No final de 2015 o Programa
de Pós-Graduação em Geografia finalizou o prazo constante em seu edital para
novos cadastramentos de professores. Eu aguardei esse momento, embora
estivesse em dúvidas quanto a me credenciar, pelas críticas que tenho em
relação aos critérios adotados pela Capes, para avaliar aqueles que atuam
nesses programas, ou que desejam deles participar. Não é algo que nos motive
por questões salariais, muito pelo contrário, além de não propiciar nenhum
aumento em nossos salários, eleva, consideravelmente, nossa carga de trabalho,
na medida em que se ampliam nossas atividades ligadas à acompanhamento e
pesquisa dos alunos que orientamos e das aulas a mais que teremos que
ministrar. Mas é necessário e fundamental em nossa formação acadêmica, numa Universidade que
requer atividades no ensino, na extensão e na pesquisa. Muito embora não seja
preciso estar numa pós-graduação para ser um pesquisador. Mas a pós-graduação é um fator importante de fortalecimento da pesquisa, indubitavelmente, bem como pela necessária qualificação a jovens recém-saídos da graduação.
Como os critérios são estabelecidos
pela Capes, não cabe muito aos professores que coordenam o Programa, acrescer
outros critérios que garantam à inserção de novos doutores, principalmente os
oriundos de áreas, ou de subáreas, que não estejam contempladas no corpo de
professores. Mas é preciso haver flexibilidade, e uma preocupação com a
abrangência de áreas que são importantes à Geografia. Este é o meu caso, haja
vista não haver dentre os docentes que compõem a pós-graduação em Geografia
nenhum que atue com a Geopolítica. Evidente que reconheço a dificuldade da
flexibilidade, decorrente de critérios rígidos, mas creio haver certa burocratização,
e também pouca preocupação na identificação desse profissional, que possa vir a
completar o conhecimento geográfico, absolutamente frágil sem a inserção da
política, da geopolítica ou da geografia política, como queiram. Discuto esse
problema com meus alunos, no âmbito da disciplina Geopolítica, com base no livro
de Yves Lacoste, “A Geografia, isso serve em primeiro lugar para fazer a
guerra”, atualizado em 1985.
Evidentemente, sem cair no
anacronismo, percebe-se que pouco se alterou, de lá para cá, em termos dessa
preocupação. Até porque, seguimos sendo dirigidos por critérios que não foram
criados aqui no Brasil, mas são frutos da inserção da universidade brasileira
na lógica de uma nova forma de liberalismo, que atendesse às necessidades de um
mundo que se globalizava. Tanto quanto este mundo, a universidade também entrou
no processo de identificação dos melhores, não pela experiência ou pela
qualidade do que se produz, mas pela quantidade, tido como necessário para
forçar a produção. Ademais, era preciso fragmentar o conhecimento,
menosprezando nele determinados conteúdos por demais questionadores desse
modelo. Que, embora desgastado e fragilizado por seus erros em todo o mundo, se
mantém nas formulações das políticas educacionais brasileiras. Principalmente
no campo das pesquisas. Seus formuladores, e seus seguidores, naturalmente, são
frutos dessas mudanças, em curso desde o começo dos anos 1990, portanto, tempo
suficiente para que surgisse uma grande quantidade de novos doutores, formados
e adequados para implementar esses critérios, sem muitos questionamentos.
Principalmente, porque tudo isso é imposto com formas bem elaboradas, e crenças
inabaláveis, nesses métodos quantitativistas de medir quem são os melhores.
Compreendo que essa seja uma
condição de chegar-se à qualidade, através da quantidade, algo afirmado pelo
primado da dialética. Só que pela dialética, a alteração qualitativa, a partir
da mudança da quantidade, pode ocorrer também na redução dos elementos que
compõem uma dada matéria. No que se propõe em termos da política de
investimento na pesquisa e na pós-graduação, com tais critérios, desperdiça-se
muito e cria-se pouco, porque há um enrijecimento da capacidade criativa, presa
à burocratização e rigidez do sistema.
