Este artigo foi publicado no livro “Depois que você partiu”, uma seleção de crônicas que escrevi para suportar as saudades de milha filha, e em homenagem a ela. A primeira edição foi publicada em 2008. A segunda edição no final do ano de 2014.
Se há algo de que não se pode escapar na vida é do
destino que nos envolve. Vivemos vidas separadas, entrelaçadas às vezes por
momentos que não são permanentes. Eu, esposa, filhos, amigos, os colegas que
compõem o nosso cotidiano no trabalho, ou nas atividades de lazer. E assim
acontece com todos nós. Rompemos às vezes as rotinas que criamos para dar
seguimento às nossas vidas, e quase sempre buscamos no passado lembranças que
possam explicar aonde nós chegamos. Sentimos necessidade disso, pois de vez em
quando surge aquela nostalgia positiva e ficamos impacientes quando demoramos a
reencontrar pessoas que junto conosco fizeram história. A história de nossas
vidas. Contudo, às vezes o destino faz com que os dois extremos se encontrem,
formando um nó que atrela mais ainda nossas vidas, e faz de momentos felizes
lembranças de tragédias que nos confundem.
A história do nosso reencontro, da geração que marcou uma
época de embates estudantis durante os anos 80, começou a ser pensado em um
momento trágico, da perda de um dos protagonistas dessa história. Vitimado por
um Acidente Cardiovascular, algo incomum para a idade que ele tinha, mas tanto
mais fatal quanto atinge os mais jovens, o nosso amigo Gilson Bueno não
resistiu após uma luta pela vida que durou quase trinta dias de internação no
Hospital Neurológico de Goiânia. O mesmo onde presenciei as últimas horas de
meu pai, no mês de junho de 2001.
Gilson sempre foi uma pessoa extrovertida. Gozador,
parecia que nunca levava as coisas a sério. Descontraído, com um temperamento
que saía facilmente da alegre ironia para a irritação, Gilson era uma das
figuras mais animadas do nosso grupo. Lembro-me dele não somente nos encontros
de Viração, ou nos embates do movimento estudantil, mas nas constantes festas
que participávamos na residência de D. Edmée, mãe de minha comadre Márcia
Alencar, madrinha de Iago. A casa das Alencar (é claro que tinha também o
Virgílio, mas era único em meio a uma família matriarcal, por isso a referência
é às Alencar, ele que me desculpe)
era um dos lugares mais agradáveis que frequentávamos, e onde sempre éramos bem
recebidos. Nascida no mesmo dia e mês de minha mãe, Dona Edmeé tornou-se uma
grande amiga por quem tínhamos um profundo respeito. Infelizmente, também ela
já não se encontra mais entre nós.
Ali, por muitas vezes nos divertimos ao som da sanfona,
do forró, das músicas de Luiz Gonzaga, e, nos finais de ano, nos tradicionais Réveillons, por elas organizados e que
para mim são inesquecíveis. O Gilsinho era praticamente da casa.
A militância no PCdoB também nos aproximou, embora Gilson
tivesse estudado na Faculdade Anhanguera, onde foi liderança destacada. Mas
convivemos por meio das atividades eleitorais ou mesmo dos eventos e encontros
do movimento Estudantil e da Viração. Mas, a militância partidária que nos
reuniu também nos separou. Não definitivamente, mas passamos a não nos entender
mais como antes, a partir do momento em que ele e outros velhos companheiros
romperam com o PCdoB e seguiram outros caminhos, mas sempre mantendo um
engajamento político.
Por um tempo isso nos distanciou. Mas aos poucos a poeira
foi se assentando e conseguimos restabelecer nossa relação. Não quero entrar em
detalhes dessas nossas divergências ideológicas, ou partidárias, porque
conseguimos superar essas questões e também pela complexidade que envolve esse
processo.
A presença de Gilson no SEBRAE, para onde foi juntamente
com outro amigo, Gilvane, este alçado à condição de superintendente, garantiu
essa reaproximação, na medida em que mantive minhas relações de amizades apesar
dos caminhos partidários separados. Ao mesmo tempo uma amizade comum com meu
compadre, Benaias, padrinho de minha filha Carol, reforçou esses contatos. Por
muitas vezes juntamos nossas famílias em alegres churrascos na casa do Benaias,
e ali, entre um gole e outro de cerveja, a língua do nosso amigo Gilson
tornava-se mais ferina em suas ironias. Essa era uma característica sua, eterno
gozador que parecia não levar nada a sério.
