sábado, 3 de março de 2012

A GAROTINHA, A DEBUTANTE E A FEMINISTA

“Não sei porque você se foi/ Quantas saudades eu senti/ E de tristezas vou viver/ E aquele adeus não pude dar...
Você marcou na minha vida/ Viveu, morreu/ Na minha história/ Chego a ter medo do futuro/ E da solidão/ Que em minha porta bate...”
(TIM MAIA)

Última foto da Carol - Nov/2007
No dia 5 de março de 1997, chegava ao fim uma ansiedade de nove meses. Nasceu nossa filha, a quem demos o nome de Ana Carolina Oliveira Campos. Torcíamos para que ela pudesse aguentar no útero da mãe por mais 3 dias. Era uma torcida natural, sua mãe, já naquela época, como ainda hoje, sempre foi uma destacada militante das causas femininas. Mas a Carol, ainda não podia saber disso, e o acaso determinou que o dia em que ela nasceria não coincidiria com o Dia Internacional da da Mulher.
Sem problemas, nem preocupações maiores que não o nervosismo para que ela nascesse bem e saudável, para completar nossa alegria e formar um belo par com nosso filho Iago, nascido quatro anos antes. Afinal, já tínhamos uma compreensão formada que o oito de março é tão somente uma data simbólica, referenciada numa tragédia ocorrida em uma fábrica nos Estados Unidos, na cidade de Nova Iorque, quando mais de uma centena de tecelãs foram trancadas e assassinadas em um incêndio proposital, como represália por suas lutas para igualar os salários recebidos pelos homens. Enfim, partimos do pressuposto que por todos os dias as mulheres devem ser respeitadas e terem garantidos os mesmos direitos que os homens.
Carol, recém-nascida
Mas minha pequena Carol sintomaticamente já nascia na Maternidade ELA, e já trazia em seu DNA o símbolo da luta que era travada por sua mãe, Celma Grace, atualmente presidente da Associação dos Moradores do Conjunto Caiçara, do Instituto Ana Carol e da Cooperativa de Bordadeiras. Contava também com a história de militância do pai, historiador e por décadas militante comunista.
Se os quatro anos anteriores, após o nascimento do Iago nossas vidas já tinham passado por profundas transformações – pois os filhos provocam essas mudanças, passamos a viver em função deles – com a chegada da Carol completou-se nossa satisfação e redobraram-se as alegrias. Tínhamos agora um casal de filhos a nos alegrar e tornar nossas vidas plenas de felicidades. Cada um a sua maneira nos envolviam e eram, como acontece em qualquer família, as principais razões pelas quais passamos a compreender melhor o sentido da vida. O futuro, incerto e inexistente, passa a ser idealizado e vislumbrado no horizonte de nossas vidas com o aparecimento dos filhos. Damos, assim, mais concretude aos nossos sonhos e passamos mais a acreditar que é possível construir um futuro, pela força que emana do amor que sentimos por eles.
Por dez anos comemoramos com muita alegria o aniversário de nossa pequena Carol, acompanhado das preparações para as comemorações do dia internacional da mulher. Essa já seria uma razão suficiente para que a vida da Carol estivesse vinculada a esse momento importante na história de luta das mulheres. E com o tempo, ela passou a se incorporar nesses preparativos, acompanhando a mãe em diversas atividades. Tínhamos uma pequena militante sendo formada, o que me fazia acreditar que eu já tinha dentro de casa duas combatentes dessas causas. E eu, naturalmente, a lhes apoiar. Carol ficaria orgulhosa se pudesse ver nos dias de hoje o engajamento do irmão, estudante de história e já participante das lutas da juventude e defensor do socialismo.
Carol, em apresentação na escola
Out/2007 - dois meses antes de partir  
Mas aos dez anos o pequeno coração da minha militantezinha parou de funcionar. A leucemia tolheu de nós os mais belos sonhos do futuro em que projetávamos nossa garotinha. Não foi somente ela que partiu, por todos esses anos, perdemos também um pouco da maneira de lidarmos com o futuro. Em parte, ele se foi com ela. Ficou em nós um sobressalto, e uma incógnita quanto a nossa fragilidade diante da vida e da ilusão quanto ao porvir. Particularmente, a partir da morte de minha filha, prefiro lidar com o presente do meu filho e deixar que o futuro seja uma construção gradativa de cada momento de sua vida.
Neste dia 05 de março de 2012 minha filha estaria completando 15 anos. Em nossos corações, em nossas mentes, ela está plenamente presente. Sempre nos acompanhará por toda a nossa vida, invertendo-se, contudo, a lógica que faz parte do cotidiano de nossas relações com os filhos. Os momentos que sempre são caracterizados por festas e alegrias virão acompanhados de muitas lembranças pelos momentos felizes, mas o sentimento que prevalecerá será a tristeza, logicamente, porque não a temos mais ao nosso lado.
Todos os aniversários dos filhos são especiais, como os nossos também. Mas o aniversário de quinze anos de uma filha é mais especial. Não porque nós queiramos, mas porque se tornou uma tradição.