Dedico-me a analisar um caso
específico, embora isso seja apenas um mote para que eu possa, mais uma vez,[1]
estabelecer novos argumentos críticos ao tipo de universidade no qual nós
estamos metidos, uma redoma aparentemente bem protegida de novas alternativas
em um tempo de pouca criatividade e de ausência de debates e discussões sobre
outras possibilidades, e a necessidade de transformarmos muito do que produzimos
em conteúdos críticos quanto à realidade deste mundo e desse modelo em vias
falimentar. O caminho que seguimos é o da alienação, reforçado pela
fragmentação de conhecimentos, que perde em essência, quando o conteúdo
apresentado limita-se a dar respostas a um modelo que deseja ver resultados
imediatos em termos de quantidade, e pouco se valoriza, na qualidade daquilo
que se pesquisa e se produz. Embora haja diferenças quanto às áreas,[2] naturalmente,
esse formato faz escoar pelo ralo uma boa parte dos recursos que se investe, na
medida em que, muitas das pesquisas não terão visibilidade, não serão
publicadas em sua totalidade, pois o que importa é dividi-las em partes para
publicação em artigos, em revistas eletrônicas que tem
pouca divulgação. Salva-se de importante, na maioria dos casos, somente a
validade da qualificação, principalmente em nível de doutorado, o que mais
importa a quem está se qualificando.
Seguindo-se esses critérios
rígidos, impostos pela Capes, que por sua vez os copia de agências
internacionais, mas que são impositivos também nesse âmbito, e, repito, seguem
um modelo tornado necessário para acompanhar as transformações de um mundo que
se globalizava, a pós-graduação brasileira cresceu celeremente. Embora ainda
não tanto quanto o necessário, para atingir os números proporcionais a países
que se encontram em condições de desenvolvimento econômico bem inferior a nós.
E nisso, inclui-se também, a pesquisa. Portanto, não desconsidero a necessidade
de que haja um forte incentivo a esse crescimento. Mas critico a forma como isso
se dá, e até mesmo a desqualificação de áreas importantes para capacitar
criticamente quem está se qualificando (com perdão do trocadilho), de forma,
inclusive, a dar-lhe liberdade para que possa exercer a criatividade,
apresentar algo de novo, além de meras repetições baseadas em infinitas
citações já conhecidas por séquitos de especialistas naquela área. Pouco se
cria, muito se reproduz. Muitos diagnósticos e poucas proposições que sejam
alternativas aos modelos que se está investigando e criticando. Mas essas
também são exigências que se baseiam muito mais no argumento da autoridade, do
que na autoridade do argumento, na problematização, na busca pela identificação
de contradições que possibilitem questionar o que já foi apresentado e encontre
o caminho para identificar o que é novo. Por isso, outros critérios são
acrescidos, sempre quantitativos, do número de citações de seu trabalho. Isso
se tornou uma indústria, foge do objetivo central, garantir uma produção, em
alta escala, de pesquisas e trabalhos científicos que dê ao país visibilidade,
do ponto de vista da inovação, da capacidade crítica e da criatividade. Embora
os critérios de avaliação nesse ranking não fujam desses padrões, seria o caso
de se perguntar: se isso está dando certo, porque as universidades brasileiras
caíram no ranking dos países que compõem os BRICS?[3]
Aprofundei-me nesses comentários
sobre o modelo, porque ele está no cerne da crítica que faço aqui ao edital da
pós-graduação da unidade em que trabalho. Porque não é exclusivo dela. Mas ele
resultou, em larga medida, na minha exclusão e impossibilidade de entrar no
programa. Abriu-se uma vaga para a
área de humanas, que deveria contemplar a geopolítica, mas éramos dois
recém-doutores no Instituto. Abdiquei de concorrer, deixei caminho aberto para
um colega, bem mais novo, de idade e de universidade, mas com capacidade para
se destacar e com mais tempo a percorrer.
Tornei-me doutor recentemente, há
três anos. Depois de circunstâncias extremamente complicadas do ponto de vista
pessoal. No primeiro momento, no começo da primeira década deste século, tentei
ingressar na pós-graduação da Universidade de São Paulo. Também em Geografia.
Busquei como orientador o Prof. Dr. Antonio Carlos Robert Moraes, falecido
recentemente, seguindo uma linha de pesquisa que procurava identificar os
caminhos da ocupação do centro-oeste, no rastro das tropas e boiadas. No
entanto, a vida me impôs o primeiro sacrifício nesse caminho: interrompi esse
meu intento devido à doença de meu pai, que passou a sofrer e a se debilitar
celeremente com um câncer que o levou à morte. O fato de morarmos juntos, e
pela própria necessidade de, enquanto filho, acompanhá-lo nesse longo
sofrimento, me fez desistir naquele momento da pós-graduação.
