Há uma guerra no
Oriente Médio. Há muito tempo. Promovida por grandes potências visando
desestabilizar governos com interesses estratégicos. Desde 2001, no pós 11 de
setembro, a estratégia dos EUA e aliados foi de derrubar governos de diversos
países. Sete, segundo o general Wesley Clark.[1]
A loucura disso tudo, além do absurdo de se intervir em países de forma
violenta, foi a estratégia de se deflagrar uma “guerra ao terror”, como se
fosse possível, numa guerra convencional, atingir inimigos invisíveis. Inimigos
esses gerados por um comportamento geopolítico, não somente da desestabilização
dos governos, mas da geração de uma quantidade enorme de pessoas vitimadas por
essas ações, de radicalidades crescentes na mesma proporção do ódio contra os
que invadiam seus territórios e destruíam suas vidas. Nesse ambiente horrível,
de bombardeios, destruições e humilhação de povos, germinaram e se fortaleceram
grupos sectários, que se espalharam por toda a região, potencializando-se com a
chamada “primavera árabe”, tornada um inverno tenebroso. Al Qaeda, Talibã, Al
Nusra e ISIS, ou Estado Islâmico, são criaturas geradas por estratégias burras,
ou não. Provavelmente, como diz o general, elas tenham sido criadas
intencionalmente, com o propósito de gerar o caos numa região rica em petróleo,
onde a democracia, seguramente, tornaria esse produto algo a ser fortemente
controlado por um estado nacional forte. Houve loucura nessa estratégia.
Os armamentos
adquiridos pelos grupos sectários que usam da barbárie e do terror não são de
tudo roubados. Boa parte foram conseguidos pelo financiamento dos países
ocidentais (inclusive os EUA), além da Arábia Saudita aos grupos que lutavam (e
ainda lutam) contra o governo sírio, entre esses a Al Qaeda e o Estado
Islâmico. Esses recursos foram enviados (e continuam sendo) através das
monarquias árabes aliadas (Arábia Saudita, Qatar etc.). Por todo esse tempo
ouvimos que os trabalhos dos jornalistas estavam sendo impedidos por ação do
ditador sírio. Na verdade, eram esses grupos sectários que estavam sequestrando
jornalistas, muito embora alguns , de fato, tenham encontrado dificuldades criadas pelo governo sírio, o que sempre acontece em meio a uma guerra. Sabe-se que pelo menos mais vinte jornalistas estão
desaparecidos. Há pouco tempo, por uma estranha intervenção do governo do Qatar
um desses jornalistas foi solto, demonstrando uma influência desse país com os
grupos terroristas que agem na Síria. Enfim, esse crescimento de ações de
barbáries, assassinatos e execuções em massa, e o fortalecimento desses grupos
sectários, são efeitos colaterais das guerras promovidas pelos EUA, seja diretamente
por meio de intervenções (Iraque e Afeganistão), ou indiretamente, por meio do
apoio a esses agrupamentos (Líbia e Síria). O Estado islâmico, assim como os Talibãs,
são criaturas pérfidas criadas para se constituírem em instrumentos a serviço
de interesses estratégicos dos EUA no Oriente Médio desde o período da guerra
fria. Para melhor conhecimento dessas estratégias estúpidas aconselho a leitura
do livro de Moniz Bandeira, "A Segunda Guerra Fria".[2]
Logo após o EI controlar boa parte dos territórios sírios e iraquianos, os EUA, e até mesmo a
Alemanha, defenderam o envio de armas para o Iraque, a fim de ajudar no combate
ao grupo sectário do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (o comércio de
armamentos bélicos é sempre uma boa saída para a crise econômica). Ou seja,
depois de armá-los para derrotar o governo sírio, pretendem agora armar os que
se opõem a eles para derrotá-los(?). Talvez não haja mesmo outra coisa a fazer,
já que enviar tropas incorreria na morte de soldados, impactando na opinião
pública. Mas o e feito colateral, esperado e inesperado, fortaleceu um monstro.
No entanto, as potencias ocidentais não assumem suas responsabilidades nesses erros crassos, de estratégias
absolutamente malsucedidas, e de escolhas completamente erradas. Como
porta-voz, uma mídia enviesada desinforma a população, criando comoções em
tornos de atentados que ocorrem em territórios europeus, e ao mesmo tempo ignora a
brutalidade como essas violências se abatem corriqueiramente contra países
asiáticos, no Oriente Médio e na África.
Atentado no Líbano em 12/11. pouca repercussão e nenhuma comoção |
Dois dias antes
dos ataques de Paris mais de cinquenta libaneses foram mortos em um ataque
terrorista assumido pelo mesmo Estado Islâmico, e mais de duzentas pessoas ficaram feridas. Não houve
comoção nem ninguém usando as cores da bandeira libanesa no facebook. Houve uma
tragédia, um crime abominável e monstruoso, patrocinado por grupos
intolerantes e fascistas. Mas os cidadãos franceses não podem ser tratados de
maneira diferente dos libaneses, líbios, iraquianos, afegãos, paquistaneses,
somalis, sudaneses... essa comoção ocidental esconde as origens desses
monstros. Portanto, é preciso mais indignação mas que ela não seja guiada pela seletividade da grande mídia.
