Escaldados pelo resultado da
intervenção da OTAN na Líbia, Rússia e China resolveram endurecer suas posições
e dificultar as tentativas dos EUA e demais aliados ocidentais - com uma forte
propaganda midiática – de repetir a mesma estratégia na Síria. Desde o mês de
fevereiro várias resoluções têm sido apresentadas no Conselho de Segurança e
todas rejeitadas, por não obter unanimidade entre seus membros. Rússia e China
opuseram-se a todas elas, pois poderiam dar o pretexto para uma invasão à
Síria, como ocorreu na Líbia.
Conselho de Segurança da ONU |
Como já abordei aqui em outras
oportunidades, inclusive na 5ª parte de “Crônica de um mundo em transe”
(http://www.gramaticadomundo.com/2012/01/cronica-de-um-mundo-em-transe-5-parte.html),
a Síria é a última pedra de dominó, cuja queda irá possibilitar um cerco ao
Irã, permitindo aos aliados ocidentais atingirem o território daquele país
pelo mediterrâneo. Claro, considerando que o Iraque garantiria passagem para
tropas aliadas atingir fronteiras iranianas (o que não é certo). Há que se
considerar também o fato que é através desse país que a Rússia consegue
monitorar o Mediterrâneo, com a base militar de Tartur, ali instalada, a única
da marinha que ele possui fora de seu território.
Tudo isso decorre também das
dificuldades de se utilizar o estreito de Ormuz, em função também das seguidas
ameaçadas do Irã em fechá-lo, bem como, mesmo que isso não ocorra, pela
facilidade de os mísseis iranianos atingirem embarcações que tentarem utilizar
aquela rota. Há pouco tempo esse país realizou algumas manobras militares,
algumas com mísseis potentes, capazes de atingir Israel e todas as bases
militares dos EUA no Oriente Médio, outras no próprio estreito. Somente este
ano várias manobras militares foram feitas nessa área estratégica para qualquer
conflito ali na região. O objetivo é nitidamente intimidatório, de mandar
recados para EUA e Israel, com o intuito de demonstrar sua capacidade em
suportar qualquer ataque por aquele istmo. Embora isso não signifique poder de
fogo suficiente para conter a ferocidade do império.
Oleodutos tentam reduzir a importância estratégica do estreito de Ormuz |
As notícias de que o governo sírio estaria
atacando a população, repetidas infinitas vezes, constroem a mesma verdade,
seguindo a lógica goelbesiana, que alterou o perfil de Kadafi, de aliado
ocidental, a “um tirano sanguinário assassino de seu próprio povo”. Assim, seu
assassinato foi recebido com naturalidade, e merecimento, em função da
propaganda insidiosa, insistentemente, que o transformou em um monstro cuja
morte tornou-se merecida. É assim que as multidões são preparadas para a
aceitação de assassinatos seletivos e agressões aos direitos humanos.
Pode-se ver em fatos escabrosos
como atentados a bombas, que tem tirado a vida de centenas de pessoas. As
informações são dadas como sendo atos da oposição contra o ditador, quando em
outras circunstâncias seria dito como sendo atentados terroristas. Como sempre,
terroristas são somente aqueles que praticam violência contra os aliados do
império. Da mesma forma, informações não confirmadas, ditas cegamente porque à
distância, dão falsas impressões, e muitas vezes tem como fonte informantes
ligados aos grupos que se encontram em guerra aberta contra o governo, o que
indica claramente uma parcialidade suspeita.
Atentado ao Ministério da Defesa da Síria |
A constatação da parcialidade e
manipulação com que as notícias são dadas sobre a guerra na Síria, não implica
na defesa do regime de Bachar Al Assad. Mas é um alerta sobre as novas
estratégias adotadas pelos EUA, de não intervir diretamente naqueles países
cujos governantes não participam de seu círculo de confiança. As ações de
agentes para insuflar revoltas, a antiga estratégia de contaminar a economia
desses países, a presença dos falcões – assassinos especializados do serviço de
inteligência ligado diretamente ao Pentágono – e, a ciberguerra, que inclui
desde a contaminação com vírus poderosíssimos, até a sofisticação dos aviões
não tripulados, os drones. De forma sutil, mantém-se a velha estratégia de
apoiar golpes de estados, o que já foi tentado em vários países do continente
americano, dando certo em Honduras e mais recentemente no Paraguai, mas
fracassado na Venezuela, na Bolívia e no Equador.
