domingo, 11 de março de 2012

RÚSSIA E O IRÃ, O QUE ELES TÊM EM COMUM?

Aparentemente, nada. Mas uma breve análise geopolítica nos mostrará porque a mídia ocidental demoniza os dois personagens que estão à frente desses dois antigos grandes impérios, que exerceram fortes poderes regionais em períodos distintos da História: o russo (posteriormente União Soviética) e o persa.
Porque razão as repercussões sobre as eleições na Rússia e no Irã enfatizam o caráter corrompido do processo eleitoral nesses países? Como já disse em artigos anteriores aqui no Blog, é preciso criar na opinião pública mundial uma visão negativa desses países e de seus governantes, para que possa ser justificada qualquer medida mais beligerante que possa vir a ser tomada pelos países ocidentais. Isso faz parte de uma estratégia de guerra, mesmo que ela não ocorra. O que significa dizer que é importante que nesses países, seus dirigentes sejam sempre vistos de forma negativa, para que, assim, deixem de ser protagonistas na geopolítica de duas das regiões mais cobiçadas do mundo. Ou fragilizados o suficiente para serem eliminados ou destituídos de seus cargos.
Vamos falar sobre a Rússia. Imagens mostram revoltas do povo russo protestando contra fraudes no processo eleitoral. Mais uma vez. Isso foi feito também quando das eleições do Irã, embora poucos se lembrem. A mídia repercute opiniões de personalidades internacionais e dão vazão ás insatisfações de candidatos derrotados. Mas será que a eleição de Putin foi de fato um incômodo ao ocidente.
Logicamente que não. Basta ver os resultados. Não fosse Putin, o candidato em melhores condições de se eleger seria Guennadi Ziugnanov, do Partido Comunista Russo. O preferido dos EUA, por exemplo, ficou em quarto lugar. É evidente que o discurso de fraudes tem uma forte conotação política. A diferença foi muito grande, e todos os candidatos somados não obtiveram nem um quarto do total de eleitores (isso segundo a Comissão Eleitoral, no que é questionada pela oposição).
O que se pretende, com essa massificação da ideia de fraude eleitoral é, mais uma vez, da mesma forma que foi feito quando da eleição de Ahmadinejad, por um lado criar na opinião pública a imagem de que naquele país há um processo eleitoral corrupto, e, por consequência, fragilizar o presidente Vladimir Putin, tentando diminuir seu protagonismo na geopolítica mundial, principalmente na relação com os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Logicamente que a oposição nesses países aproveitam-se da situação, mas é a ela, em cada país, que deve ser dada a possibilidade não só de questionar, mas de convencer a população de seus países de eventuais irregularidades ou até mesmo desmoralizarem seus oponentes com o intuito de ocupar espaço. Afinal, o que está sempre em jogo é o poder.
Os questionamentos que se fazem sobre a Rússia, então e em decorrência disso, parte da tentativa de desmoralizar a democracia naquele país (e vamos ver que o mesmo se repete em relação ao Irã). É bom então esclarecer, para que não paire dúvida sobre a intenção dessa análise, que o sentido da democracia é relativo, e deve ser entendido historicamente. Nem se pode, também, a rigor, acreditar que a democracia capitalista seja a mais perfeita alternativa para a humanidade. Repito, não há a mesma busca por democracia em países como a Arábia Saudita, o Bahrein (onde existe base militar dos EUA), ou não se questiona o poder nuclear de Israel. Por outro lado se apoia golpes de Estados como o que ocorreu em Honduras em 2009.
A Rússia é um país que tem em sua história experiências vividas por poucos países do mundo. Possui uma dimensão territorial imensa e uma riqueza em seu subsolo que o coloca na posição de grande potência energética. É um dos maiores produtores de petróleo e gás do mundo. Sua situação geográfica é tida como estrategicamente favorável à dominação e expansão de seu poder. No começo do século XX, Halford Mackinder, um dos mais importantes teórico e estrategista da geopolítica mundial, britânico, elaborou uma teoria em que considerava aquela região do Cáucaso como o eixo central do mundo, que ele denominou como o “área pivot”, ou “Heartland”. Para ele, o controle dessa região deixaria vulnerável as potências marítimas e daria ao Estado que a controlasse a possibilidade de desenvolver um enorme poder terrestre. Quem domina essa região, disse Mackinder, dominará o mundo.
O período pós-soviético traz uma complexidade natural. É uma transição difícil reflexo de uma ruptura que girou a roda da história para trás, freando toda a empolgação que existiu ao longo do século XX na eminência de uma vitória do socialismo sobre o capitalismo. A desestruturação da União Soviética levou a uma necessária readequação de todo o funcionamento do Estado, fragilizado diante de uma crise que se estendeu por mais de uma década. A rapidez com que essas mudanças foram feitas, e diante da avidez das potências ocidentais em se aproveitarem do espólio aliando-se a todo o tipo de oportunistas e falsários que passaram a controlar esse poder decadente, terminou por levar ao poder um boneco de ventríloquo, chamado Bóris Yeltsin. Porquanto esteve à frente da Rússia sua imagem serviu para criar um sentimento de enorme frustração. Seria aquilo o resultado de uma revolução histórica?
