“Com esse artigo pretendo demonstrar
como o ambiente universitário é marcado por uma certa perversão, onde a competição
impõe restrições para a existência de um ambiente fraterno e como, pelos
critérios utilizados para avaliação dos docentes, a história daqueles que estão
há mais tempo na universidade é relegada a uma nulidade. Sucumbimos diante de
um produtivismo exacerbado e deixamos escapar oportunidades de debater temas
cruciais para a melhoria da sociedade. Vivemos ensimesmados, metidos em uma
redoma e preocupados com o nosso sucesso pessoal, onde a vaidade permeia e somos forçados a seguir regras rígidas que
impedem que esse ambiente fuja da normalidade impositiva e nos permita ser criativos,
críticos e inovadores. Não avançamos, paramos num tempo que já passou, comandados por uma ideologia neoliberal fracassada”
Contudo, esses mecanismos não foram
introduzidos de forma aleatória. Isso acompanhou toda uma transformação que
levou a todos os cantos do mundo – ou a quase todos – a onda da globalização.
Era preciso implementar, dentro da estrutura formadora da “inteligência”,
elementos ideológicos que criassem uma geração de novos cientistas, adaptados a
uma era movida à tecnologias cada vez mais sofisticadas. A técnica passou a ser
o suprassumo que justificava principalmente a transformação da sociedade de
rural em urbana. Mais do que isso, acompanhado de tecnologias que nos tornassem
dependentes cada vez mais dos objetos, e de uma ideologia que não implicasse
com esses novos comportamentos.
Ao contrário, os deslumbramentos
gerados por essas mudanças viriam a tornar as novas gerações mais do que
receptoras das ideias desse “novo mundo”, eles se tornariam preceptores,
espécies de vigilantes do sistema. A Universidade não poderia ser local mais
adequado para criar esses novos modelos de jovens pesquisadores, adestrados e
adequados a uma lógica neoliberal, escorada no tripé: competência,
produtividade e dedicação. A vida passava a ser adaptada a um novo modelo,
cartesiano, produtivista e quantitativista. Uma vitória do positivismo.
O sucesso seria acompanhado de
números e estatísticas comprobatórias do que seria você nos últimos cinco anos.
E seria preciso, a partir de então, reinventar-se a cada ciclo, para não ser
ultrapassado numa corrida cuja disputa só nos leva a um pódio, o do primeiro
lugar. A competição passou a ser o motor desse novo modelo, mas a ausência de
conteúdo e os limites da busca pelo novo, já que o sistema engessa a
criatividade, afastou gradativamente a universidade da sociedade, tornando-a
uma redoma, cada vez mais insensível aos problemas sociais.* A não ser pelo
quantitativismo das análises estatísticas, devidamente comprovadas pelos
argumentos de autoridades. Passou-se a repetir, por necessário, o que outras
eminências já haviam dito, e assim sucessivamente. Criatividade, quase zero.
Mas isso se tornou suficiente para criar “escolas” e a servir-se a si mesmo,
enquanto grupos que se bastam, e que repetem seus fundamentos, enchiam-se de
vaidades e deslocavam-se em trocas de indicações por ambientes em que se tornam
repetitivas as suas presenças. Isso, no entanto, infla o ego e os faz
imaginarem-se superiores em suas limitações fragmentadoras.
A maior perversidade, no entanto, é
a destruição da história. A onda arrebatadora que pretendia uniformizar o mundo
culturalmente, ou o consenso que se tentava impor por todos os cantos, precisava
negar tudo o que significava a vida em processo. Com começo, meio e fim. E
mais, que os fatos não se explicassem por suas causas, mas pela eminência do
que eles poderiam representar no futuro. Mesmo que esse seja, como de fato o é,
uma ilusão. Mas, por não ser um fato, abolia-se, assim, a sua história.