Assim, a mídia prepara a opinião
pública para que o destino de Bashar al-Assad seja semelhante ao de Kadafi e ao
de Sadam Hussein. Mas esconde o que está por trás da insistência, e
seguramente, da ação de agentes infiltrados entre os opositores sírios, em
derrubar aquele regime. Depois do objetivo alcançado, as notícias sobre tais
países caem no esquecimento, e as destruições causadas por essas medidas deixam
de ser manchetes. O resultado da queda da Líbia e da maneira como
internamente tem sido perseguidos antigos aliados de Kadafi, com torturas
e assassinatos seletivos, denunciados pela ONG “Médicos Sem Fronteiras”, que
decidiu, por isso, abandonar o país, deixou de se tornar notícia. Recentemente,
uma eleição faudulenta não foi suficiente para unir o país, nem para forçar
dezenas de grupos paramilitares que recusam-se a entregar suas armas e
controlam partes do território, esfacelando o que antes era uma nação.
Manifestação de apoio ao governo |
Seguindo a mesma estratégia,
somente recentemente as informações tomaram o foco pretendido. Há alguns dias a
grande mídia passou a dizer que havia uma guerra civil na Síria. Ora, esse
conflito já poderia ser considerado guerra civil desde o ano passado (e assim
eu afirmei eu meus artigos). A empulhação de acordos que deveriam ser aceitos
entre partes não passou de “mis-em-scéne”,
pura embromação, a fim de passar para as pessoas desinformadas que assistem
esses noticiários de que haveria uma relutância por parte do regime sírio. Ora,
o cessar-fogo era puro conto da carochinha. Os rebeldes desde o começo estão
sendo armados – e com armas sofisticadas – pelos países ligados à Otan, sob o
comando dos EUA. Boa parte deles composta de mercenários, que atuam desde o
começo das revoltas e outros são grupos que respondem na síria pela franquia da
Al-Quaeda. Além de grupos ligados à irmandade muçulmana, que na Síria adotaram
um comportamento diferente do que tiveram no Egito.
Nos últimos dias, sem que se possa
haver qualquer comprovação, ou exemplo de que algo já tenha acontecido
relacionado ao fato, os meios de comunicação estão noticiando que o governo
sírio “irá” utilizar armas químicas, e já cogitam ação de bombardeios da OTAN
com o intuito de “destruir essas armas”. Descaradamente repetem a mesma
estratégia utilizada para justificar a invasão do Iraque, mesmo se, depois de
centenas de milhares de mortes ocasionadas com a invasão daquele país, nada
tenha sido provado da existência de “armas de destruição de massas”. Agem como
se as pessoas esquecessem facilmente das farsas que se escondem por trás dessas
notícias.
Opositores do regime sírio |
Tal qual ocorreu em relação ao
Iraque, e mais recentemente no caso da Líbia, a mídia cria toda uma preparação,
forjando uma opinião pública que seja favorável a uma nova invasão repassando
informações, não comprovadas, que são obtidas de fontes não confiáveis, pois
são opositores do regime sírio. Mas são nítidas as manipulações das
informações.
Isso que reafirmo aqui nesse artigo
eu já havia escrito em fevereiro, só estou atualizando. Seguramente muitas
ações violentas e repressões brutais estão ocorrendo na Síria há mais de um ano,
são fruto não tão somente de manifestações da população, mas da ação de grupos
opositores armados no que podemos identificar como uma guerra civil ocorrendo naquele país.