Ferido, o povo russo, tradicionalmente nacionalista, buscou se apegar a um governo forte, que pudesse ser capaz de agir duro com o ocidente quando necessário. Assim se apresentou Vladimir Putin, ex-agente da KGB, que soube se aproveitar bem de toda essa fragilidade e do sentimento do povo russo.
À medida em que se acentua a crise na Europa e Estados Unidos as ações geopolíticas expressas em imagens, reportagens e nas declarações de personagens ligadas àqueles países, vão se tornando mais corriqueiras.
As eleições russas ocorreram num momento de confronto diplomático. A Rússia, juntamente com a China, bloqueara sanções contra a Síria, cujo objetivos eram semelhantes ao que acontecera na Líbia. Por se tratar de um país estrategicamente mais importante para a Rússia, essa sanção foi rejeitada, por não obter unanimidade.
Insatisfeitos, como já estavam com o comportamento arrogante de Vladimir Putin, intensificaram-se as manifestações contrárias ao resultado eleitoral. Evidente que uma análise mais criteriosa do comportamento do Putin, poderá dar até razão a muitos de seus críticos, mas o que está por trás de todo esse embate é a disputa geopolítica envolvendo países que possuem forte aparato bélico, e situam-se em regiões de enorme importância estratégica.
Portanto, as verdadeiras razões da insatisfação com o novo “czar” moderno russo, estão muito além do que se encenam nas reportagens da grande mídia. A Rússia, com Putin, volta á cena com forte protagonismo nas disputas regionais e mundiais, e se insere em um grupo que aos poucos vai se consolidando como atores principais na mudança de rumo que está tomando a geopolítica mundial.
Mas outro grande teórico da geopolítica, e conhecido estrategista estadunidense, reforçaria a teoria de Mackinder, mas parte dela para elaborar uma nova interpretação sobre a maneira de controlar o mundo. Para ele o poder mundial estaria nas mãos não de quem controlasse o “heartland”, o coração do mundo, mas sim, por quem pudesse cercá-lo.
Nicholas Spykman, geógrafo e geoestrategista foi o responsável, com sua teoria, pela política externa adotada pelos Estados Unidos, durante toda a guerra fria. Um dos pilares de sua teoria impunha a necessidade de os Estados Unidos estabelecerem alianças que pudesse manter a então União Soviética restrita à influência do Heartland. Dessa forma, toda a sua ação geopolítica se deu no sentido de exercer o controle sobre o Rimland. Ou seja, dominar as principais nações que situavam-se no entorno do “crescente interno”, que seria a área da Eurásia que circulava o Heartland.
O objetivo principal, além de em algum momento exercer o controle sobre o heartland, era estabelecer um cordão em volta da União Soviética, isolando-a e expandindo o domínio geopolítico para outras áreas, como as Américas. Com a queda do socialismo e o retorno da Rússia à cena geopolítica, acelerou-se toda uma política para se exercer o controle dos governos que surgiam dos novos Estados.
Mas, tanto da fase da disputa geopolítica no contexto da guerra fria, como nos anos que se seguiram ao fim da União Soviética, até os dias atuais, permaneceu sempre presente a intenção de controlar os Estados-nações que compunham o chamado Rimland. Inclui-se aí o norte da África, a Europa e o Oriente Médio. Essa região cresceu de importância, em função da enorme riqueza ali existente, mas prosseguiu sempre também os objetivos geopolíticos determinados por Spykman, para quem era imprescindível impedir que houvesse uma aliança entre Estados do heartland e os do Rimland. Por isso, as alianças que eventualmente acontecem entre a Rússia e países como a Síria e o Irã, ameaçam o domínio geopolítico dos EUA e colocam em xeque, pela teoria do Rimland, o seu poder hegemônico sobre o mundo.
Quanto ao Irã, embora sendo um país de características distintas da Rússia, a preocupação segue na mesma direção. Não somente por ser inimigo declarado de Israel, Estado parceiro e importante estrategicamente para os Estados Unidos no Oriente Médio, mas por vir a se constituir em uma grande potência regional. Plenamente consolidada se se confirmar a sua capacidade de deter tecnologia nuclear e com uma das maiores reservas petrolíferas do mundo.
O Irã, único país não-árabe do Oriente Médio, herdeiro de um dos maiores impérios da antiguidade, se diferencia culturalmente de todos os demais que foram sacudidos por revoltas populares. Algumas das quais instrumentalizadas pelas potências ocidentais, para não perderem o controle de áreas estratégicas, principalmente as produtoras de petróleo. Mas também daqueles países que possuem fronteiras que dão acesso a canais por onde se transportam toneladas de tonéis de petróleos e gás.
O regime iraniano é extremamente fechado, e escora-se em um Conselho de Aiatolás, que mina o poder do presidente. Sua constituição submete-se a um poder maior, o religioso, e pelo que está escrito no livro sagrado dos Muçulmanos, o Alcorão.
