quarta-feira, 18 de novembro de 2015

SÍRIA: UM ESTADO FALIDO. MAS POR QUEM?

Por: Matheus Hoffmann Pfrimer[1] 
Há meses atrás, em entrevista para esse jornal, afirmei que a estratégia americana para o combate ao Estado Islâmico de armar os rebeldes na Síria corria grave risco de armar dissidências entre os rebeldes. O que se costuma chamar de rebeldes não se trata de um grupo monolítico que procura derrubar o regime de Bashar Al-Assad, mas sim uma pletora de grupos e movimentos político-religiosos com diversos interesses na luta ao regime.
Passados alguns meses do discurso oficial do presidente estadunidense Barak Obama anunciando a decisão pelo treinamento e armamento dos “rebeldes” na Síria e do exército iraquiano, nos cabe, então, fazer uma nova reflexão das consequências e resultados daquela decisão na conjuntura atual, tendo em vista o desenrolar dos últimos acontecimentos: crise humanitária, intervenção russa na Síria e o mais recente atentado em Paris.
É provável que parte do armamento oferecido pelos Estados Unidos ao exército iraquiano, e especialmente aqueles oferecido aos “rebeldes”, acabou nas mãos das milícias do Estado Islâmico. O documentário “Fugindo do Estado Islâmico”, muito bem apresenta várias evidências de que isso tenha realmente acontecido.  Adicionando a isso o fato de que a crise humanitária vem se aprofundando, o que se pode vislumbrar no horizonte à curto prazo é uma situação em que clérigos radicais islâmicos em países europeus consigam atrair a atenção de migrantes insatisfeitos bem como de nacionais europeus, principalmente aqueles não integrados e discriminados às sociedades europeias.
Para além das armas e intervenções, os estados europeus necessitarão colocar em prática uma enorme força-tarefa com intuito de integrar essa enorme leva de migrantes às suas sociedades. Porém, essa empreitada não será fácil, pois após os últimos atentados em Paris a tendência é que partidos da extrema direita, a exemplo do Front National de Marine Le Pen, ganhem maior influência sobre o eleitorado europeu. Tal acontecimento colocaria em cheque as políticas assistencialistas a imigrantes e estrangeiros e ofereceria oportunidade ao ressurgimento do nacionalismo radical.
Partindo do âmbito da política doméstica para o âmbito internacional, percebe-se que o conflito da Síria que inicialmente poderia ser caracterizado em seu início como uma Guerra Civil, ganha cada vez mais dimensões de um conflito internacionalizado. Cabe ressaltar que os conflitos acontecem com o intuito não apenas de combater um suposto “Estado Islâmico”, que ao final sequer pode ser considerado como Estado, já que não dispõe de reconhecimento oficial e jurídico da comunidade internacional.
O conflito gira em diversas órbitas de interesses. A intervenção russa não apenas combate as milícias do Estado Islâmico, mas em algumas circunstancias atacou postos de outras milícias rebeldes com o intuito de defender o regime de Al-Assad. A Turquia também atacou postos do Estado Islâmico, mas também se aproveitou da situação para atacar os separatistas curdos. As potências europeias e os Estados Unidos vêm apoiando parte dos rebeldes com o intuito de derrubar o regime de Al-Assad e derrotar os fundamentalistas do Estado Islâmico. É certo que há uma convergência em derrocar o Estado Islâmico, porém não há um alinhamento entre essas diversas partes envolvidas no conflito, o que o torna cada vez mais complexo e cheio de nuances.
As intervenções armadas podem ter efeito paliativo em curto prazo, mas estudos comprovam que em longo prazo sem que haja um comprometimento de desarmamento, estabilização e reconstrução, possivelmente a região em conflito continuará sendo assolada por problemas relacionados à ausência de infraestrutura básica à saúde, desnutrição, miséria etc... O que possivelmente ceifará mais vidas do que os enfrentamentos durante o conflito. Nas Relações Internacionais quando um Estado encontra-se em uma situação análoga, utiliza-se o termo Estado Falido... mas por quem?  
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[1] Matheus Hoffmann Pfrimer é Doutor e Pós-doutor em Geografia Política pela Universidade de São Paulo (USP) e professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Goiás (UFG). Artigo publicado no jornal O Popular, edição de 20.11.2015, pág. 14.

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