domingo, 26 de fevereiro de 2012

SER DIFERENTE É NORMAL!

Nos últimos dias um fato inusitado foi muito comentado nas redes sociais e até mesmo na imprensa. A aprovação de um jovem, portador da Síndrome de Down, através do concurso vestibular da Universidade Federal de Goiás, para o curso de Geografia no Campus da cidade de Jataí.
Devemos tirar vários ensinamentos disso, e gostaria de, ao fazer referência a esse fato, estabelecer uma relação com a escola, com a Universidade, e com o embate travado atualmente entre projetos distintos de educação. Particularmente, à importância que possui o educador, em especial, em situações como essas. Embora não seja somente responsabilidade deste, pois a família e a sociedade no combate ao preconceito cumprem tarefa importante, de ir rompendo alguns valores incorporados das culturas e gerações passadas. Que, logicamente, permanecem nos dias de hoje.
A Síndrome de Down, que atende cientificamente pelo nome de Trissomia do Cromossoma 21, tem causa genética, e teve o nome popularizado em homenagem ao médico britânico que a descreveu.
Essa é uma das deficiências mais comuns aos nascidos. Ocorre uma vez a cada cerca de 700 nascimentos, em média, mas pode ser maior em mulheres cuja gravidez aconteça após os 35 anos de idade. Evidentemente que o acompanhamento médico pode evitar que isso ocorra, mas é a mais comum das deficiências de causas genéticas.
Algumas de suas características estão presentes na maioria das pessoas, mas não se tornam visíveis e os sintomas mais comuns estão relacionados às dificuldades de aprendizado, deficiências nas habilidades cognitivas e com possíveis retardamentos mentais, que pode ser variável de uma pessoa para outra.
Contudo, nos últimos anos uma série de comportamentos, tanto médicos e científicos, como de medidas sociais, com a criação de entidades que passaram a cumprir importante papel de socialização dessas pessoas, os portadores dessa doença têm conseguido superar barreiras antes inimagináveis. Tanto por esse exemplo citado, como pelo tempo de vida dessas pessoas, que tem se ampliado consideravelmente. Até meados do século XX, a expectativa de vida não passava de 15 anos.  No entanto, nos dias de hoje já é possível ver muitos deles superarem a idade de 50 anos, chegando até aos 70 anos..
Dito isso, quero pegar o aspecto social dessa importante questão. Estamos acostumados a ver, e até mesmo nós mesmos repetirmos isso, às vezes de forma inconsciente, motivados por alguma irritação, referências aos tempos atuais, como sendo de caos, desordem, destruição. Somos empurrados a crer que nos aproximamos do fim da humanidade. Uma série de lendas, histórias mal contadas e exageros, ditos para ampliar o medo das pessoas e forçá-las à descrença e a buscar como última alternativa o espaço pouco lúdico, mas muito assustador, dos tabernáculos, templos e igrejas.
Essas mesmas entidades que sempre viram, em tempos passados, antigos e medievais, pela ignorância de conhecimento ainda restrito, essas deformidades nas pessoas como sendo causadas por pecados, castigos divinos e outros tipos de preconceitos que as condenavam à morte lenta e a agonia de não poderem ser tratados como normais. Assim foi também com o surgimento de muitas outras doenças, entre elas a terrível peste, por muito tempo impedida de se conseguir um tratamento adequado por puro preconceito, em grande parte causado por essa estupidez que os dogmas religiosos impunham.
Mas isso não é um comportamento somente medieval. Ele se estendeu por todo o século XX e persiste ainda, mesmo que de forma mais reduzida. É comum vermos ainda nos dias atuais, jovens adolescentes referirem-se a outros, quando de situações vexatórias, como sendo “mongol”. Até o final da década de 1960 essa doença era chamada de “mongolismo”, pelas características que alguns de seus portadores passam a ter com os indivíduos originários da Mongólia, país situado no centro da Ásia. O preconceito, portanto, persiste.
Contudo, em menor escala do que em épocas passadas. E tanto o tratamento dado e ampliado com o surgimento de instituições criadas para esse fim, como pela criação de legislações que impõe à sociedade a obrigação de garantir a essas pessoas o direito à cidadania, e consequentemente ao tratamento igualitário como pessoas que merecem carinho, respeito e consideração, e acima de tudo garantias de se inserirem por todos os meios que lhes possibilitam essas leis à vida em sociedade com oportunidades de poder mostrar que são capazes de superar as diferenças.
Devemos ter sempre essa frase para alimentar nossos comportamentos: “ser diferente é normal”. Creio que isso nos ajuda a sermos mais tolerantes com as diferenças. Até porque, de várias maneiras, todos nós somos mesmos diferentes.´
E devemos também reconhecer, ao contrário do que pregam algumas seitas, que a humanidade tem avançado e melhorado suas relações no trato com essas diferenças. Algumas resistências persistem, principalmente conduzidas por setores conservadores, religiosos ou não, mas que são pouco a pouco combatidas pelo enfrentamento ideológico e pelo olhar carinhoso e tolerante de pais e mães que transmitem pela força do amor familiar, o carinho necessário para que os seus filhos, nascidos com algum tipo de distúrbio possam superar as adversidades e atingirem limites até há pouco tempo inalcançáveis.
Mas não somente de situações como as dessas doenças genéticas, mas também de outras deformidades, ocasionadas por acidentes, por tragédias que deixam as pessoas com seqüelas e com dificuldades de locomoção. São muitos ainda os desafios, e os avanços também acontecem geograficamente de maneira diferenciadas, mas as conquistas são inegáveis.