Nessa confusão pós-modernista pouco
valor se passou a dar ao que construía nossa vida, ao que explicava o que
somos, e a somatória de valores que conseguimos construir por décadas e
séculos. Aqui se junta ao que já abordamos em relação à ciência e a tecnologia,
a informação. O conhecimento passou a ser conduzido por aqueles que buscavam
impor essa nova ideologia, e a se limitar às fronteiras do específico, abolindo
a totalidade. Era satisfatório tornar-se autoridade em um assunto limitado,
muitas vezes buscando-se explicá-lo por si próprio, completamente desprovido de
dialética, portanto, alheio às contradições. Esse tipo de conhecimento
encerra-se em si mesmo, é fragmentado e fragmenta-se cada vez mais na sequência
da aderência de novos discípulos, que devem seguir disciplinadamente seus
orientadores. Pode até mesmo dialogar com os mesmos, mas jamais contrariá-los,
pois serão destruídos com o velho argumento da autoridade.
Desprovidos de memórias, achincalhando
a história, nega-se o passado. Afirma-se um presente tênue, como naturalmente
ele é em realidade, só que sua passagem significa também a construção do
passado. E é este que pode explicar todas as transformações nas quais estamos
envolvidos. Nossa vida no presente só se explica pelo que fomos no passado.
Negar isso é abdicar de procurar respostas para as contradições que movem o
mundo. Relegar nossa história de vida aos últimos cinco anos é impedir que
tenhamos uma visão holística do que somos e do que fizemos. E o que fizemos é o
que garante a possibilidade de conhecer o que somos.
A história tem sido negada
permanentemente desde que o neoliberalismo se espalhou pelo mundo. E a onda
tecnológica, de informações rápidas e resumidas, essência da globalização,
produziu uma geração de estúpidos com comportamentos de gênios. Vaidosos, pelo
domínio de conhecimentos compartimentados, fragmentados, assumem-se como
competentes em seguir rigidamente as regras que lhes são impostas. Isso garante
a ascensão na carreira e a condução para um novo patamar de melhores salários,
tudo isso resumido em impiedosos adjetivos: competitividade e mérito. É a
absoluta vitória da essência do sistema capitalista, a meritocracia como
condição de nos elevarmos a posições de destaques e de melhorias sociais. Os
que assim não agirem, de forma a atingir esses píncaros da glória, amargarão
eternamente a pecha de incompetentes e de acomodados – e por aí se justifica as
desigualdades sociais. Muito embora alguns desses carreguem em suas histórias
trajetórias que valem muito mais do que as estatísticas quantitativas de
produções medíocres. Ou até mesmo de alguma validade, mas que não são
compreensíveis dentro de uma noção que nega o processo que a torna parte de um
mundo muito mais abrangente.
Prosseguirei nessa inabalada
posição crítica, sem, contudo querer negar a importância da Universidade como
produtora do conhecimento, da pesquisa e da formação profissional. Mas de uma
Universidade que não se descole da sociedade, e que contribua com esta na
correção de rumos que aponta a humanidade para um futuro de relações frias,
cada vez mais individualistas, porque assentadas na competição. Uma
universidade que resgate a capacidade de discutir e debater os problemas
sociais não somente identificando as causas de seus desvios sociais,
econômicos, éticos e morais, mas apontando, concretamente, formas de romper com
o que se apresenta como nosso destino, disseminado por um ideólogo conservador,
pelo qual estaríamos fadados a ver no capitalismo o fim da história.[i]
Por uma Universidade viva, que não tolha a liberdade de pensamento e a
criatividade dos que desejem inovar e produzir de acordo com as metodologias
que lhes convier, e não somente aquelas apontadas e indicadas por supostas
cabeças ilustres e especialistas que buscam uma visão cada vez mais limitada de
seus próprios umbigos. Fecham-se em copas e refugam o novo, a novidade, a
crítica e a capacidade de compreender a vida como um processo contínuo e
dialético. Aliás, até a própria dialética tem sido questionada como um método
de produção do conhecimento.
