Eu criei o Blog
Gramática do Mundo para me livrar de uma ansiedade que me acompanhava, e ainda
me acompanha, como consequência da perda de minha filha para uma doença
terrível, a leucemia. Mas tem um período do ano que encontro muitas
dificuldades de me debruçar sobre um teclado e fazer aquilo que me propus, com
a criação do blog, mas também algo que gosto muito de fazer desde quando
estudava no colegial: escrever.
Tenho muita
facilidade para isso, muito embora eu fuja do esquematismo acadêmico e da
necessidade de inserir infindáveis citações. O problema é que, por eu trabalhar
numa universidade, isso é como tentar fugir do Covid19. Praticamente impossível,
a menos que você se isole. E na verdade é exatamente isso que acontece. Pelo
menos dentro dos padrões que é exigido para que tenhamos uma pontuação desejada
em nossos relatórios acadêmicos. Não consegui me enquadrar nesse modelo, mas isso
é uma necessidade para as novas gerações de professores/pesquisadores. Não
quero, no entanto, entrar aqui nessa discussão, algo que já fiz em outros
artigos passados, principalmente quando estive na disputa pela reitoria da UFG.
Prefiro escrever
meus artigos em forma de crônicas, pois foi assim que idealizei esse blog.
Retomando o meu raciocínio inicial, quando eu falava da dificuldade em produzir
textos nos começos de ano, isso se deve às datas que remontam ao falecimento de
minha filha, a ligação com um período de intensidade das festas de finais de
ano e de datas de aniversários.
Este ano, no
entanto, a situação tomou outra proporção. Como estudioso e professor de Geopolítica
estive acompanhando desde o começo a proliferação desse vírus. Me preparando
para montar o meu plano de aulas da disciplina Geopolítica Contemporânea, e
sintonizado com as notícias principalmente que opunha a grande disputa
comercial, e geopolítica, entre China e EUA, me deparei com o despontar de um
vírus, que podia ser uma arma biológica/bacteriológica, mas que, como ocorreu
em outras épocas (Ebola, Corona I...), poderia indicar um forte impacto na
economia mundial, na medida em que isso se iniciava pelo país que hoje é o
motor da economia do mundo, independente de o vírus ter sido fabricado, ou não.
Sim, porque essa dúvida me acometia, e se assim fosse não seria novidade. Eu
poderia citar diversos exemplos, mas também não é esse o foco desse artigo.
Me limitei a
compartilhar postagens, artigos analíticos, que faziam referência ao vírus e
suas consequências, bem como às estultices que eram ditas por alguns dos - piores
- “líderes” mundiais, ou seja, presidentes de países importantes, como o dos
EUA, do Brasil, o primeiro-ministro da Grã-Bretanha. No entanto, embora com
toda a clareza da gravidade eu não conseguia elaborar um artigo que pudesse
transmitir a visão crítica que eu tinha, e naturalmente, por meus estudos,
permitiam compreender a gravidade do problema. Confesso, sem ainda compreender
toda a dimensão do quão grave seria a disseminação desse vírus.
Como tantos, no
começo imaginei que ficaria mais restrito à China, e que se seguiria uma crise
entre as duas maiores potências do mundo, com acusações mútuas de
responsabilidades. Isso está acontecendo, mas em outro patamar da situação.
Quem quer que seja que tenha criado esse vírus (deixando claro que cientistas
já afirmam que esse não é um vírus criado em laboratório) não tinha a dimensão
do seu poder de disseminação e de destruição das estruturas sociais, da
economia e dos Estados.
A partir de
determinado momento a minha ausência do meu blog se deu mais porque começou a
surgir uma enxurrada de artigos sobre o assunto, por vieses bem diferentes, e
foi crescendo gradativamente à medida em que se percebia esse poder destruidor
da doença causada pelo vírus. Sempre que imaginava escrever me deparava com um
artigo que expunha boa parte do meu pensamento, o que me fazia compartilhá-lo e
me dar por satisfeito.
Entre o bloqueio
que naturalmente me acomete em finais de ano, e o desespero crescente com o
aumento da epidemia (que ao meu ver demorou a ser considerada pandemia pela
OMS, creio que para evitar um colapso no sistema financeiro), fui tão somente
replicando análises que eu julgava conveniente e adequada para a compreensão
desse problema.
Um pouco aliviado
desse bloqueio, embora tenso e ansioso por conta da situação em que estamos
vivendo, em uma quarentena que nos deixa isolado e torna nossas relações mais
virtuais, procuro aqui entender não somente a maneira como olho para tudo que
está acontecendo à nossa volta, e no mundo, como também analisando alguns
artigos que, creio, extrapolam na abordagem das causas que geraram essa
situação. Naturalmente a origem do problema é o Corona Vírus, mas a forma de
sua disseminação se dá em função da maneira como vivemos nos dias de hoje,
tanto em cidades abarrotadas de gente, aos milhões, como também pela facilidade
de interconexão das pessoas por todo o globo, tornado mais acentuado pela
globalização.