Como historiador, sei das razões pelas quais as festas de debutantes vêm carregadas de um forte simbolismo, constituindo-se em um ritual que se assemelha a um casamento. Sem o noivo, ainda, naturalmente. Mas foi concebido em épocas medievais como um momento de transição das meninas, já na puberdade, para que as mesmas pudessem ser apresentadas à sociedade, obviamente com o intuito de lhes garantir um bom casamento.
Carol com suas melhores amigas -
Bárbara e Ester, hoje adolescentes...
Claro que com o passar do tempo, mesmo se no capitalismo o sentido passou a ser o mesmo, o sonho de “debutar” deixou de ser somente das famílias abastadas. De uma maneira geral as garotas, perto de completar os 15 anos, anseiam uma festa marcada por pompas sofisticadas, com o objetivo de marcar para sempre um momento que representa a porta para o mundo adulto, uma espécie de rito de passagem. Mesmo que nos últimos tempos tenha perdido o glamour que originou essa tradição, o aniversário de quinze anos permanece sendo ansiosamente esperado por boa parte das meninas, muito embora a puberdade esteja chegando cada vez mais cedo, o que biológica e fisiologicamente já representa uma transição da infância à adolescência.
São momentos que aguardamos com todas as expectativas que nós pais e mães criamos juntamente com nossos filhos. Se enquanto a Carol estava viva ainda era cedo para pensarmos nisso, com a sua perda o sentimento que nos prende é de uma enorme frustração, em meio a dolorosas e saudosas lembranças.
...e a prima e amiga inseparável,
Ana Clara, em foto recente
Construo assim a imagem de minha filha, em seus quinze anos, com seu constante sorriso na companhia de suas mais queridas amigas e de sua prima Ana Clara, que no ano passado completou seus quinze anos, em uma bela festa que me emocionou e me fez lembrar por todo o tempo de minha filha. E me vejo ao lado dela, vestida como um anjo, mas ostentando um olhar determinado, daqueles que nos fariam acreditar que sua personalidade seria marcada pelo engajamento político e pela defesa das causas feministas.
Não era somente a proximidade das datas, de seu aniversário e do dia internacional das mulheres. Era a convivência em um ambiente construído com base nesses valores e marcado pelos engajamentos citados anteriormente, até porque ela já acompanhava sua mãe em diversas atividades tanto da Associação de Moradores quanto do Centro Popular da Mulher.
Mas esse olhar perdeu-se num tempo que já se foi. Ficou inerte em seus dez anos. E tudo o que dizemos, para marcar esse momento, mais uma data especial a reforçar as lembranças, são construções de vontades que jamais se realizarão. Não são sonhos, são ilusões. Que alimentamos com o intuito de tornar as saudades menos doídas.  
Mas em nossos corações contamos ano a ano e comemoramos, nessa construção ilusória, todos os dias cinco de março, como o dia da nossa pequena Carol. A dor é inseparável dessas circunstâncias, mas é como se repetíssemos cada ano dos dez em que ela viveu em sua curta vida. Dez anos que a tornarão imortal, porquanto estivermos vivos para relembrarmos cada instante de sua inesquecível companhia.
Carol e a turma do Badminton, esporte
que ela gostava de praticar
E, como disse em outra crônica, por mais que contemos cada ano que passa do que seria mais um de uma vida agora inexistente, a veremos sempre como nossa pequena “Wendy”, pintando em cores vivas as paisagens de um ambiente imaginário, como na Terra do Nunca, lugar onde o tempo nunca passa para as crianças, na fantástica fantasia do pequeno Peter Pan e da fada Sininho.
– Não poderei jamais lhe desejar parabéns, minha querida filha, mas posso garantir que sempre, por toda a minha eternidade me lembrarei de você, com a mesma intensidade dos primeiros dias depois que você partiu. E com as lembranças de todos os momentos bonitos e maravilhosos que passamos juntos e eles somam exatos sete mil oitocentos e sessenta e seis dias (7866), ou dez anos, nove meses e oito dias de uma vida que sempre fez transbordar alegrias e felicidades por todo o tempo em que estivemos juntos.
– O dia cinco de março não será um dia de festas, como foram durante todos aqueles dez anos, mas estaremos ao seu lado como sempre fazemos em momentos marcantes, no local onde repousa seu pequeno e frágil corpo. E por esse dia, e sempre... E sempre... Nossos corações jamais deixarão de sentir por um milímetro que seja todo o amor que sempre tivemos por você.
E relembro aqui as palavras que disse na cerimônia religiosa, sete dias após a sua morte: – “Obrigado, minha filha, por nos ter feito tão felizes porquanto estiveste conosco. E nos perdoe os exageros, os excessos, os zelos que lhe causavam inquietudes e as broncas muitas vezes desnecessárias. Mas saiba, esteja onde você estiver, ou possamos nós imaginar que você esteja, que te amamos sempre, com toda intensidade. Beijos, de seu pai, sua mãe, irmão, avó, parentes e amigos”
“Qualquer dia, qualquer hora, a gente se encontra, seja onde for, prá falar de amor”.

Um comentário:

  1. um grande beijo Carolzinha, lembramos sempre do seu doce sorriso, sempre presente e disposta a contribuir com a organização dos nossos eventos.. De fato, esse 08 de março, não pode esquecer você, assim, como nenhum outro momento.

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