Desta feita, com interesses
geopolíticos em jogo, e até em função do radicalismo gerado pelas declarações
da secretária de estado Hilary Clinton, por conta de suspeitas de fraude no
processo eleitoral, a Rússia se recusa a aprovar resoluções que dê o pretexto
para novos ataques da OTAN, como ocorreu na Líbia. E nisso é seguido pela
China, demonstrando que nesse tabuleiro de xadrez já é nitidamente conhecida a
posição de cada uma das peças que compõe o jogo. Os interesses são enormes, e
todos estão ligados á geopolítica do Oriente Médio e tem como objetivo
principal atingir o Irã. Aquilo que é manipulado na informação midiática, e
pouco entendido pelo público, constitui-se na principal batalha disputada em
território sírio, mas também no Conselho de Segurança.
Base russa de Tartur, no Mediterrâneo imagem do Google |
Como a demonstrar as dificuldades
que a Rússia criará para impedir a mesma estratégia utilizada na Líbia, dois de
seus navios, liderados pelo Porta-aviõesAlmirante Kuznetsov, aportaram em sua
base militar no Mediterrâneo, em território Sírio, desde o dia 9 de janeiro
deste ano. Essa é a única base que os russos possuem e que lhes dão certo poder
de manobra no mar Mediterrâneo e facilita contatos com países do Oriente Médio.
Se de um lado torna-se difícil
emplacar qualquer nova Conselho de Segurança que possa abrir caminho para
ataques da OTAN, por outro cresce a impaciência de Israel, que passa a ver
dificuldades para um possível ataque ocidental ao Irã. Caso não se dê
rapidamente a queda do governo Sírio, impossibilitando um cerco seguro ao Irã,
a tendência é que Israel resolva atacar o país persa, acreditando que o tempo
beneficia os iranianos, dando-lhes condições de aperfeiçoar sua capacidade de
lidar com a energia nuclear. O receio de que o país dos Aiatollahs construa
artefatos atômicos, já que possui mísseis com capacidade de deslocá-los a
centenas de quilômetros, tem muito mais a ver com a hegemonia geopolítica
naquela região do que por um possível ato tresloucado de seus dirigentes.
Enfim, é isso que está em jogo. E é
absolutamente abominável, embora compreensível, já que as grandes corporações
da mídia têm também interesses por trás desse conflito, a forma como as
notícias são passadas, repetitivas ad
nausean, tentando formar no meio da opinião pública internacional, as
justificativas que tornariam aceitáveis mais um ato de agressão militar, que
não tem nada a ver com preocupações humanitárias.
Mas é provável que o fim do governo
sírio seja o mesmo dos demais países do Oriente Médio que não sobreviveram às
revoltas populares e as ações de agentes infiltrados em grupos opositores. Recentemente,
em um debate do qual participei, considerei equivocado o título dado a ele:
“Porque o governo da Síria não cai?”. Achei que seria melhor utilizar, “Porque
o governo da Síria demora a cair?”. Isso porque considero que está em jogo um
poder estratégico imprescindível para os interesses do império e dos seus
aliados. A Síria, sob o governo de Bashar al-Assad é um empecilho a esses
objetivos, por suas relações com o Irã e pelo apoio que sempre deu aos palestinos
e aos grupos Hamas e Hebollah. Ademais, talvez seja o regime sírio, a despeito
de todas as críticas, o que melhor garante uma certa liberdade às minorias
étnicas e religiosas dentre todos os demais da região. E essa constatação não
impede de reconhecermos um caráter ditatorial nesse regime, algo não muito
diferente de todos os outros países do Oriente Médio.
Oriente Médio, uma região em permanente disputa |
É possível, sim, que o regime de
Al-Assad não resista. E isso não se deve somente a uma possível organicidade da
oposição, ou de uma rejeição popular ao governo. Mas porque todos os esforços
das potências ocidentais têm sido para fortalecer esses opositores. A
estratégia dos EUA para essa região, desde que começaram as revoltas árabes,
tem sido de se postar ao lado dos revoltosos e municiá-los de armamentos
suficientes para derrubar qualquer governo. Muito embora os regimes anteriores
fossem seus aliados. Além das ações de agentes espiões com a posterior entrada
em ação de aviões não tripulados, seja para ações militares (como assassinatos
seletivos) ou para obter informações sigilosas, com aparelhos que não podem ser
facilmente detectados por radares. A não ser os mais sofisticados.
