sexta-feira, 30 de outubro de 2020

O PODER JOVEM

Desta feita minha abordagem semanal será sobre o PODER JOVEM. Aproveito para fazer uma espécie de homenagem à minha geração, que na década de 1980 fez história, e não estou aqui me referindo ao curso que eu fiz. Mas porque efetivamente nos engajamos, fomos à luta e ajudamos a derrubar uma ditadura militar perversa que fez de 21 anos uma longa e tenebrosa noite. Nós fomos protagonistas desse processo. Por isso direciono essas palavras em primeiro lugar para meus companheiros e companheiras de luta, os que comigo participaram do movimento que criou a tendência estudantil VIRAÇÃO, mas também aos que estiveram nos embates conosco, embora divergindo em questões ideológicas e estratégias. Porque tínhamos bem claro o objetivo de derrotar um governo nefasto e criminoso, cuja prática abominável da tortura fez-se rotina nos porões e subterrâneos de seu sistema de vigilância e informação. Vigilância contra os que ousassem se opor aos seus crimes. 

E nós fizemos isso, com muita dedicação e até mesmo sofrendo consequências cruéis desse nosso engajamento, tanto em defesa de nosso país, como o que acreditámos ser o caminho para construir um outro tipo de sociedade, mais justa e igualitária: o socialismo. Combatemos o bom combate, e fomos vitoriosos, embora o que se seguiu depois não fosse necessariamente o que desejássemos. Por isso cunhei uma frase que insisto em repetir, porque pode ensinar as novas gerações: “Acreditávamos ser real, o que era um ilusão”. Me refiro especificamente, por um lado ao preconceito latente, mas submerso, existente na sociedade. E por outro lado ao equívoco de se deixar de lado a compreensão de que a nossa sociedade é construída sobre uma luta de classes, que dá a necessária dimensão da existência real das estruturas do sistema capitalista e de como ele funciona.

Minha outra homenagem é para a geração atual, esta que sofre nesses tempos de perversões e retrocessos, de ódios e de intolerâncias, num movimento que minha geração não previu, da ascensão ao poder de mentes estúpidas, de extrema-direita, defensores de ditaduras, torturadores, milícias e exterminadores de conquistas e direitos adquiridos com muita luta. Essa juventude de hoje carrega esse peso, de uma responsabilidade diferente da nossa, mas talvez de uma dimensão bem maior. Porque a minha geração pegou um movimento que estava embalado ao favor das forças progressistas, ao contrário dos dias atuais. E, em nome dessa juventude de hoje, faço a homenagem ao meu filho, IAGO MONTALVÃO OLIVEIRA CAMPOS, Presidente da combativa, representativa e destacada UNIÃO NACIONAL DOS ESTUDANTES. Evidente que falo isso com muito orgulho, por ele ser meu filho e por eu também ter sido, com muita honra, diretor dessa entidade, entre os anos 1984 e 1986, período de intensa lutas em defesa da democracia e das nossas liberdades individuais e escolhas.

O título, O PODER JOVEM, eu me apropriei indebitamente, de José Artur Poerner. Esse livro foi um dos que eu li com mais sofreguidão, lá no começo da minha militância no movimento estudantil. Ele foi para mim uma referência histórica importante, porque eu quando entrei na universidade pouco conhecia da luta da juventude. Posto que eu era um jovem alienado, como a imensa maioria daquela juventude de minha época, final da década de 1970 e começo dos anos 1980, contido pela censura e pelas repressões das estruturas militares. 

Apesar de eu ter vindo dos movimentos das comunidades eclesiais de base, naquele momento em que ingressei na universidade, meu ímpeto era mais religioso do que político. Exatamente em 1981, quando o livro de Leonardo Boff foi lançado, “O caminhar da Igreja com os Oprimidos”, eu vivia a minha transição, da militância na igreja para a militância comunista. Mas esse livro foi essencial também em minha formação e me fez manter até hoje o respeito por esse segmento progressista da igreja católica, a Teologia da Libertação. Exatamente por isso, embora tendo me tornado ateu, nunca fui de agredir ou atacar seja símbolos ou os valores religiosos. Porque eventualmente esse pode ser apropriado por pessoas sem caráter, mas existem muitos de boa fé, que conseguem se manter firmes na disputa para que as crenças não se tornem objetos de fanáticos perversos. O que, infelizmente nos tempos atuais, está acontecendo.

