A Geopolítica foi por
muito tempo discriminada na geografia. As consequências da difusão das estratégias
geopolíticas de Haushofer e sua assimilação por Hitler, e o expansionismo
nazista inspirado em seus ensinamentos, a manteve afastada da academia, só
sendo resgatada com a obra de Yves Lacoste, “A Geografia, isso serve em
primeiro lugar para fazer a guerra”. Prevaleceu por todo esse tempo, em
especial aqui no Brasil que recebeu forte influência da escola geográfica
francesa, as idéias de Vidal de La Blache. O estudo da região se impôs sobre o
território. Com isso, a visão de estratégia, elemento essencial para
compreender as decisões dos Estados-Nações, bem como a maneira como olhamos o
mundo e as decisões políticas, ficaram reféns dos aparelhos de Estado. Enquanto
isso, nas universidades, pouco se utilizava da geopolítica. O advento da
Geografia Crítica possibilitou que essa situação se revertesse, trazendo a
necessidade da reinserção da política nas abordagens da Geografia, como forma
de entendimento do processo de ocupação do espaço.
A “Globalização” e as
transformações pelas quais o mundo passou a partir da década de 1990 impôs mais
ainda, com muita força, a importância da análise geopolítica para compreender
toda a dinâmica de um mundo que se movia conectado, e a virtualidade das novas
tecnologias, via internet, acelerava a importância de se compreendermos essas
mudanças, acompanhá-las e nos adequarmos a elas. Nunca a necessidade do
conhecimento estratégico se tornou tão importante, não somente para os estados
maiores, como falava Lacoste. Nos negócios, nos embates cada vez mais
corriqueiros de um mundo multipolar, nas alterações das alianças globais e dos
surgimentos dos blocos regionais, nas guerras travadas não somente pelos
métodos tradicionais, mas até mesmo no âmbito da Organização Mundial do
Comércio. Planejamento, estratégia, habilidades políticas, domínio do terreno
em que se está atuando, capacidade de conhecer o seu adversário, oponente ou
concorrente, por tudo isso, e muito mais, o milenar livro de Sun Tsu, “A Arte
da Guerra”, constituiu-se em um best-seller. E, assim, no âmbito da Geografia, das
Relações Internacionais e da Ciência Política, o entendimento da Geopolítica e
das teorias clássicas dos mais importantes geopolíticos, teóricos ou
estrategistas, se tornou nos dias atuais essencial.
Por tudo isso, o
conhecimento se tornou uma arma vital no mundo contemporâneo. Seguindo-se os
ensinamentos de Sun Tsu, se perceberá a importância disso. É preciso
conhecer-se a si mesmo, mas isso não será suficiente se não conheceres teu
oponente. Isso se aplica nos mundos dos negócios, e, principalmente, na guerra.
Por isso, nos últimos anos se têm valorizado tanto aqueles que se destacam com
capacidades cognitivas e raciocínios rápidos. Assim, para se destacar uma
liderança política, jovens que frequentam escolas com perfis de excelência são
visados para serem cooptados com esse objetivo, bem como aqueles que possuem
qualidades destacadas na relação com as tecnologias modernas, sejam bons
matemáticos e lidem com facilidades com o mundo cibernético. São alvos
potenciais de agências de inteligência, mas também do mundo dos negócios, por
meio das mais destacadas corretoras que atuam no sistema financeiro.
Vemos hoje que não se
busca identificar jovens com capacidade crítica, o conhecimento que se deseja é
aquele que se pode adequar aos objetivos estratégicos, devidamente planejado,
desses setores listados. Essa é uma nova face do capitalismo, do mundo
globalizado, e das disputas no mundo cibernético. Na política, na guerra, nos
negócios.
O mundo passou a ser,
portanto, um campo de disputa global. E, como numa guerra, e é uma guerra, no
entanto, os mesmos mecanismos adotados nos confrontos bélicos, são utilizados
no mundo dos negócios e das finanças. E, na arte da guerra, estratégia e tática
são fundamentais, mas, especialmente, o conhecimento do seu oponente. E para
isso se acentuou no pós-guerra fria, por incrível que pareça, o número de
espiões e ações de espionagem, tanto estatais, como terceirizadas, por meio de
empresas sofisticadas que agem a serviço de grandes corporações e de países. Vamos abordar
alguns elementos do crescimento da espionagem no mundo.
Nunca se espionou tanto no mundo quanto
nos dias atuais. Essa característica, da espionagem, se intensificou mais
durante a guerra fria, pela própria característica desse tempo, em que duas
grandes superpotências disputavam a hegemonia mundial agressivamente, mas sem
jamais chegarem a um confronto direto. A espionagem tornou-se o elemento mais
forte nessa disputa e levou a embates espetaculares, gerando a partir disso uma
literatura farta e amplamente lida. Os maiores Best Sellers tem em suas listas
as presenças frequentes de ex-agentes que se dedicaram a relatar em romances
eletrizantes o mundo da espionagem. Dentre estes se destacam John Le Carré e
Ian Fleming.
