Por: Matheus Hoffmann Pfrimer[1]
Há meses atrás, em entrevista para esse
jornal, afirmei que a estratégia americana para o combate ao Estado Islâmico de
armar os rebeldes na Síria corria grave risco de armar dissidências entre os
rebeldes. O que se costuma chamar de rebeldes não se trata de um grupo
monolítico que procura derrubar o regime de Bashar Al-Assad, mas sim uma
pletora de grupos e movimentos político-religiosos com diversos interesses na
luta ao regime.
Passados alguns meses do discurso oficial
do presidente estadunidense Barak Obama anunciando a decisão pelo treinamento e
armamento dos “rebeldes” na Síria e do exército iraquiano, nos cabe, então,
fazer uma nova reflexão das consequências e resultados daquela decisão na
conjuntura atual, tendo em vista o desenrolar dos últimos acontecimentos: crise
humanitária, intervenção russa na Síria e o mais recente atentado em Paris.
É provável que parte do armamento oferecido
pelos Estados Unidos ao exército iraquiano, e especialmente aqueles oferecido
aos “rebeldes”, acabou nas mãos das milícias do Estado Islâmico. O documentário
“Fugindo do Estado Islâmico”, muito bem apresenta várias evidências de que isso
tenha realmente acontecido. Adicionando
a isso o fato de que a crise humanitária vem se aprofundando, o que se pode
vislumbrar no horizonte à curto prazo é uma situação em que clérigos radicais
islâmicos em países europeus consigam atrair a atenção de migrantes
insatisfeitos bem como de nacionais europeus, principalmente aqueles não integrados
e discriminados às sociedades europeias.
Para além das armas e intervenções, os
estados europeus necessitarão colocar em prática uma enorme força-tarefa com
intuito de integrar essa enorme leva de migrantes às suas sociedades. Porém,
essa empreitada não será fácil, pois após os últimos atentados em Paris a
tendência é que partidos da extrema direita, a exemplo do Front National de Marine Le Pen, ganhem maior influência sobre o
eleitorado europeu. Tal acontecimento colocaria em cheque as políticas
assistencialistas a imigrantes e estrangeiros e ofereceria oportunidade ao
ressurgimento do nacionalismo radical.
Partindo do âmbito da política doméstica
para o âmbito internacional, percebe-se que o conflito da Síria que
inicialmente poderia ser caracterizado em seu início como uma Guerra Civil,
ganha cada vez mais dimensões de um conflito internacionalizado. Cabe ressaltar
que os conflitos acontecem com o intuito não apenas de combater um suposto
“Estado Islâmico”, que ao final sequer pode ser considerado como Estado, já que
não dispõe de reconhecimento oficial e jurídico da comunidade internacional.
O conflito gira em diversas órbitas de
interesses. A intervenção russa não apenas combate as milícias do Estado
Islâmico, mas em algumas circunstancias atacou postos de outras milícias
rebeldes com o intuito de defender o regime de Al-Assad. A Turquia também
atacou postos do Estado Islâmico, mas também se aproveitou da situação para
atacar os separatistas curdos. As potências europeias e os Estados Unidos vêm
apoiando parte dos rebeldes com o intuito de derrubar o regime de Al-Assad e
derrotar os fundamentalistas do Estado Islâmico. É certo que há uma
convergência em derrocar o Estado Islâmico, porém não há um alinhamento entre
essas diversas partes envolvidas no conflito, o que o torna cada vez mais
complexo e cheio de nuances.
As intervenções armadas podem ter efeito
paliativo em curto prazo, mas estudos comprovam que em longo prazo sem que haja
um comprometimento de desarmamento, estabilização e reconstrução, possivelmente
a região em conflito continuará sendo assolada por problemas relacionados à
ausência de infraestrutura básica à saúde, desnutrição, miséria etc... O que
possivelmente ceifará mais vidas do que os enfrentamentos durante o conflito. Nas
Relações Internacionais quando um Estado encontra-se em uma situação análoga,
utiliza-se o termo Estado Falido... mas por quem?
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[1] Matheus Hoffmann Pfrimer é Doutor e Pós-doutor em Geografia Política pela Universidade de São Paulo (USP)
e professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de
Goiás (UFG). Artigo publicado no jornal O Popular, edição de 20.11.2015, pág. 14.
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