabe assim atingiremos nosso
objetivo de inventar um 2014 que corresponda ao que desejamos para cada um de
nós em particular, e para todos coletivamente.
E o façamos tornar-se realidade.
Carpe diem!
“Tu ne quaesieris, scire nefas,
quem mihi, quem tibi finem di dederint, Leuconoe, nec Babylonios temptaris
numeros. ut melius, quidquid erit, pati. seu pluris hiemes seu tribuit Iuppiter
ultimam, quae nunc oppositis debilitat pumicibus mare Tyrrhenum: sapias, vina
liques et spatio brevi spem longam reseces. dum loquimur, fugerit invida aetas:
carpe diem quam minimum credula postero”.
“Tu não procures - não é lícito
saber - qual sorte a mim qual a ti os deuses tenham dado, Leuconoe, e as
cabalas babiloneses não investigues. Quão melhor é viver aquilo que será, sejam
muitos os invernos que Júpiter te atribuiu, ou seja o último este, que contra a
rocha extenua o Tirreno: sê sábia, filtra o vinho e encurta a esperança, pois a
vida é breve. Enquanto falamos, terá fugido ávido o tempo: Colhe o instante,
sem confiar no amanhã”.
"Odes" (I,,
11.8) do poeta romano Horácio (65 - 8 AC)
(*)
A idéia central desse texto eu construí no final de 2011. Adaptei-o em algumas
partes para torná-lo atual a mais um momento de transição em nossas vidas. Um
feliz ano novo aos leitores e leitoras do blog Gramática do Mundo e aos meus
amigos e amigas do Facebook. Que possamos continuar lutando pela construção de
um mundo melhor. E que em 2014 possamos
avançar muito nessa direção. Um forte abraço.
Prof.
Romualdo Pessoa
Só através da solidariedade poderemos construir um mundo melhor, de paz e fraternidade. Parabéns por suas vitórias em 2013, que elas se repitam em 2014. Bjs Ana Cristina
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