A questão é, antes de qualquer coisa, porque nesse triângulo (Síria-Iêmen-Bahrein) o tratamento dado pelos países imperialistas, através de seu braço armado, a OTAN, é diferente do que acontece em relação à Líbia?
É claro que a maioria dos leitores saberá a resposta, já tratei inclusive aqui mesmo no Blog quais os interesses que estariam por trás dos ataques da OTAN. O petróleo, em primeiro lugar, e os fundos financeiros vultosos, fazem da Líbia um alvo a ser disputado.
Mas quero partir dessas indagações para reforçar um sentimento que espero se estenda rapidamente por todos aqueles que são amantes da paz e se indignam com as injustiças patrocinadas pelas grandes potências.
Quando mergulhamos nos bastidores da grande política e fazemos uma leitura geopolítica, vamos desvendando “mistérios” que só podem ser vistos assim se ficarmos presos às informações transmitidas pelos grandes meios de comunicação. Enfim, não há mistérios. O que existem são interesses estratégicos que tornam um determinado país objeto de disputa por todos os meios possíveis. A guerra é o último deles, o definitivo, principalmente quando analisamos as forças militares no conflito.
Os ataques da OTAN na Líbia, escorado em uma resolução da ONU (embora indo bem além do que determina a resolução), extrapolam qualquer justificativa dada em nome de uma pretensa defesa da população civil. Os ataques têm sistematicamente atingido civis, bem como alguns alvos atacados estão completamente longe da principal área do conflito, demonstrando que os objetivos vão muito além daquilo propagado pelas grandes potências. A real intenção tornou-se destituir, e se possível, assassinar Muammar Kadhafi.
Como no caso do Iraque, quando centenas de milhares de civis foram mortos desde o começo da guerra, também na Líbia a hipócrita defesa de combater crimes contra a humanidade, esconde o massacre de pessoas situadas no meio do fogo cruzado. Ou até mesmo usadas como escudos humanos. Nessa situação, os ataques da OTAN, não se diferenciam das ações dos comandados por Kadhafi, nem também dos atos violentos dos rebeldes, que também se voltam contra aqueles que defendem o regime do ditador Líbio.
Conforme analisamos no começo do conflito, a Líbia caminha para uma divisão em seu território. Consolidam-se, assim, os interesses ocidentais, na medida em que a parte do país rica em petróleo ficará sob o comando dos rebeldes, com o controle da região conhecida como Cyneraica, tutelados pela OTAN, e tendo como centro mais importante a cidade de Benghazi. Por trás disso, logicamente, os Estados Unidos, buscando assim compensar a parcial perda do controle do Egito.
A região tripolitânia, provavelmente continuará sob o comando de Kadhafi, mas sem nenhuma riqueza que a torne expressiva, embora com a maior parte da população. Um novo emirado petrolífero de um lado, e uma “Somália árabe” do outro, e a multiplicação dos problemas, principalmente ligados aos grandes deslocamentos de população para a Europa. E, provavelmente, com o governo líbio dando apoio aos grupos terroristas, para se vingar do Ocidente, a menos que Kadhafi seja assassinado, como já tentou várias vezes os bombardeios da OTAN.
A SÍRIA
De todos esses países talvez o caso mais emblemático seja o da Síria. Com uma revolta sufocada pela força, não muito diferente do que tentou fazer Kadhafi, sua situação é mais pela localização geográfica, estratégica, já que não possui petróleo como a Líbia. Aliada do Irã, do Hesbollah e do Hamas, e com um conflito fronteiriço com Israel desde 1967 quando perdeu as Colinas de Golâ, a Síria tem adotado uma política contraditória, aliando-se à Turquia, mas estabelecendo relações com Israel mais confiável do que os demais países. Pelo menos até o início dessas revoltas.
Talvez por isso, claro e também pela ausência de recursos minerais estratégicos em seu território, os EUA se mantenha aparentemente eqüidistante. O receio é que a mudança que venha a ocorrer ali seja para pior.
Contudo, são grandes também as probabilidades de agentes estadunidenses e israelenses estarem fomentando a revolta, aí com outra estratégia que é a de logo em seguida impor um nome para comandar o país que se mantenha fiel aos interesses ocidentais e de parceria com Israel, para suprir a perda de um governo aliado, com a queda do ditador egípcio.
No começo deste mês, quando se completaram 44 anos da guerra entre Israel e os países árabes, que terminou com a ocupação das Colinas de Golâ, a faixa de Gaza e a península do Sinai, manifestações na fronteira com Israel terminou com um conflito violento e a morte de 14 palestinos e outras dezenas de feridos. Israel acusou o governo sírio de tentar forçar uma invasão das fronteiras com o objetivo de desviar a atenção das manifestações que se intensificam em seu território. Mas na verdade a anexação das Colinas de Golã constitui-se em uma agressão condenada pela ONU e jamais destituída por Israel.