Em última instância, as decisões mais importantes são tomadas por esse conselho. Nesse imbróglio político o grupo de Armadinejahd não é o mais conservador. Mas suas decisões necessariamente precisam estar em consonância com o que pensam os Aiatolás. Mas, quando teço essas comparações, o faço à luz de uma realidade bem específica. Afinal, não é difícil ser mais progressista do que um clero islâmico, dominado por anciãos sectários, da corrente xiita. Evidentemente, isso não faz de Armadinejahd um revolucionário. Mas não é o demônio, como traduzido pelo Ocidente.
Com um poder militar que supera o de todos os demais países do Oriente Médio, e com uma capacidade bélica que só não faz frente à Israel pelo fato do país judeu possuir armas nucleares, só resta ao Irã se igualar nessa capacidade, a fim de poder se proteger de um eventual ataque israelense.
Protegido pela China e Rússia, com o veto à resolução do Conselho de Segurança impedindo uma invasão à Síria, o que possibilitaria um cerco e um ataque ao seu território, o Irã se apressa em criar as condições para se proteger com um escudo nuclear. E caso isso se concretize, não somente estará consolidando uma posição de hegemonia regional, como também incentivará outros países a se armarem com artefatos atômicos, condição de se verem livres de ameaças de potências indesejáveis. Poderá estimular uma nova corrida armamentista, nos moldes da guerra fria, agora num mundo multipolar, só possível de ser controlado mediante uma total renovação da Organização das Nações Unidas. Mesmo assim, com grandes limitações, na medida em que o poder hegemônico dos Estados Unidos será cada vez mais questionado.
O que não é possível admitir é a insistência em criar as condições favoráveis internacionalmente para atingir os governos de determinados países, mediante um insidioso noticiário, incensando-se o fragilizado sistema “democrático” ocidental, como se fosse a panaceia que salvará a humanidade de si mesma, e desconsiderando-se as culturas e realidades complexas de sociedades que carregam tradições milenares. Aliás, o sistema eleitoral dos Estados Unidos é extremamente viciado, e muito embora existam sempre dezenas de candidatos à presidência, para dar a impressão de liberdades democráticas, na prática a disputa fica restrita a dois partidos, que se revezam sem alterar substancialmente a política de Estado, já que é forte o poder das grandes corporações a lhe controlar.
Alguns anos atrás, quando se denunciou a fraude eleitoral que garantiu a reeleição de George W. Bush, a mídia não teve a mesma reação. E busca-se insistentemente, principalmente num quadro de crescimento de uma crise econômica brutal, quando esse sistema democrático serve aos interesses daqueles que controlam o capital, dar a demonstração de que os instrumentos do Estado capitalista são suficientes para conter a sua podridão. Escondendo o fato de que esses próprios instrumentos carregam o velho vício de atender aos interesses de uma minoria que controla a riqueza e o poder.
Os governos da Rússia e do Irã não são confiáveis do ponto de vista de quem anseia por mais liberdades e justiça social. No entanto, a construção de alternativas que possam substituí-los deve partir de seu próprio povo. Muito menos cabe à mídia campanhas mentirosas, atendendo-se aos interesses geopolíticos e geoconômicos em disputas. Como se viu no noticiário do dia 10.03, quando na sequência das notícias o Jornal Nacional da Rede Globo informou que “segundo” a oposição síria, dezenas de pessoas tinham sido mortas por tropas daquele governo. No entanto, quando fez referência às mortes no Iêmen, e ao combate daquele governo com os que desafiam o regime, afirmou serem terroristas. É, portanto, acintosa a parcialidade da informação, com o intuito de criar uma opinião pública que veja como normal a invasão de alguns países, e até o assassinato de seus dirigentes. E o oposto se faz quando é do interesse das potências ocidentais, principalmente dos EUA.
Do mesmo modo, durante noticiário da Band News, neste domingo (11/05), a repórter referiu-se a mais um massacre, a morte de quinze afegãos por um soldado estadunidense, como um “incidente”, seguindo-se os tradicionais pedidos de desculpas do embaixador dos EUA naquele país. Em seguida, ao noticiar um atentado com três mortos no Paquistão, o adjetivo utilizado foi que o “crime” havia sido praticado por um homem-bomba. Ora, são dois assassinatos, crimes hediondos, e deveriam ser noticiados com o mesmo grau de indignação.
Com esses posicionamentos, o que poderíamos prever, numa situação em que no nosso país em algum momento pudesse passar por situação semelhante? Seria admissível aceitar a ingerência de outro país, a armar uma oposição que porventura não consiga atingir seus objetivos pelos meios políticos? Como, aliás, esteve prestes a acontecer no golpe militar de 1964?
A autodeterminação dos povos é um dos elementos basilares da garantia da inviolabilidade de seus territórios. Não se pode, como vem sendo feito, adotar o discurso de defesa dos direitos humanos com o claro objetivo de se exercer o controle sobre Estados que detém em seus territórios enormes riquezas minerais, ou, que possuem fronteiras e localizações regionais que têm uma enorme importância estratégica.

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