Esse artigo foi publicado no jornal O Popular, edição de 31.07.2012 em uma versão resumida, em função do espaço. Publico aqui o texto completo sobre as atividades do Grupo de Trabalho Araguaia (GTA) - do qual tenho participado como ouvidor-convidado - e a busca pelos corpos dos desaparecidos na Guerrilha do Araguaia.
Grupo de Trabalho Araguaia - Mapa |
A criação da Comissão da Verdade,
pela presidenta Dilma Roussef, seguramente já traz em si mesmo um fator
positivo. Coloca na ordem do dia a necessidade de se aprofundar as
investigações sobre as centenas de desaparecidos políticos, cujos corpos ainda
não foram encontrados, gerando desgastes e ansiedades para familiares. Dentre
os quais pais e mães que, pelo tempo, já estão morrendo sem que tenham sido
encontrados os restos mortais de seus filhos e filhas.
Mas essa é uma procura que não tem
início com a criação dessa comissão. Por determinação judicial, da juíza
Solange Salgado, da Justiça Federal de Brasília, desde o ano de 2009 várias
expedições à região onde ocorreu o conflito Guerrilha do Araguaia tem sido
feitas, com o intuito de encontrar vestígios de restos mortais que possam ser
daqueles que ali combateram a ditadura militar entre os anos de 1972 e 1975.
Esse foi, seguramente, o movimento
guerrilheiro mais duradouro aqui no Brasil, e o que mais envolveu, para sua
repressão, grandes contingentes de tropas militares, desde as três forças
(exército, marinha e aeronáutica), até os órgãos da comunidade de informação, e
polícias federal e militares de pelo menos três Estados (Goiás, Maranhão e
Pará).
Contudo, embora sendo um conflito
de grandes proporções, para os padrões de enfrentamento que já ocorria aqui no
Brasil, o que mais deve ser destacado foi a maneira como agentes do Estado,
principalmente aqueles ligados aos órgãos de inteligência, agiram para eliminar
os combatentes.
Muito embora guerras e guerrilhas
existam se caracterizem pela violência dos embates, há sempre, por força de
tratados internacionais, limites para esses combates, no que se refere à
preocupação com a população que reside na área onde ele se desenrola e no trato
aos prisioneiros.
No enfrentamento aos guerrilheiros
esses dois preceitos foram desrespeitados pelas forças militares do estado
brasileiro. Desrespeito aos camponeses, com intimidações, prisões, torturas e
até mortes atingiram um elevado número deles. E, quanto aos prisioneiros,
muitos foram além de torturados, executados e tiveram seus corpos jogados em
locais jamais identificados por seus algozes. Além da nefasta prática da degola
e da amputação de mãos para identificação daqueles que eram abatidos dentro da
mata. Tudo isso em total afronta com as exigências dos tratados de guerras, do
qual o Brasil é signatário.
Relato da História da Guerrilha em reunião do GTA - julho 2012 - Xambioá |
O resultado dessa longa história
está relatado no livro, que se constitui em um trabalho de pesquisa que
praticamente se desenrola desde 1992, “Guerrilha do Araguaia – a esquerda em
armas”, agora publicado em sua 2ª edição. Inicialmente uma dissertação de
mestrado, o estudo se prolonga desde então, exatamente por se tratar de uma
história cuja última página ainda não foi escrita.
Em função dessa intensa pesquisa,
cuja primeira edição do livro foi publicada em 1997, tenho sido convidado para
participar do Grupo de Trabalho Araguaia (GTA), que desde o ano de 2009 procura
encontrar restos mortais dos guerrilheiros, cumprindo a determinação da justiça.
Já participei de várias expedições, embora não de todas, em função das
dificuldades de conciliar minhas atividades na Universidade Federal de Goiás.
Mas os trabalhos não são fáceis.
Como não há informações dadas por aqueles que efetivamente participaram dos
confrontos diretos com os guerrilheiros dentro da mata, e principalmente de
execuções seguidas das ocultações dos cadáveres, a busca torna-se extremamente
difícil. Apesar de declarações já publicadas em livros, e até mesmo em
entrevistas em jornais e TVs, alguns oficiais responsáveis pelas operações que
eliminaram o movimento guerrilheiro, recusam-se em indicar os locais onde os
corpos dos guerrilheiros mortos possam estar enterrados.