Em 1981, quando uma lei aprovada no Parlamento israelense tornou as Colinas de Golâ parte do território israelense, o primeiro ministro Menahen Begin afirmou que jamais Israel cederia aquele território, considerado um elemento vital para a segurança do país. As resoluções da ONU tornaram-se letras mortas, e jamais foram respeitadas por Israel. Embora até hoje a ONU não reconheça essa anexação nenhuma medida prática foi tomada para punir o Estado israelense, diferente das ações sempre imediatas que recaem sobre os Estados Árabes que porventura contrariem os interesses imperialistas, principalmente dos EUA.
A fronteira Israel-Síria, certamente é o elemento a ser destacado no embate que está sendo travado internamente na Síria. Até então, mesmo sem recuperar parte de seu território, o presidente sírio Bashar Al Assad, tem estabelecido uma relação diplomática com Israel. Mas quanto maior for a pressão sobre o seu governo, e caso confirme-se a presença de agentes israelenses a fomentar as revoltas, seguramente as Colinas de Golâ irão se tornar alvo estratégico para acirrar os sentimentos nacionalistas.
Talvez essa seja a razão principal para os EUA, através da OTAN, adotar um comportamento diferenciado em relação à Síria, apesar da crescente repressão sobre os movimentos sociais naquele país. Tudo isso pode mudar, no entanto, se o governo sírio começar a perder o controle da situação. Então para evitar uma guerra civil que afete Israel a tendência será da extensão dos bombardeios. Mas essa iniciativa certamente será bloqueada no Conselho de Segurança da ONU, já que dificilmente a China e a Rússia apoiariam resoluções que autorizem a OTAN a atacar alvos sírios.
O IÊMEN
Mais do que no caso da Síria, talvez o Iêmen seja o melhor exemplo das hipocrisias que comandam as grandes políticas internacionais ditadas pela ONU, mas desavergonhadamente manipuladas pelos Estados Unidos.
Desde o começo das manifestações naquele país que a resposta do governo foi violenta. Há mais de trinta anos no poder, o presidente Ali Abdullah Saleh, em nenhum momento manifestou a vontade de ceder à pressão das ruas. Diferente do Egito, quando a população ocupou a praça Tahrir, o ditador iemenista reagiu com truculência e expulsou à força os manifestantes das ruas negando-se a estabelecer qualquer diálogo.
Um dos países mais pobres daquela região, o Iêmen também tem uma posição estratégica por sua localização na entrada do Golfo de Adén, que dá acesso ao Mar Vermelho. Outrora também aliado dos Estados Unidos no combate aos suspeitos de pertencerem à Al Qaeda, o governo dificilmente conseguirá sustentar-se sem a ajuda dos parceiros ocidentais. Embora reagindo com ferocidade às manifestações, nada indica que a atitude das potências ocidentais serão as mesmas que as tomada contra a Líbia. Seguindo-se a lógica hipócrita dos discursos humanitários, os olhos que se voltam para o Iêmen não cintilam a cor do petróleo.
Nos últimos dias ampliou-se consideravelmente o conflito, tomando o rumo de uma guerra civil. Grupos tribais acirraram seus descontentamentos com a postura de Ali Abdullah Saleh e partiram para o confronto armado. Na tentativa de ocupação do Palácio do Governo, o ditador iemenista foi ferido e teve 40% de seu corpo queimado, deixando momentaneamente o país sem rumo, indo tratar-se na Arábia Saudita.
Informações dão conta que rebeldes ligados a Al Qaeda já teriam tomado o controle da cidade de Zinjibar, na região sul do país. Esses últimos acontecimentos mostram a dimensão do problema que está se constituindo como consequência da absoluta ausência de alternativa confiável para substituir o ditador. Por essa razão a OTAN não age da mesma maneira que em relação à Líbia, dando uma clara demonstração que os interesses verdadeiros não têm nenhuma relação com preservação de população civil ou com preocupação humanitária. Os interesses são nitidamente oportunistas e a defesa da “democracia”, cumpre tão somente o objetivo de resguardar o controle ocidental sobre um ponto estratégico importante.
O BAHREIN
O Bahrein é um pequeno ponto no Golfo Pérsico. Uma monarquia, como tantas que existem na região e esbanjam prazerosamente o ambicioso líquido fóssil. O petróleo comanda a riqueza e a abundancia do reino, aliado aos elevados investimentos na indústria do turismo, forte componente para a circulação de boa parte do dinheiro sujo do ocidente. No jargão do noticiário policial, um pequeno país, mas uma grande lavanderia. Como de resto outros emirados e até principados, como o de Mônaco na Europa, cumprem esses objetivos.
Esses interesses, aliados à posição estratégica do Bahrein, também faz com que o tratamento dado ao Ocidente seja diferente do que acontece em relação à Líbia. Afinal, essa minúscula ilha abriga uma base militar dos Estados Unidos, e onde se concentra a 5ª Frota, com a presença de mais de 2.000 soldados estadunidenses que vivem no complexo militar quase no centro de Manama, capital do país.