Há alguns anos, pouco tempo atrás,
em meio a conflitos causados por abalos emocionais, de perda de motivação para
prosseguir na luta política em função da morte de minha filha querida, para
sempre lembrada por mim com muitas saudades, mas também para sempre uma
companhia que estará ao meu lado eternamente enquanto eu viver, eu escrevi aqui
mesmo neste blog que me afastava dos embates políticos. Creio ter superado
aquele momento. Reencontro-me com motivos e razões para retomar aquelas forças
perdidas.
Vivemos um momento de desesperanças e diante de uma crise que afeta o
sistema capitalista em todo o mundo, sem muitas perspectivas que não as
guerras. Saio de minha posição, de um conforto que me causava incômodo e de uma
decisão de me dedicar ao trabalho acadêmico. Percebi que não tenho o perfil de
um indivíduo acomodado, neoliberal, disputando a bíceps espaços demarcado pelo
produtivismo estéril. Retorno ao ambiente que me formou, abdico de me consumir
pela neurastenia que tem impregnado a Universidade, cuja patologia já tem até
um nome, normose, pela qual os
indivíduos aderem de forma doentia aos valores que se apresentam na sociedade,
sem questioná-los, e a incorporarem como normais.[ii]
Eu diria que esse é o caminho que a sociedade tem tomado, e a adquirir uma
enfermidade perversa, que acomete o sistema cerebral dos indivíduos e os fazem esquecer-se
de quem é e de seu passado. A isso eu dei um nome: “mal de Alzheimer social”.
Contra esse perfil de Universidade,
e a fim de combater a mesmice e os que se julgam suprassumos
desse sistema marcado pela perversão, volto a me engajar numa luta que já travo desde os tempos de estudante, em um momento de profunda crise, em que perdemos direitos, redução de verbas e vemos avançar medidas que retroagem no tempo. A Universidade precisa estar atenta a essas transformações, e por isso torna-se necessário quebrarmos a redoma na qual a universidade brasileira se fechou
e enfrentarmos o desafio de lutar por mudanças mais uma vez, mesmo que de imediato tenhamos apenas que manter aquilo que conquistamos nos últimos anos.
LEIA
TAMBÉM:
UNIVERSIDADE:
UM PAQUIDERME COM OS PÉS DE BARROS - http://www.gramaticadomundo.blogspot.com.br/2015/03/universidade-um-paquiderme-com-pes-de.html
A
ENCRUZILHADA – OS PRÓXIMOS ANOS DO RESTO DE MINHA VIDA - http://www.gramaticadomundo.blogspot.com.br/2010/10/encruzilhada-os-proximos-anos-do-resto.html
NOTAS:
* Universidades ou fábricas? - http://www.cartacapital.com.br/revista/850/universidades-ou-fabricas-253.html
* Universidades ou fábricas? - http://www.cartacapital.com.br/revista/850/universidades-ou-fabricas-253.html
[i] Fukuyama, Francis. O Fim da
História. Rio de Janeiro: Rocco, 1992
[ii]
A DOENÇA DE SER NORMAL - http://super.abril.com.br/ciencia/a-doenca-de-ser-normal
Romualdo, não consigo colocar meu comentário! Escreva que mando o texto completo: sperb.leite@gmail.com
ResponderExcluirProfessor, um texto magnífico, assim como os outros artigos!! Como docente da educação básica, penso que na universidade a disputa de egos é ainda mais acirrada... Talvez pela necessidade de se ter o nome em contínua evidência...
ResponderExcluirAbraços e mais uma vez parabéns pelo brilhante artigo!!!!!!
CORRETO, MUITO TÍTULO E POUCA HUMANIDADE...FALTA HISTÓRIA E A DIALÉTICA NUM MUNDO CADA DIA MAIS PRESO E INDIVIDUALISTA...
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