segunda-feira, 6 de junho de 2011

GUERRILHA DO ARAGUAIA – À PROCURA DA VERDADE.

O artigo a seguir está no último número da revista Aventuras na História, nº 95, junho de 2011. É antecedido por uma reportagem sobre a filha do guerrilheiro Antonio Teodoro de Castro, o Raul, cuja paternidade foi comprovada por um exame de DNA. A revista está nas bancas.

POST-SCRIPTUM   Por Romualdo Pessoa*
"Guerra fantasma"
Documentos podem trazer luz a um dos mais obscuros episódios de nossa História

É difícil fechar esse capítulo da História do Brasil diante das dificuldades de se encontrar documentos comprobatórios das operações realizadas pelo Exército e do efetivo militar empregado no combate aos guerrilheiros. Nos últimos anos, e aos poucos, documentações importantes que registraram o cotidiano das operações militares foram aparecendo. Há ainda uma recusa em se abrir os arquivos oficiais, onde certamente muitos dos segredos que envolveram o conflito podem ser desvendados.
Os fracassos militares deixaram claro o erro de estratégias e táticas iniciais e colocou em xeque a capacidade de o regime militar, naquele momento, debelar o foco guerrilheiro. Operações desastradas levadas a cabo com efetivo despreparado, repressão violenta contra a população, torturas, assassinatos... Tudo isso somado dá a síntese do que pode ser compreendido como um dos maiores erros de nossas Forças Armadas – e ajudou a transformar a Guerrilha do Araguaia em um fato histórico fantasma.
Por muito tempo omitiu-se ter havido uma guerrilha no sul do Pará. Nenhum documento oficial trazia informações a respeito, e a população da região onde se desenrolou o conflito era vigiada e intimidada para não revelar o que sofreram e testemunharam naqueles anos de 1972 a 1975.
Mas tais documentos, que se acreditavam destruídos, existiam. E boa parte deles estava em mãos de militares, inclusive oficiais, envolvidos na repressão ao movimento. Mapas, memorandos, ofícios, alguns sem timbres oficiais mas devidamente carimbados por uma das forças militares (Exército, Marinha ou Aeronáutica) ou das polícias Militar e Federal foram sendo trazidos à luz, embora alguns tivessem sua legitimidade questionada.
Também surgiram relatos dos comandantes da guerrilha, como o “diário do velho Mário”. Mário era o nome de guerra de Maurício Grabois, o mais importante e experiente militante comunista presente no Araguaia. O diário, no entanto, era apenas uma cópia reescrita por suboficiais a mando de um dos chefes do Exército; o manuscrito original teria sido incinerado. Embora seja um documento importante, carece de análise aprofundada e de cruzamento de informações para que se ateste sua veracidade. Como documento histórico, só terá validade se o manuscrito original aparecer.
De qualquer forma, esses documentos ajudam a montar o violento mosaico que significou a ação militar até o processo final de limpeza da área, em 1975, quando os corpos dos guerrilheiros foram retirados dos lugares onde haviam sido mortos ou enterrados – outra tentativa, assim como o silêncio imposto à população local, de apagar qualquer vestígio da existência do conflito.
Informações importantes também têm sido obtidas através de moradores da região, desde que a juíza Solange Salgado determinou a busca dos corpos dos guerrilheiros e desde que o Ministério da Defesa organizou o Grupo de Trabalho Tocantins, em 2009.
Mas hoje, quase três décadas depois, quais seriam as consequências desses depoimentos e do aparecimento dos documentos? Além de facilitar as pesquisas sobre o assunto partindo de bases documentais, mesmo com eventuais erros e desinformações, essas pistas nos ajudam a entender a estratégia dos militares e sua visão do desafio que tinham pela frente. Assim, podemos comparar essa visão com a opinião expressa pela organização de esquerda que organizou a guerrilha, mais difundida.
A abertura de arquivos e a publicidade de toda a documentação corresponde ainda a um direito que nós, historiadores, temos de registrar fatos importantes das lutas do povo brasileiro. Corresponde, mais que isso, ao direito que as famílias daqueles que morreram no combate têm de saber o que aconteceu com seus parentes, qual seu paradeiro ou o de seus restos mortais.

IMAGENS:
1. Capa Aventuras da História nº 95, junho de 2011

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