A globalização amplia isso em
proporções inimagináveis. Não somente em ações que visam obter informações dos
Estados Nações, mas tanto nos embates entre as grandes corporações, pela busca
de segredos e dados sobre novos produtos em disputas hercúleas pelo mercado,
como também na chamada guerra contra o terror, de todos os lados, mesmo dos
grupos terroristas, que agem nos dois aspectos, tanto fisicamente quanto por
meio de ações cibernéticas. É possível imaginar uma ação como o ataque ao World
Trade Center, sem uma ação de espionagem desenvolvida por vários anos de
preparação, com informações detalhadas dos alvos e a sistematização de todos os
passos a serem dados nos sequestros dos aviões?
Esse é apenas um exemplo, de um mundo
que cada vez mais se caracteriza pela obsessão em atingir a privacidade alheia.
Em todas as dimensões, somos permanentemente vigiados, e, seguramente, o
advento da internet, e a espetacular transformação tecnológica incessante com a
criação de aparelhos sofisticados, que se tornam cada vez mais minúsculos, essa
bisbilhotagem passou a se constituir em um forte investimento econômico,
possibilitando o surgimento de uma verdadeira indústria da espionagem. O
ciberespaço, usado cada vez mais por um número crescente de pessoas, com o
aumento do numero de usuários das redes sociais, passou a ser também o ambiente
de uma verdadeira guerra, não tão fria como no passado, mas que envolve cada
vez mais jovens especializados em invadir ambientes virtuais alheios. Sequer as
próprias agências de espionagem escapam dessas investidas.
A contraespionagem, por
outro lado, também sempre se fez presente, desde tempos milenares. Infiltrar
espiões em meio às tropas inimigas sempre foi uma tática adotada desde os
enfrentamentos no mundo antigo. Em uma época em que a comunicação era limitada,
somente com a presença de elementos que pudessem repassar informações sobre o
poder do inimigo era possível se ter o conhecimento da capacidade do oponente.
Mas, quando esse espião era descoberto, nem sempre era eliminado. Procurava-se
cooptá-lo, oferecendo-lhe não somente a vida, que seria poupada, como se cobria
os valores que ele recebia. Assim, esse espião repassava informações falsas
para o seu país, ou seus comandantes, e entregava as medidas adotadas para
atacar o adversário, para o qual então ele passava a espionar. O que muda nos
tempos atuais são os instrumentos pelos quais esse tipo de guerra nas sombras
se desenvolve, com o desenvolvimento de tecnologias que possibilita uma outra
guerra ser travada, agora no mundo virtual, cujo objetivo é decifrar códigos e
mensagens criptografadas para se conhecer os segredos inimigos.
Tanto quanto a contraespionagem,
a contra-inteligência tem o objetivo de atingir o adversário naquilo que se
torna fundamental nos dias atuais: o segredo.
E impedir que o inimigo tenha acesso a informações estratégicas
importantes. Por isso a adoção de códigos e mensagens criptografada. Contudo,
nos dias de hoje, com a disseminação de jovens que se dedicam a uma verdadeira
guerrilha virtual, os hackers, boa parte das agencias de espionagem buscam
também cooptá-los. Alguns dos hackers mais procurados do mundo, terminaram por
se constituírem em elementos chaves na área de contra-inteligência.
As descobertas tecnológicas são irrefreáveis.
E, por mais paradoxal que possa parecer, os avanços de novas tecnologias estão
diretamente ligadas à indústria da guerra. O que mais alimentou a Guerra Fria
foi exatamente a corrida armamentista e a corrida espacial. Ambas propulsoras
das sofisticações tecnológicas. Se não no campo dos embates diretos, como numa
guerra, acontece também na procura por descobertas que se tornem instrumentos
de dominação e de controle. De domínio no âmbito das inovações tecnológicas. A
inteligência artificial é uma espécie de caminho natural da sequência do
processo de robotização da sociedade, uma eterna jogada de deus que acomete
sempre os seres humanos, principalmente quando motivados por questões
relacionadas ao Poder.
Os Drones representam uma nova
estratégia de combater rebeldes em toda parte do mundo, os inimigos externos,
identificados como perigosos ao Estado conforme a Doutrina de Segurança
Nacional, na qual Bush se baseou para criar o Patriot Act, derrotado esta
semana no Congresso dos EUA devido aos escândalos de espionagem denunciado por
Edward Snowden. São utilizados na eliminação direta, ou na espionagem para identificar
esses inimigos e eliminá-los de forma menos visível. Mas quase sempre os
efeitos colaterais são extremamente perversos, com a morte em larga escala de
civis.