Retomei o projeto de fazer o doutorado
em 2007, logo no primeiro semestre, quando eu finalizava minha gestão como
presidente da ADUFG (2005-2007). Desta feita em outra área da geopolítica, o
estudo dos conflitos pela água. Mas outra fatalidade, desta vez mais terrível,
porque alterava a ordem natural da vida: a doença de minha filha, desde meados
daquele ano, e o seu falecimento em dezembro, num fatídico dia 13, há oito
anos. Por muito tempo sucumbi a dor, e, afetado por depressão e enorme
tristeza, fiquei sem nenhuma projeção de porvir. Não havia ânimo para tocar
nenhum projeto.
Em 2010, estimulado por colegas
retomei o projeto de geopolítica das águas e entrei como doutorando na
pós-graduação da Geografia na UFG. Mas, outros percalços me fariam mudar de
projeto de pesquisa. Meu envolvimento com a equipe multiministerial,
encarregada de identificar os locais onde possivelmente estariam enterrados os
guerrilheiros do Araguaia, levou-me de volta à temática que eu havia trabalhado
no mestrado, e que originara um livro que se tornou referência na área, por ter
sido o primeiro fruto de uma pesquisa acadêmica sobre o assunto: a Guerrilha do
Araguaia.
Participação no Grupo de Trabalho Araguaia |
Nesse período, entre a minha
entrada no doutorado e a conclusão, pude reeditar meu livro que já estava
esgotado, ampliando-o e atualizando-o; tornei-me membro da Comissão de Altos
Estudos do Centro de Referência das Lutas Políticas (1964-1985) – Memórias
Reveladas, vinculado ao Arquivo Nacional; participei das expedições do Grupo de
Trabalho Araguaia, à região da Guerrilha e de diversos documentários sobre o
movimento guerrilheiro, alguns disputando com destaque mostra de cinema, como
no caso de “Camponeses do Araguaia. A Guerrilha vista por dentro”.[5] Outro, "Araguaia" foi lançado após ter sido apresentado na Mostra
de Cinema e Vídeo Ambiental (FICA 2015).[6] E, o documentário “Osvaldão”, já exibido nos cinemas.[7] Isso
pouco importa, em termos de “pontuação” nos critérios adotados. Muito menos a
experiência adquirida por longos anos de atividade e de pesquisa, com amplo reconhecimento
fora da universidade.
Como resultado desse meu
envolvimento, pude, já no decorrer da minha pesquisa, negociar a publicação do
meu trabalho em livro, o que se concretizou rapidamente, seis meses depois da
defesa da tese. Ter prosseguido na mesma temática deu mais visibilidade à minha
pesquisa e projeção ao meu livro. Mas aí entra outro elemento nesse formato de
pontuação exigida pela Capes, relacionado ao que publicamos. Inexplicavelmente,
livro perdeu a importância dentro desses critérios. Isso, ao meu ver, segue o
menosprezo à noção de totalidade, prevalecendo a fragmentação também do que se
é produzido, compartimentando-se uma tese para que a mesma possa ser publicada
em partes, garantindo número de publicação que possam ser devidamente
pontuadas, em um mecanismo que concede a um livro a mesma quantidade de pontos
concedida a um artigo Qualis A-1, ou dois artigos em periódico Qualis B-1.
O entendimento do todo, resultado
da pesquisa que partiu de uma tese e seguiu por caminhos complexos de
comprovação e/ou negação das hipóteses levantadas, quando há, naturalmente (ou pelo menos deveria haver),
fica evidentemente prejudicado.
Optei por publicar o livro, pois
sempre alimentei o desejo de ter livros publicados, influenciado pelo
aprendizado que tive com meu pai, que assinava seus livros com a frase “o amigo
dos livros”. Não quis dividir o resultado de minha pesquisa e isso resultou no
livro “Araguaia: depois da guerrilha, outra guerra – A luta pela terra no Sul
do Pará, impregnada pela Ideologia da Segurança Nacional (1975-2000)”.