Seguindo-se à sequência das revoltas árabes, a população xiita ocupou as ruas, manifestando-se contra o estilo truculento e antidemocrático da monarquia de origem sunita. Ocorre que a maioria da população é xiita, e como acontece na maioria desses países islâmicos, onde o componente religioso é fortíssimo, há sempre uma diferenciação no tratamento dado àquelas correntes religiosas que não compõem as estruturas do poder do Estado.
As repressões às manifestações foram violentas provocando a morte de um número incalculável de pessoas que dormiam em barracas na Praça Pérola, na verdade uma rotatória onde existia um monumento que terminou por se tornar um símbolo da rebelião. Existia, porque após a expulsão truculenta dos manifestantes, o governo do Bahrein ordenou a demolição do monumento. O local se constituiu num espaço simbólico, semelhante à Praça Tahrir no Egito, com a diferença de a repressão ter se dado de maneira muito mais brutal.
Esse comportamento ditatorial, não somente não levou à mesma reação como ocorreu na Líbia, como bem ao contrário, fez com que a Arábia Saudita deslocasse um contingente militar para ajudar a monarquia a reprimir sua população. Em seguida, o Conselho de Cooperação do Golfo, entidade que concentra os produtores de petróleo daquela região responsável por praticamente metade das reservas mundiais de petróleo existente no subsolo, manifestou seu apoio ao governo do Bahrein.
DOIS PESOS, DUAS MEDIDAS?
Absolutamente, as atitudes são coerentes com os objetivos e os interesses em jogo. Não há defesa de “democracia”, nem muito menos preocupação humanista, o que está em jogo é a manutenção do poder nas mãos de setores que sejam subservientes às potências imperialistas ocidentais.
O nome do jogo é o petróleo, além da riqueza financeira daqueles países. Mas principalmente a necessidade de controlar aqueles que possuem uma localização estratégica imprescindível para os objetivos geopolíticos nessa região, que por muito tempo ainda será uma das mais importantes para garantir o domínio de reservas minerais fundamentais aos interesses dos países imperialistas e pelo controle da hegemonia militar e econômica nas mãos dos Estados Unidos.
A defesa humanitária, justificativa para a resolução de intervenção militar na Líbia, ou que eventualmente possa vir a acontecer, caso a situação fuja do controle em alguns desses países, não passa de discurso hipócrita a esconder as verdadeiras intenções.
As revoltas árabes permanecem ainda uma incógnita. Dificilmente levará aqueles países à almejada democracia, talvez a exceção seja o Egito, possivelmente, mas indecifrável como o enigma das pirâmides, já que partidos islâmicos podem obter maioria nas eleições.
Mas poderemos estar nos deparando com uma nova forma de dominação imperialista em uma região historicamente sempre disputada e colonizada pelo Ocidente. Eu diria que um novo colonialismo poderá se corporificar com a ascensão de novas formas de governo, ou, em alguns casos, com países esfacelados e dominados por forças tribais incontroláveis, a exemplo do Afeganistão e Iraque.
Agora, precisamos estudar e analisar os próximos passos a serem dados pelo Governo israelense, e a possibilidade dessas revoltas forçarem as fronteiras complexas que cercam aquele país. Se essas preocupações se concretizarem, possivelmente o conflito poderá entrar em uma nova fase, não excluindo a possibilidade de mais uma guerra entre Israel e alguns desses países envolvidos em conflitos, incluindo-se aí os palestinos. Certamente Israel está se preparando para isso.
Por fim, como sempre gosto de fazer, indico um filme que pode ajudar a entender os interesses que existem por trás do jogo geopolítico e a absoluta falta de ética e decência na condução dessas disputas pelo poder e pelas riquezas minerais: Syriana – A indústria do Petróleo, filme em que George Clooney ganhou Oscar de ator coadjuvante. Preste atenção no discurso de um dos personagens que representa uma espécie de elegia à corrupção, essência dos objetivos em disputa. Não se admire com os exageros que possam existir no filme, na verdade eles são mais amenos do que na realidade.
Vou assistir o filme de sua recomendação.
ResponderExcluirAntes de mais nada é bom esclarecer que a versão revolucionária dos povos árebes é formada por uma "classe média" que tem acesso aos meios de comunicação alternativos e certa afeição com o ocidente.
A maioria pobre desses países ainda apoia suas ditaduras e teme o fogo do inferno prometido aos infiéis.
Para seu deleite querido mestre recomenda o filme Kedma de Amos Gitai.
Abraços
Ademir
Ademir, já vi Kedma. Gostei, mas ali o relato é sobre as origens do problema, focado na chegada dos Judeus, mas pouco fala do abandono da região pelos colonizadores ingleses no pós-guerra. A descolonização foi uma desgraça, tanto quanto a colonização. Agora nessa classe média o destaque é para uma juventude desempregada e sem perspectiva, que tem sido o motor dessas crises, aliado aos trabalhadores que perderam muito com a crise econômica mundial, que afetou também aquelas populações. Abç.
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