A França está
pagando o preço de dominação e guerras imperialistas, o seu povo torna-se vítima dessas estratégias de dominação e espoliação. Esses monstros foram
criados por Estados Unidos e Europa. A maioria dos mortos por atentados
terroristas estão no oriente médio e África. Mas tragédias
nesses lugares só se tornam notícias quando seus povos, cansados de tanta
violência, fogem para a Europa. Mesmo assim somente 10% deles vão para os
países europeus. A maioria vive refém, em campos de refugiados, nas fronteiras
de seus próprios países.
Repercussão dos atentados terroristas em Paris - 13/11 |
Destruíram o
Iraque, o Afeganistão, a Líbia, agora a Síria. E de cada um desses países
saíram os grupos que estão assassinando pessoas no Oriente Médio, África, Ásia
e Europa: ISIS, Al Qaeda, Talibã, Al Nusra e tantos outros. A perversidade
desses grupos é algo monstruoso e horrível. Mas eles foram criados para
derrotar os que eram (e são) considerados inimigos dos EUA e dos países europeus. A estratégia para combatê-los, depois de tê-los criados, continua equivocada. Pois enquanto eles bombardeiam por
cima, e matam indiscriminadamente, o EI e a Al Qaeda recrutam parentes das vítimas
desses bombardeios por baixo. Essa loucura não terá fim sem uma estratégia
diferente, sem combates por terra, com o apoio da Síria, Irã, Iraque e Turquia, e deveria ser a ONU a comandar essa coalizão.
Ao mesmo tempo, não se pode
atribuir essas loucuras ao Islamismo de forma genérica. Também no cristianismo
existem setores fundamentalistas que adotam comportamentos fascistas e radicais
no ataque a costumes que fujam de seus dogmas. Basta ver as mudanças que estão
fazendo no congresso nacional. São os fundamentalistas que estão presentes em
todas as religiões, assim como na direita e até mesmo na esquerda.
"Quem com ferro fere, com ferro será ferido".
Colonialismo, arrogância, humilhação, apoio a grupos sectários para derrotar
seus inimigos, seguindo a lógica absurda de "o inimigo do meu inimigo é
meu amigo", a disputa por territórios estratégicos para os interesses
imperialistas, tudo isso, e muito mais, criaram essas aberrações e
possibilitaram essas ações terroristas. A religião, como sempre, é também um
elemento motivador dessa estupidez, controlada por um fundamentalismo cego e
tresloucado. O Brasil, certamente, não está no alvo dessas ações pois envolvem
aqueles países que se dedicaram em sua história a explorar as riquezas de
outros povos.
Dois milhões de sírios vivem em fronteiras com países vizinhos em campos de refugiados. |
Enfim, esses atentados
são absolutamente condenáveis sob todos os aspectos, mas a história não pode
ser esquecida em momentos de grande comoção. O que está se vendo é uma guerra.
Mas contra inimigos que só se fortaleceram desde 11 de setembro de 2001. E,
como sempre tem acontecido desde então, só aumenta o número de civis mortos
seja na Europa, como na Ásia, Oriente Médio e África. E que não se esqueça: o
número de mortes no Oriente Médio é infinitamente superior a esses de Paris.
E já que o Facebook disponibilizou cores da França para ser usadas em fotos do perfil, porque não disponibilizar também cores de
países onde há décadas sistematicamente acontecem atentados e genocídios, e em
alguns casos o próprio estado desapareceu? Somália, Sudão, Iêmen, Afeganistão,
Iraque, Líbia, Palestina, Líbano, Síria... e a Argélia, por sua história de
resistência ao imperialismo francês, e Ruanda, cujos facões utilizados para
massacrar quase um milhão de ruandeses por seus próprios compatriotas, foram repassados
por franceses. "Je suiz" todos eles. Solidariedade a todos os povos,
inclusive os franceses (e qualquer um outro vítima do terror de grupos ou de
estados), vítimas de terrorismos, invasões de seus territórios, genocídios,
barbárie, guerras e intolerância seculares.
A Paz é a unica
saída. Mas, com respeito à soberania das nações e às escolhas políticas dos
povos de cada país. E, acima de tudo, que a ONU tenha voz e seja protagonista
nesse processo, ao invés de um mero instrumento controlado por poucas
potencias.
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Vejam a seguir uma entrevista com o linguísta estadunidense, Noam Chomski, na TV Nacional Portuguesa em maio de 2015, sobre as origens do terrorismo no Oriente Médio.
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Vejam a seguir uma entrevista com o linguísta estadunidense, Noam Chomski, na TV Nacional Portuguesa em maio de 2015, sobre as origens do terrorismo no Oriente Médio.
[1]
Nessa entrevista de 02 de Março de 2007, o General Wesley Clark, aposentado de
4 estrelas do Exército dos EUA e Comandante Supremo Aliado da OTAN durante a
Guerra do Kosovo, relata um encontro com militares do Pentágono e a conversa
que se estabeleceu a respeito da guerra no Oriente Médio: https://www.youtube.com/watch?v=sCDRWEpz5d8
[2]
BANDEIRA, Luiz Aberto Moniz. A Segunda Guerra Fria. São Paulo: Civilização
Brasileira, 2013.
Fantástica análise
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