Mas, caso se concretize a tomada da
Síria pelos rebeldes, com o apoio da OTAN a serviço do império, somente
aumentará mais ainda a instabilidade na região, somando-se mais um estado
caótico, como decorrência das intervenções que se tornaram hábito neste século.
Iraque, Afeganistão, Líbia, Egito, Iêmen, e agora a Síria, deixam de ter
governos títeres, mantendo à força regimes de poucas liberdades políticas, e
passam a conviver com instabilidades decorrentes de governos fracos que mal
conseguem desarmar insurgentes que atuam dominando territórios nas fronteiras
desses países.
As condições para uma nova guerra,
de proporções incalculáveis seguem sendo criadas. Embora seja difícil prever se
isso de fato acontecerá, não resta dúvida que as jogadas políticas caminham
nessa direção, e deixam claro que esse é o objetivo das grandes potências
ocidentais. A Síria não é o alvo final. Assim como a Líbia foi invadida para se
dominar o petróleo daquele país, possibilitando o embargo do petróleo iraniano,
a queda do regime sírio tem como objetivo conter o fortalecimento do Irã, cuja
capacidade de produzir armas nucleares o tornaria praticamente inatingível no
Oriente Médio e o transformaria numa potência regional com condições de
controlar a região detentora das maiores reservas de petróleo do mundo.
Disso tudo podemos dizer que as
informações repassadas pela grande mídia, não passam de grandes mentiras,
versões falsas disparadas a esmo para todo o mundo com o intuito de justificar
ataques seletivos e o contrabando milionário de armamentos para grupos
rebeldes. Como sempre, a guerra se constitui em um grande negócio, mais ainda nesse
momento de profunda crise econômica, com economias estagnadas e desempregos
crescentes. O dinheiro sujo, seja de narcotráficos, prostituição e,
principalmente, da guerra, tornam-se o meio mais fácil para abastecer mercados
falidos pela corrupção na política e nas grandes corporações.
Interesses geopolíticos em jogo - insightgeopolitico.com |
A ânsia desses países em aprovar
resoluções que facilite um ataque a Síria não tem nada a ver com defesa de
população ou de direitos humanos, a história está aí a comprovar isso. Somente
interessa os objetivos estratégicos visando o controle de uma das regiões com
maior reserva da matriz energética mais importante do mundo. É o dinheiro, o
grande poder e a política que comandam as ações. Então, quem quiser se informar
sobre o que acontece nesses conflitos, deve fugir do convencional, desligue-se
da informação manipuladora e mentirosa da grande mídia. Em grande parte, essas
informações bombásticas sobre tais conflitos tem também o objetivo de desviar
as atenções da enorme crise que afeta o capitalismo e que tem levado à falência
as economias das maiores potências capitalistas. Uma guerra sempre é motivo
para tentar salvar economias falidas. As corporações agem como abutres nas
carniças, disputando politicamente a reconstrução de países devastados pelos
bombardeios.
excelente texto.
ResponderExcluiré sempre a mesma historia os mocinhos sempre vem para defender a população indefesa dos sanguinários ditadores. assim como na Guerra do golfo quando o "império" e aliados da época dentre eles Arábia Saudita, Reino Unido, França, Egito e a própria Síria formam a coalizão anti-Hussein e invadiram o Kuwait para retirar as tropas de Saddam que tentava anexar esse território ao Iraque.
Sobe acusações de estarem produzindo armas químicas, em 1991 o Iraque autorizou a inspeção de suas instalações nucleares que não resultou em nada, e mesmo assim invadiram o país em busca das ditas armas químicas que ate hoje...
como você mesmo disse "a história está aí a comprovar isso." é sempre a mesma historia.