Contudo, a crítica ao comportamento das instituições religiosas no passado, deve também vir acompanhada do registro, a reafirmar essas transformações que o mundo vivenciou, que são muitas as pessoas que dedicam a sua fé religiosa a tratar e cuidar de pessoas que compõem esse universo de dificuldades. E isso feito também através de entidades filantrópicas mantidas por algumas dessas instituições.
Isso nos mostra que o mundo tem, sim, melhorado. Em que pese todos os problemas, guerras e conflitos. Que não são, ao contrário do que se pretende mostrar, características exclusivas de nosso tempo. Mas, mesmo esses, são muito mais possíveis nos dias de hoje de serem resolvidos pelas vias diplomáticas – internamente e externamente – do que em outras épocas. Só é preciso conhecê-las, aventurar-se pela história, para se perceber que o mundo já foi muito mais intolerante.
Passo, então, a tratar do outro aspecto que citei no segundo parágrafo desse texto. O papel do educador. Vivemos uma crise, sim, na educação. Mas, as crises não são necessariamente situações ruins. Melhor dizendo, as crises são situações causadas pelo acirramento de contradições, entre comportamentos e projetos antigos e ultrapassados, e idéias e propostas inovadoras. Elas sempre fazem parte de nossas vidas, assim como se dá o conflito entre a maneira dos jovens olharem o mundo, e a forma como os mais antigos o enxergam. O que em dialética chamamos de negação da negação.
Esse caso, que não é único, embora seja mais uma exceção, representa um desafio para nós, professores do ensino superior. Não bastasse as próprias diversidades existentes nas turmas, pelas características e história de vida dos nossos alunos, ainda devemos saber educar estudantes especiais, portadores de algum tipo de deficiência, mas que, pelo próprio exemplo dado, conseguem superar adversidades e ultrapassar o difícil limite que separa o ensino secundário da universidade.
Particularmente, sempre carrego comigo um ensinamento que extraí da leitura de um texto de Eric Hobsbawm, intitulado "Dentro e Fora da História", do livro “Sobre a História”(*).  Dizia ele que o desafio do professor não está em saber lidar com estudantes que tenham boas qualidades, que saibam por si próprios compreender com facilidade os ensinamentos que lhes transmitimos. Mas, sim, em conseguir transformar alunos com limitações de aprendizado, os que possuem mais dificuldades de entendimentos das questões complexas, e poder levá-los a superar suas próprias deficiências.
Claro que as dificuldades enfrentadas pelos professores, a falta de incentivo para uma profissão tão importante e imprescindível, e a própria lógica existente no sistema educacional que visa premiar os mais capazes e envolvê-los imediatamente e precocemente em projetos de pesquisa e atividades que aproveite suas potencialidades, termina por transformar aqueles alunos menos brilhantes em um incômodo na sala de aula. Eu diria que é o Bullyng institucionalizado. De forma perversa, por uma lógica sistêmica.
O desafio agora, com a perspectiva de cada vez mais esse perfil de estudante chegar à universidade, até pela própria democratização do acesso que o Enem possibilita, é de nos colocar diante de uma necessidade de descobrirmos até que ponto somos educadores, ou meros orientadores de mentes brilhantes.
Lidar com um estudante, portador da Síndrome de Down, certamente é somente uma dificuldade a mais, em uma realidade de adolescentes precocemente transformados em alunos de curso superior, com idade a cada ano mais baixa E, por esses novos processos, bem como pela possibilidade de acesso pelo sistema de cotas, onde o mérito perde relevância diante da necessidade de se resgatar seculares injustiças sociais, nós, educadores, nos vemos diante de novos desafios. Acrescidos a uma realidade de famílias divididas por casamentos desfeitos, numa sociedade onde o amor é cada vez mais volúvel, nos tornamos mais do que educadores, pedagogos, mestres e/ou psicólogos.
Sobre as nossas costas recaem as responsabilidades maiores de enfrentar essas contradições, as limitações existentes nas salas de aulas com perfis de alunos completamente diferentes, mas também lidar com essas diferenças, com um cuidado redobrado, por estar recebendo jovens que tem em suas vidas verdadeiros exemplos de superação de problemas e de batalhas homéricas contra o preconceito.
Tudo isso só reforça a necessidade de lutarmos cada vez mais por um maior reconhecimento da importância que nós, professores, sempre tivemos na sociedade. Mas que nos últimos anos, relegados a segundo plano pela perversidade de uma lógica mercadológica, nos tornamos muito mais problemas relacionados aos limites orçamentários dos governos, do que solução para situações como as que aqui acabo de abordar.
Independente disso, mas sem jamais deixar de lutar por essa valorização, compreendemos o papel que desempenhamos, e mais ainda em lidar com jovens com enormes dificuldades de aprendizado, mas não devemos trocar esse desafio pelo de tratar mais facilmente com alunos brilhantes. Esse é o papel que nos cabe.
Enquanto educador, e também como cidadão, devemos tratá-lo como igual. Igual, mas diferente. Como qualquer outro, cada um carregando suas próprias características, seus problemas, infortúnios, ou a maior das felicidades, que pode sucumbir diante de qualquer tragédia. Mas não há dúvida, que existe um diferencial, com o qual temos de saber lidar, mas que também nos faz aprender.
Estamos todos no mesmo barco.