Mas, voltando ao PODER JOVEM. Por que da identificação de minha conversa aqui com esse livro? Naturalmente há uma relação intrínseca. Faço isso porque o que pretendo aqui é exatamente reforçar a importância do papel da juventude na luta pelos direitos sociais, contra as desigualdades, por liberdade e democracia. Por uma verdadeira democracia, não esta em que vivemos, com uma desigualdade estúpida, onde 1% da humanidade controla mais de 90% da riqueza. Isso não é democracia, é plutocracia. 

O que POERNER descreve por todo o seu livro é exatamente a essência do título, o poder da juventude. Ele vai buscar fatos históricos ainda no século XIX e adentra o século XX apontando o quanto foi importante em momentos cruciais de nossa história o papel e o engajamento da juventude. O surgimento da UNIÃO NACIONAL DOS ESTUDANTES, a gloriosa UNE, foi consequência desse protagonismo da juventude, e a partir de sua criação a organização e força da juventude se ampliou consideravelmente, tendo nas universidades os alicerces que sustentaram essas lutas. Secundadas, mas não com menos importância, pela UNIÃO BRASILEIRA DOS ESTUDANTES SECUNDARISTAS – A UBES.

Foram muitos momentos na história política do Brasil em que a participação da juventude, organizada, se deu com muita força e tornou-se essencial em muitas conquistas. Na luta contra o nazifascismo; em defesa do petróleo e da criação da Petrobrás; na defesa da legalidade quando na tentativa de impedir a posse de João Goulart; na oposição firme à ditadura militar, com muitas de suas lideranças sendo presas, torturadas e assassinadas; e em defesa de nossas liberdades. Sempre a juventude esteve na linha de frente, aguerrida e corajosa.

Pois bem. Esse momento terrível em que estamos vivendo, como costumamos dizer é apenas uma fase que será superada, mas isso pode ocorrer para mais ou para menos  tempo do que o desejável. E pode tornar pior uma situação que já é degradante socialmente. Afinal, temos um governo destruidor das conquistas sociais, incentivador do armamento, pusilânime com as milícias, intolerante politicamente e estimulador de ódios e preconceitos. Tudo vai depender da capacidade de reagir com indignação contagiante e rebeliões explícitas que façam como tem feito o povo chileno, e como fizemos por aqui em outras situações.

Claro que a situação exige prudência, a pandemia segue ceifando vidas e a juventude não é invulnerável. Enquanto não tivermos uma vacina não se pode subestimar a capacidade destruidora desse vírus. Deixemos essa exposição suicida para os negacionistas estúpidos. Mas está em jogo não somente testar a paciência dessa juventude. Está em jogo o seu futuro. Estamos vendo ser destruídos mecanismos sociais minimamente necessários para conter a ampliação das desigualdades. A previdência social já foi implodida, os direitos previdenciários para as novas gerações não são mais os mesmos que conquistamos com a Constituição de 1988, e até mesmo por conquistas anteriores. Os contratos de trabalho, que afetam e afetarão as novas gerações estão sendo implementados após uma reforma trabalhista que só veio para beneficiar os proprietários dos meios de produção. E para piorar, assistimos a uma destruição da estrutura educacional de nosso país, que já era frágil apesar das lutas e conquistas obtidas na primeira década deste século.

Assistimos a uma destruição talvez da mais importante estrutura de estado para a construção do futuro das novas gerações. Tudo isso a pretexto de uma guerra ideológica, cujo objetivo nada mais é do que extrair da juventude a capacidade de reação às investidas do fundamentalismo religioso, da ganância burguesa e da ânsia destrutiva dos banqueiros e latifundiários, que desejam ver seus projetos de enriquecimento sobrepondo-se perversa e criminosamente sobre uma população de pobres e miseráveis, e de uma juventude que verá seus sonhos destruídos em uma sociedade cada vez mais segregacionista e apartada.