Gilson demonstrava ter uma vida feliz, descontraída,
amorosa com sua companheira e filhas. Curtia seus momentos com os exageros
comuns a todos nós, com as características daquelas pessoas que curtem os
amigos e a satisfação de estar na farra com um grupo que se gosta. Ás vezes tornava-se
chato nas gozações e como cada um de nós que tem seu jeito ranzinza peculiar,
também tinha seus defeitos. Mas era um amigo e companheiro leal, porque também
essa foi uma característica desse grupo oriundo das lutas estudantis dos anos
80. As festas
sempre foram a nossa marca registrada. E, desde aquela época, uma marca
presente no Gilson, e que nos lembra saudosamente, era suas “tiradas” gozadoras
que lhes rendeu uma série de frases marcantes que muitos amigos até hoje não
esquecem.
A morte de Gilsinho foi uma trágica surpresa. Nos fez
lembrar de outros momentos tristes de perdas de amigos que faziam parte dessa
geração, dentre eles Enedina, Cássio, Andréa e, um outro grande companheiro e
amigo, Ciro Lisita. Todos se foram nos anos 80 e 90. Os momentos que
antecederam seu sepultamento, de profunda tristeza e lamento pela perda
inesperada, também foram de reencontros entre velhos amigos, que, embora
separados por vários motivos e por divergências políticas, se viram envolvidos
em meio a tamanho infortúnio. Naquele momento, maior do que as divergências
eram os vínculos de amizade que nos ligavam e as lembranças de uma época que
não queremos esquecer. Ali nos despedíamos fisicamente de nosso amigo Gilson,
mas em seu último ato ele nos possibilitou começarmos a traçar os planos do que
seria um grande reencontro.
A fatalidade que levou à morte de Gilson parecia nos
ligar de varias formas, desde a alegria do reencontro até tecer uma teia que
nos envolveria em mais dois casos de tristes partidas. Gilsinho não partiria
sozinho nesses tempos de reconciliação. A Verbena e a Carol são partes de uma
História que nos une a Gilson e que nos deixou momentos sofridos em meio às
alegrias de conseguirmos reagrupar centenas de companheiros e companheiras de
uma época marcante.
A casa de Benaias virou uma referência para esse
simbolismo trágico. Nela curtimos vários encontros alegres entre churrasco e
cerveja. E a presença nesses momentos de Gilsinho, da amiga Verba, e da pequena
Carol, que já criava uma amizade com as filhas de Gilson e de sua companheira
Patrícia. Das alegrias desses encontros de sábados e domingos para a tristeza
das perdas e ausências de três figuras que marcavam nossas relações passaram-se
pouco mais de um ano.
O ano de 2007 despontava como sendo um ano histórico em
nossas vidas por um motivo alegre. Mas nos marcou muito mais pelas tragédias
que envolveriam personagens diretamente ligados ao reencontro que nos
propusemos a fazer, em memória de Gilson e dos demais companheiros de Viração
falecidos em anos anteriores. Em março, quando concretizamos esse momento,
jamais poderíamos imaginar que no transcurso daquele ano perderíamos a Verbena,
uma das pessoas que mais se empolgaram com a possibilidade de reencontrarmos os
companheiros de Viração, e que fez parte da comissão que coordenou a preparação
da festa. Ainda temos na lembrança e na fotografia, o último encontro da
comissão, no apartamento dela e do Orlando quando comemoramos o sucesso da
festa e alguns encaminhamentos finais, como a finalização de um DVD e já
discutindo a possibilidade do segundo encontro. Ali estávamos eu, Orlando,
Verbena, Isalice, Héder, Chico Messias, Horácio e Geovana.
A festa de Viração foi marcante. Embora preocupados com
as manifestações de possíveis divergências políticas, ou diferenças pessoais,
entre ex-companheiros que por um motivo ou outro se desentenderam quanto às
definições e opções partidárias, sabíamos, pelo que construímos nas décadas de
80 e 90, que o sentimento de respeito e carinho pelo esforço que fizemos para
nos reencontrarmos com a história seria predominante. Ouvíamos aqui e ali
algumas manifestações de intolerâncias e alguns resquícios de desavenças de
tempos passados, mas nós, que assumimos a tarefa de organizar a festa tínhamos
plena confiança que tudo daria certo. Apostamos durante meses na realização
desse encontro e não acreditávamos, tal era a nossa empolgação, que algum
problema fosse atrapalhar.