Fonte:
Algumas informações sobre a Síndrome de Down foram obtidas no Wikipedia.


(*) O que eu quero lembrar a vocês é algo que me disseram quando comecei a lecionar em uma Universidade. "As pessoas em função das quais você está lá", disse meu próprio professor "não são estudantes brilhantes como você. São estudantes comuns com opiniões maçantes, que obtêm graus medíocres na faixa inferior das notas baixas, e cujas respostas nos exames são quase iguais. Os que obtêm notas melhores cuidarão de si mesmos, ainda que seja para eles que você gostará de lecionar. Os outros são os únicos que precisam de você". Conferência inaugural do ano acadêmico de 1993-94, Na Universidade da Europa Central, em Bucareste. (HOSBSBAWM, Eric. Dentro e Fora da História. In: Sobre a História. Companhia das Letras: São Paulo, 1998)


Imagens:
1. anacadengue.com.br
2.  metamorfosedown.zipnet
3. veronicruz.blogspot.com
4. EM FAMÍLIA: Valentina não herdou a deficiência intelectual do pai, Fábio, nem a síndrome de Down da mãe, Gabriela (Revista época – 05.09.2008 - http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI11982-15228,00-MAMAE+E+DOWN.html
5. VÍDEODOWN!.wmv (youtube)

Um comentário:

  1. O desafio da inclusão é grande e necessário, mas não impossível,e está em nossas mãos, educadores, esse poder, apesar das barreiras, da falta de apoio e até mesmo da falta de capacitação específica para se trabalhar com determinados tipos de deficiências. Mas, acima de tudo o agir com o coração, com respeito às diferenças e fazer além daquilo que se é possível, principalmente nas séries iniciais, que serão determinantes e incentivadoras para uma pessoa com necessidade especial seguir em frente.

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