Já falei em vídeos anteriores que vejo somente na organização social a condição de sairmos dessa triste situação. Mas dentre todas as formas de organização social, e de segmentos capazes de empunhar com força as bandeiras e instrumentos necessários para barrar essa destruição, está, como sempre esteve, a juventude, e suas entidades como a UNE  e a UBES. Infelizmente a pandemia e o distanciamento social, tragicamente, beneficia as loucuras de um governo que pouco se importa com a população, mas que se vê protegido pelo distanciamento da ira da juventude, impedida de ocupar as ruas nesse momento.

Mas quero finalizar, depois de enfatizar a importância que a juventude tem nesse processo, indicando que é fundamental usufruir daquilo que as redes sociais possibilita, para além dos algoritmos e das fake news, como forma de manter a juventude em estado de alerta, e utilizando dessas ferramentas para fortalecer as organizações estudantis, mesmo que virtualmente, para que, dessa forma, se espalhe e se acumule o sentimento de revolta contra as medidas destrutivas e restritivas que estão sendo impostas, principalmente às universidades, até com quebra de sua autonomia e democracia interna. Para que, no momento possível, essa revolta possa explodir pelas ruas, como já fizemos em outras épocas, impondo derrotas a fascistas e a uma extrema-direita defensora da barbárie que torturou e matou centenas de jovens que lutavam por seus direitos e por liberdades.

Não digo que somente a juventude será a responsável por dar uma guinada nessa situação de retrocesso político que o nosso país está vivendo. Mas ela é fundamental para inundar as ruas e praças de luta e de esperança, e restabelecer a razão em um país dominado pela estupidez, pelo ódio e pelo fundamentalismo religioso. Mais do que isso, que essa juventude possa criticamente ter a plena convicção que esse sistema, absolutamente perverso e desigual, não lhe dá garantia de futuro decente e que atenda a todas as pessoas. E compreendam, que como nós tínhamos sempre em nosso horizonte, é essencial construir a utopia, a crença de que podemos superar as loucuras geradas pelas crises sistêmicas capitalistas, e construir uma nova sociedade, para o futuro que obviamente representará o presente desta e das novas gerações.

Minha geração foi vitoriosas em nossas lutas políticas. Obtivemos muitas conquistas importantes que passamos a usufruir décadas depois da derrota da ditadura militar. Mas não pudemos ver a construção de uma estrutura social, tal qual sonhávamos, porque nesse caminhar muito daquilo que acreditávamos ser real, transformaram-se em miragens. Não pudemos ver mudanças radicais em uma estrutura social perversa, e isso possibilitou os retrocessos que nos angustiam e nos afligem. A juventude pós-pandemia não pode cometer os mesmos erros. Mas, infelizmente, a sua despolitização pode atrasar a construção de um novo caminho e a destruição desse castelo de horror no qual se transformou o governo de nosso país.

É urgente pensar como lidar com essa situação, agora e no pós-pandemia, tendo como foco a necessidade de ocupar as ruas e mais uma vez fazer ecoar o grito do PODER JOVEM, contra a tirania e o arremedo de ditadura que lunáticos implantar, e que pode se tornar uma realidade com um segundo mandato de governo que nos deixa até sem adjetivos para qualificá-lo. O futuro, que é uma construção, como nunca, está nas mãos da juventude. Que a UNE  e a UBES saibam construir uma unidade necessária entre suas diversas tendências, que seguramente se opõem a esse descalabro que aí está, e possam marchar para ocupar as ruas com organização e brandir com a ponta de seus lápis, os gritos de guerra que imponham derrotas a esse poder decrépito e desvairado que nos governa.

Evoé Juventude brasileira! Ave PODER JOVEM! Salve UNE e UBES. Organizem-se, lutem, enxerguem no horizonte a esperança, ou a velha utopia que nos ajuda a caminhar e a lutar. Por um mundo novo, por um outro mundo, onde suas gerações possam viver com dignidade.

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