Drones chineses |
Essas novas descobertas tecnológicas
militares, terminam por se tornarem instrumentos de negociação com os Estados e
são também adotados em outras áreas, seja na pesquisa, agricultura, etc.
Constituem-se em mercadorias sofisticadas disputadas e copiadas por todos os
países que possuem condições para tal. Cada vez mais um número maior de países irá
adquirindo condições de avançar na criação de novas tecnologias de guerras. O
Estado de Israel é um dos mais bem preparados para isso. Além do
compartilhamento de tecnologias com os EUA, Israel é um dos países com maior
capacidade bélica e com uma estrutura moderna desse campo, além de possuir um
dos mais temidos sistemas de espionagem do mundo. O Irã também já consegue
produzir drones. Mas, como em quaisquer outras circunstâncias, a cada um fabricado
dezenas de outros modelos já estão em processo de pesquisa para serem
produzidos de forma mais sofisticada. É uma corrida armamentista disfarçada de
“uma enorme revolução tecnológica”. Recentemente um drone palestino, sob
controle do Hamas, foi derrubado por armas israelenses(**). Indicando que esse
tipo de tecnologia de guerra já se encontra ao alcance de estados menores, e
até mesmo de grupos ou organizações que não tem vinculação com Estados. O Irã,
por exemplo, começou a produzir drones, a partir de cópia feita após
interceptação e apreensão de um modelo estadunidense. Inserem-se também na
lista de armas possíveis de serem contrabandeadas pelo comércio clandestino de
material bélico. Mas, é preciso ressaltar, as ações dos drones são antecedidas
pelas atividades de agentes espiões, que identificam o potencial inimigo e
apresentam as condições pelas quais ele possa ser abatido.
Drone da Embrapa |
Mas os drones serão usados cada vez
mais em todos os tipos de atividades e de missão. Na Universidade Federal de
Goiás, no Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento, ele já é
usado para mapeamento de solo E tem sido usado no combate às drogas pela
Polícia Federal, como também por empresas agrícolas no combate de pragas e
monitoramento da produção. Como dito anteriormente, as tecnologias avançam a
partir da indústria da guerra.
É possível ver essas situações em
muitos filmes escritos por roteiristas que se baseiam em livros elaborados por
ex-espiões. Os mais bem sucedidos filmes de ação, com foco na espionagem, ou
tem espiões como consultores, ou são escritos por quem já esteve exercendo
essas funções, como já citei, Yan Fleming e John Le Carré são bons exemplos.
Claro que a ficção sempre amplia na espetacularização dos fatos, bem como dão
uma dimensão de super-herói a alguns espiões. O que esses filmes nos mostram,
no entanto, é a capacidade que o Estado
tem de agir nas sombras, de perseguir e vigiar permanentemente qualquer cidadão,
que, por meio das tecnologias atuais, são facilmente identificados e
localizados. Bem como a forma como o poder geoestratégico de alguns recursos e
de alguns territórios, tornam as políticas externas verdadeiras jogadas de
desconstrução e destruição dos inimigos, ou de governantes que se recusem a
jogar o jogo das grandes potências.
A corrida espacial sempre foi vista
como um dos alimentos da guerra fria, por onde campeavam espiões em busca de
informações que pudessem fazer uma potência superar a outra, ir mais longe na
conquista do espaço e assim demonstrar sua superioridade. Mas é mais do que
isso, as experiências dessas incursões à lua, ou em outros planetas tem também
o objetivo de identificar outros tipos de minérios, comprovar experimentos, e
encontrar recursos, principalmente água. Representa, também, é claro, o poderio
de um país no âmbito da disputa tecnológica. Mas, seguramente, é no campo da
pesquisa que tem o seu maior foco e resultado.
(*) Artigo adaptado
de uma entrevista concedida para um trabalho de pesquisa e produção de um livro
sobre Espionagem, Inteligência Cibernética e Artificial.
Fontes:
Para ler:
LACOSTE, Yves. A
Geografia: isso serve em primeiro lugar para fazer a guerra. São Paulo:
Papirus, 2001
TSU, Sun. A Arte da
Guerra. Várias edições e editoras
PERKINS, John.
Confissões de um assassino econômico. São Paulo: Cultrix, 2004
WOLOSZIN, André
Luis. Guerra nas sombras. Os bastidores dos serviços secretos internacionais. São Paulo: Contexto, 2013
Professor, parabéns por mais esse brilhante texto!!!!!!!
ResponderExcluirEssas tecnologias informacionais são fruto da revolução técnico-informacional-cientifica (a chamada terceira revolução industrial).
Os próprios smartphones são constituídos de dispositivos que localizam seus usuários, o que não é nenhuma novidade...
Mas, a pergunta é: a guerra fria, um dia, acabou? Ou, somente se reconfigurou? Podemos falar em "segunda guerra fria" ou na continuação dela?
Obrigado por compartilhar dessas valiosas informações em seu blog!!!!
Abraços!!!!!