No final de 2014, após dois anos da
2ª edição do livro “A Guerrilha do Araguaia – a esquerda em armas” este livro
mais uma vez se esgotou. Sua reedição foi finalizada no segundo semestre de 2015 e comprova
o sucesso do trabalho, que embora publicado por editoras de pouca penetração no
mercado, conseguiu ser reconhecido como pioneiro no tema e sempre procurado
pelos que desejam conhecer a história de um fato por muito tempo omitido
oficialmente.
Receio que esses critérios estejam
condenando ao ostracismo as publicações completas, dando mais importância a
livros organizados com diversos autores, semelhantes às revistas ou aos artigos
em periódicos. Mantém-se interessados em publicar livros aqueles que sempre
sonharam com isso, já que pelos critérios capesianos o melhor é fatiar em
diversos artigos o resultado de seu mestrado ou doutorado.
São questões polêmicas, mas que
devem ser debatidas, embora deva se considerar as diferenças de produção e de
trabalhos científicos entre as diversas áreas. Até por ser a universidade um
ambiente que deve necessariamente ser marcado pela polêmica, pelo debate, pelas
contradições, enfrentadas de forma civilizada e de maneira a possibilitar,
sempre, os questionamentos, de forma a tirá-la da mesmice que a tem
caracterizado nos últimos anos.
Essa rotina de permanentemente ter
que nos reinventarmos, já que nossa produção só tem validade por três anos,
leva ao esquecimento do passado, ou apenas a referências ocasionais em citações
de pé de página. Talvez por essa razão valha menos a experiência acumulada após
anos de atividades docentes, de conhecimento e participação nos destinos da
Universidade, do que a dedicação em se produzir artigos, que tem sua
importância a depender da relevância do trabalho que está por trás, mas que não
deveria, jamais, apagar o que o tempo consolidou na somatória de conhecimentos
adquiridos na junção de nossa vida acadêmica e de nossa vivência social.
Se precisamos a cada três anos nos
reinventarmos em novas produções, e isso deve fazer parte da renovação do
conhecimento, naturalmente, faz-se necessário também resgatarmos nosso passado,
pois ele é essencial para identificarmos nos tempos atuais mecanismos que
possam nos levar a evitar erros que porventura tenhamos cometidos.
Ou a corrigir rumos na Universidade, resgatando princípios e valores pelos
quais tanto lutamos. E que nos fez, sempre, repetir por todos os momentos de
embates e lutas que travamos: “UFG para que? E para quem?” (Ou, Universidade Pública para que? e para quem?).
Não sei se terei tempo para novo
cadastramento no Programa de Pós-Graduação em Geografia, mas já comuniquei meu interesse. Mas, embora com trinta anos de UFG não estou me
afastando da rotina desta Universidade, pretendo encarar outros projetos, que
possam, de maneira ativa e contundente, contribuir com as transformações que a
Universidade está precisando, não somente em termos de seu crescimento físico,
mas da necessidade de reviver dentro dela elementos que são fundamentais para a
formação de profissionais com visão crítica, focados na abrangência e
complexidade do mundo, e não somente nas exigências perversas do mercado. Mesmo
que esse seja um destino inevitável. Mas o mundo está a exigir muito mais
criatividade, inovação e discussão sobre os rumos que a humanidade tem pela
frente, e a Universidade deve ser um ponto de referência que possa nos fazer acreditar
que outro mundo é possível, ao invés de referendarmos uma lógica pautada em
consensos que nos impõem a aceitação de regras cujos valores já foram negados
em suas aplicações práticas. O conhecimento da Universidade, e a experiência
vivida, são fatores importantes para atingir esses objetivos.
[1]
Artigos publicados no Blog Gramática do Mundo
[2]
Segundo critérios
da CAPES: Ciências Exatas e da Terra; Ciências Biológicas; Engenharias;
Ciências da Saúde; Ciências Agrárias; Ciências Sociais Aplicadas; Ciências
Humanas; Linguística, Letras e Artes.
[3] http://www.valor.com.br/brasil/4126734/universidades-brasileiras-caem-em-ranking-entre-paises-do-brics
[4]
http://www.gramaticadomundo.blogspot.com.br/
[6]
Documentário “Araguaia”, será lançado no IX SEMINÁRIO MÍDIA E CIDADANIA e VII
SEMINÁRIO MÍDIA E CULTURA - http://ficufg.blog.br/semic/programacaosemic2015.pdf
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