Mas o problema não
é a globalização. Até porque ela é parte de um processo que se inicia com as
revoluções comerciais, quando as navegações possibilitam aos europeus atingirem
todos os pontos do planeta e iniciarem um processo amplo de comercialização. Da
mesma forma, mais acentuadamente, a busca por matéria-prima impôs aos grandes
impérios correr para a África e América Latina, a fim de garantir a produção
industrial que fazia o mundo diferente no final do século XIX, num momento
denominado por Lênin, de Imperialismo. Mas cada um desses momentos seguiam um
curso praticamente inevitável de ampliação dos contatos entre os territórios
habitados, por toda parte do mundo, e a partir das revoluções burguesas
transformados em Estados-Nações. Isso não se deu de maneira rápida, mas ao longo
de pelo menos três séculos, até se consolidar ao final da primeira guerra mundial.
Desde as
revoluções comerciais até o momento em que surge o adjetivo “globalização”,
como uma das formas encontradas por escolas de economia de países chaves na
estrutura do capitalismo mundial, o que havia como uma própria necessidade de
aceleração sistêmica era um forte crescimento do comércio entre nações. Originando
daí o termo “internacional” (entre nações). Esse movimento segue seu curso
também para o movimento dos trabalhadores, mudando o foco do objetivo desses
contados entre nações em ritmos crescentes. Com a criação da Associação
Internacional dos Trabalhadores, transformada depois na Internacional Comunista,
a frase marcante final do documento que lança esse movimento e se transforma no
texto mais lido do mundo depois da bíblia, elaborado por Karl Marx e Friederich
Engels foi/é: “proletários de todos os países, uni-vos” (O Manifesto Comunista).
Assim, enquanto a burguesia propugnava pelo estreitamento das relações entre as
nações e o encurtamento da distância para as mercadorias além-fronteiras, as
lideranças socialistas pregavam a necessidade de a classe operária se internacionalizar,
no sentido da aliança de classes e da unificação para combater a exploração
capitalista.
Quando surge, o
termo globalização tem um objetivo estratégico e ideológico. Era para se contrapor
ao que o mundo ocidental capitalista pregou ao longo de décadas, afirmando que
os países socialistas pregavam o isolamento e impediam a sua população de
transitar livremente. Evidente que essa situação foi causada por um bloqueio,
fruto da estratégia adotada no pós-guerra, saído dos escritos de um estrategista
estadunidense, Nicolas Spykman (nascido na Holanda e se naturalizado estadunidense),
que buscava impor o isolamento aos países socialistas. O que já tinha ocorrido
no pós-primeira guerra, com o chamado “cordão sanitário”, vai acontecer de
forma mais eficaz após a segunda guerra mundial, com a teoria do Himland e a
estratégia da contenção. Assim, o mundo socialista ficou isolado, e se isolou
também como uma defesa aos ataques que sofriam e para se proteger das ações
geradas pela nova estratégia adotada pelos EUA e seus aliados europeus.
Quando desabam as
estruturas dos países socialistas, principalmente da antiga União Soviética, o
termo globalização passa a sugerir a vitória do capitalismo, naquilo que é da
sua essência desde os primeiros escritos dos principais teóricos liberais,
quando propuseram a livre circulação de mercadorias: “Laissez-faire,
laissez-passer, le monde va de lui-même” (deixai fazer, deixar passar que o
mundo anda por si mesmo). Ideologicamente essa terminologia passa a ter um
significado forte para o capitalismo, a burguesia, e para os seus intentos, que
foram aplicados e tornados efetivos para os seus interesses, malgrado todos os
resultados maléficos para as pessoas que não possuem patrimônio, riquezas pessoais
e não fazem parte do pequeno grupo daqueles que controlam os meios de produção.
Mas sempre foi assim, desde a revolução comercial, da internacionalização com o
advento do imperialismo e da globalização. O que muda, além do tempo e das
condições como isso vai se desenvolver, são as transformações tecnológicas que
possibilitam o encurtamento das distâncias e o aumento das relações entre os
estados nações, com deslocamento acelerado do dinheiro, das mercadorias e das
pessoas.
Mas é equivocado
atribuir ao Corona Vírus a denominação de “vírus da globalização”. Porque ao
meu ver a globalização entrou em outra fase, em que a oposição feita a ela hoje
parte daqueles países que elegeram governantes de extrema-direita, com viés
autoritários e de defesa de um nacionalismo extremo e isolacionista, que mais
se assemelha aos objetivos propostos pelo nazi-fascismo, e o estabelecimento de
uma política fechada com um estado forte para atender aos interesses da classe
dominante, das grandes corporações e da burguesia financeira, na concessão de
benefícios e benesses.
Ademais, não é a primeira
vez, nem a última que um vírus, ou bactérias, se disseminam pelo mundo. Hoje de
forma mais acelerada, como já disse, pela facilidade de deslocamento das
pessoas. Mas populações aborígenes na América foram dizimadas por vírus de
gripes, isso bem relatado no livro de Jared Diamond, “Armas, germes e aço”.
Assim como a peste bubônica se espalhou intensamente pela Europa, eliminando um
terço da população europeia. Ou uma das mais perversas epidemias, a “gripe
espanhola”, que no âmbito da primeira guerra mundial matou dezenas de milhões
de pessoas, espalhando para o mundo a primeira versão do vírus influenza.