Buscas do GTA |
As dificuldades, e a demora em
encontrar corpos (até hoje somente dois foram identificados, de Maria Lúcia
Petit, e de Bergson Gurjão de Farias) que sejam dos guerrilheiros, e
camponeses, que foram mortos no conflito, motivou um grupo de parentes, através
do Grupo Tortura Nunca Mais, a entrarem com uma ação na Corte Interamericana de
Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos. O parecer dessa corte
foi favorável aos familiares, obrigando o Estado brasileiro a dar respostas
imediatas a essa busca incansável. O prazo da sentença deveria ter sido
cumprido até o mês de dezembro de 2011.
Os trabalhos que são desenvolvidos
pelas expedições, embora atendam sentença da justiça brasileira, cumpre em
parte as exigências da Corte Interamericana, visto que os objetivos são os
mesmos. Ocorre que, muito embora sendo feito com qualidade, e com equipes
técnicas envolvidas de alta competência (médicos legistas, antopólogos
forenses, odontólogos do IML, arqueólogos do Ministério Público, historiadores,
coordenados por membros do Ministério da Justiça, da Defesa e Secretaria Nacional
dos Direitos Humanos), e com uma logística adequada assegurada pelo Batalhão de
Logística do Exército, situado na cidade de Marabá, as dificuldades decorrem
das imprecisões das informações.
Cemitério de Xambioá |
Como os executores recusam-se a
darem informações, as buscas pelas mesmas se dão através de antigos guias do
exército, moradores da região, e camponeses que foram presos durante o
conflito. Mas as naturais modificações na região, e o estado caótico dos
cemitérios das duas cidades onde os primeiros corpos teriam sido enterrados Xambioá(TO) e São Geraldo do Araguaia (PA), tornam os trabalhos extremamente
difíceis e lentos.
Mas isso decorre da própria
natureza dos trabalhos e das dificuldades em lidar com informações que precisam
ser comprovadas, antes de se iniciar escavações em possíveis locais de
inumação. A ansiedade e angústias, geradas por décadas de buscas sem
resultados, e diante do silêncio daqueles que confirmam as execuções, mas se
recusam a indicar os locais onde os corpos estariam, levaram alguns familiares a
recorreram mais uma vez à OEA, criticando a forma como os trabalhos estão sendo
desenvolvidos e demonstrando fortes ceticismos quanto aos resultados das
buscas, principalmente por haverem 19 corpos (agora somados a mais quatro da
última expedição) à espera de identificação na Universidade de Brasília,
através de exames de DNAs.
Cemitério de Xambioá |
Contudo, apesar de concordar que a
melhor maneira de obter sucessos seria através de informações repassadas por
aqueles que comandaram as operações militares, entendo que os trabalhos do GTA
não podem cessar. É preciso, sim, dar mais agilidade às investigações sobre as
ossadas já recolhidas, através de comparação com a utilização do DNA. Mas isso
não significa prescindir das atividades que esse grupo desenvolve, com equipes
capacitadas e uma estrutura adequada, garantida pelo exército. E quanto às
críticas aos gastos com logísticas, e à estrutura necessária para essas buscas,
são injustas, pelo que se pretende com essas expedições. As condições da região
impõe essas necessidades.
Aliado a isso, torna-se importante
decisões como as do Ministério Público, de responsabilizar criminalmente o
coronel Lício Maciel, da mesma forma que o fez em relação ao Major Curió, por
crimes de sequestro. Isso demonstra que há brechas para condenar aqueles que
extrapolaram em suas funções, procurando forçá-los a darem informações mais
precisas, que facilitem o trabalho de busca dos corpos daqueles que
desapareceram nas matas do Araguaia. Afinal, ambos já confirmaram em
depoimentos, terem sido responsáveis pela prisão de guerrilheiros que em
seguida teriam desaparecidos, segundo testemunhos de antigos guias, após serem
torturados.
Tudo isso representam atos e
decisões que cumprem o objetivo de garantir às famílias o direito, legítimo e
inalienável, de terem acesso aos restos mortais de seus entes, a fim de
proceder a um sepultamento de acordo com suas crenças, pondo fim a uma
angustiante procura que já dura quatro décadas. O Estado brasileiro, para fazer
jus á criação de uma comissão para tal fim, deve dedicar todo o apoio a esses
procedimentos, para que a verdade e a justiça prevaleçam, e se possa fechar
esse capítulo de nossa história.
Fotos:
Tereza Sobreira (Ministério da Defesa) - GTA
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