Mas é correto
afirmar, essa é minha opinião, que esse e tantos outros vírus e bactérias que
disseminam entre nós, em nosso corpo e externamente, espalhando-se e nos contaminando
em nossas relações sociais, são consequências do estilo de vida criado pelas
estruturas de um mundo capitalista que concentra uma quantidade enorme de
pessoas em cidades, em muitos casos com péssimas estruturas de higienes para a
maioria das pessoas e destrói aceleradamente a biodiversidade do planeta.
Sendo, portanto, assim, causado pelo sistema capitalista, em sua perversidade
gananciosa e usurária, e com o advento da globalização pelo uso de políticas
cada vez mais antissociais, denominadas de “neoliberais”, pelas quais o Estado
não deveria interceder no controle da economia. Contrapunha-se assim,
principalmente aquele estado fundado nos preceitos do “Walfare State” (estado
de bem estar social), que mesclavam a partir de teorias keynesianas políticas de
mercado com o controle e planejamento estatal, de forma a garantir uma
sustentabilidade social que possibilitasse ao consumo não ser travado, agindo
como um mecanismo de impedir as recessões econômicas, e caso isso ocorresse,
que as populações mais pobres não ficassem mais fragilizadas.
A destruição do Estado
e sua redução ao mínimo que atendia ao interesse dos empresários e corporações,
deixando a população entregue à esses mecanismos pérfidos gananciosos, retirou
do poder estatal a possibilidade de lidar com mais eficácia com pandemias e
tragédias que abalam as populações de uma grande cidade, de uma região, de um
país ou do mundo todo. Apesar da criação de organismos que surgiram com o fim
de proteger essas camadas, nos últimos anos o que se viu foi exatamente a
destruição dessas estruturas, a partir da eleição desses governos de
extrema-direita, mas embalados pelas teorias neoliberais. A junção dessas duas
perversidades é que nos deixa nessas condições de fragilidades no enfrentamento
dessas tragédias, que ao passar seus picos, seguem afetando as populações pobres,
tornando-se normalidades na lógica cruel dos mecanismos de concentração de
riqueza capitalista.
A Covid19 não é
uma doença da globalização. É uma doença do Estado mínimo, das pérfidas
políticas neoliberais da redução de recursos para setores importantes como
saúde, educação e desenvolvimento cientifico e tecnológico. Neste último caso
sendo investidos recursos somente naqueles setores responsáveis pela
disseminação da guerra e da busca por medicamentos que não reduzem as doenças,
mas as tratam como forma de enriquecer grandes corporações e uma burguesia insensível
e igualmente perversa. Seu combate deve se dar no âmbito daquelas lutas
preconizadas pelo movimento dos trabalhadores do século XIX, em palavras de
ordem e desejos de transformações ainda atuais: trabalhadores de todo o mundo,
uni-vos.
O que virá depois
do Novo Corona Vírus é impossível dizer, embora possamos deduzir com base
naquilo que já conhecemos da história (“A história é um profeta, com o olhar
voltado para trás. Pelo que foi e contra o que foi, anuncia o que será” –
Eduardo Galeano). Mas ai entra a geopolítica, para, com base na análise das
estratégias adotadas no combate ao vírus, das suas consequências na economia
mundial e na forma como algumas lideranças governamentais sairão dessa crise,
procurarmos saber como as peças do xadrez mundial serão mexidas, alterando, ou
não, a ordem mundial estabelecida atualmente tendo como grande potência hegemônica
os EUA. O que virá depois de tudo isso, ainda não pode ser dito, mas é possível
imaginar, e para isso nossos estudos e pesquisas tornam-se importantes, para
que nossas análises não se prendam ao olhar dos acontecimentos fugidios, fluídos,
mas da identificação de quem saberá lidar melhor com esse problema e gritar
primeiro: xeque-mate!!
Voltarei a esse
assunto, na sequência, sempre olhando para adiante, com um olhar bem atento ao
que acontece à nossa volta. Acho que rompi o bloqueio. Voltarei, e quando retornar provavelmente o novo epicentro da doença deverá ser os EUA. Em seguida o Brasil e daí para a África, talvez em sua etapa mais perversa na destruição das pessoas. Vamos acompanhando, em quarentena, e torcendo para estarmos errados em nossas previsões mais sombrias.
Grande historiador Romualdo, uma excelente "introdução" sobre essa pandemia que, efetivamente trará grandes consequência para a política, geopolítica, ciência e relações sociais. Parabéns, "velho" Muka.
ResponderExcluirFui sua aluna no Iesa há 13 anos e está sendo muito inspirador ler seus artigos, é como se eu voltasse no tempo em suas aulas. Parabéns pelo trabalho foi muito bom tê-lo encontrado nesse blog, seus textos contribuirão muito para análise da nossa realidade
ResponderExcluirObrigado Lorenna. Seguimos tentando compreender esse mundo e as transformações nas quais estamos inseridos. Espero que vc continue lendo e interagindo aqui com suas opiniões. Um abraço do sempre amigo e professor, Romualdo Pessoa.
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