E assim aconteceu. A festa transcorreu sem nenhum
problema, e de certa forma nos surpreendeu, tanto pela quantidade de pessoas
presentes, como pela relação de cordialidade que prevaleceu, sem que nenhum
incidente manchasse aquele momento histórico. Viração renascera em nossos
corações, agora em meio a uma encruzilhada de caminhos que se tornaram escolhas
de rumos para muitos daqueles que em outros tempos erguiam os punhos mediante
um mesmo ideal. Houve então, um momento de respeito, pela nossa história, pela
memória daqueles que partiram antes de nos reencontrarmos.
Já não éramos moços e moças empolgados com um farol
distante a nos iluminar e indicar um caminho, nem tínhamos mais o mesmo ímpeto
juvenil e revolucionário de antes. Um a um, claro, muitos acompanhados,
chegavam pais, mães, profissionais liberais, professores, parlamentares, e um
séquito de filhos e filhas, demonstrando que mais do que o tempo que fizeram
nossos cabelos embranquecerem, ou simplesmente desaparecerem, trazíamos ali o
futuro radiante de uma geração ousada, aguerrida, combativa.
Sorridentes, alegres e felizes por aquele momento, e uma
satisfação incontida em todos ali presentes. De repente, dissiparam-se as
divergências, o respeito ao passado falou mais forte e vivemos uma noite de
alegria e nostalgia. O momento marcante se deu quando foram exibidas as imagens
que havíamos acumulados nos meses de preparação da festa, fotos de fatos que
marcaram época, e as homenagens àqueles companheiros e companheiras cujas vidas
foram ceifadas anos antes.
Havíamos
realizado algo que muitos julgavam impossível, e não somente reconciliar
momentaneamente antigos companheiros como tivemos entre nós convidados que nos
anos 80 eram nossos adversários políticos, mas que hoje convivemos bem com eles
e nos respeitamos com nossas escolhas políticas. Assim, o retorno àquela época
estava completo. Empolgados, já planejávamos ali mesmo a próxima festa, de modo
a multiplicar o número dos presentes. Naquele momento nós já não tínhamos mais
dúvida de que isso era plenamente possível.
Aquela festa repercutiu por muito tempo. Em seguida,
passamos a realizar vários pequenos encontros, que tinham como objetivo manter
acessa a mesma empolgação, além de discutirmos a finalização do DVD com imagens
da festa.
Em meio a isso se somariam algumas surpresas
desagradáveis. A primeira delas me envolveu diretamente, e a Celma, mas também
aos demais amigos, pela amizade e por estarmos nos encontrando constantemente,
e mais uma vez ao compadre Benaias. A Carol adoeceu e o que aparentava ser uma
simples virose complicou-se, levou-a ao hospital onde permaneceu durante dez
dias, nos deixando assustados e profundamente preocupados. Com sua saída do
hospital nos sentimos aliviados, e marcamos um encontro para registrar nossa
alegria com a sua recuperação. Isso se deu em minha casa, e junto conosco e
outros amigos lá estava a amiga Verbena, por quem a Carol tinha uma grande
simpatia.
Mas, lamentavelmente, 2007 não transcorreria com as
mesmas expectativas como aquelas geradas pelo nosso reencontro. Outros
encontros, desta vez trágicos, marcariam este ano que terminou fatídico para
alguns de nós. Em agosto uma notícia nos pegou de surpresa, nossa amiga
Verbena, que trazia em seu ventre o fruto de um desejo acalentado por vários
anos junto com seu companheiro e nosso velho amigo Orlandinho, fora internada
às pressas com uma infecção mal diagnosticada. Em pouco tempo, 24 horas depois,
mais uma tragédia se abateu sobre nós, Verbena partira de nosso meio fazendo
dissipar toda aquela onda de alegria que nos envolvera nos últimos meses. Em
meio a dor que se abatia sobre Orlando e ao desespero em que amigos e parentes
se entreolhavam perplexos eu me lembrava da felicidade da Verbena, em nossa
casa, comemorando conosco a recuperação da Carol pouco mais de dois meses
antes.
Verbena foi também uma personagem destacada nos anos da
Viração. Estudante de História da UCG, chegou a ser presidenta do Centro
Acadêmico, sempre demonstrou firmeza na
defesa de nossas bandeiras e destacava-se pela tranquilidade com que lidava com
as adversidades e por uma descontração
que lhe era peculiar. O riso fácil e o jeito brejeiro mesclavam-se com uma
serenidade e tornava fácil a ela envolver as amizades. Essas mesmas
características marcaram sua presença na presidência do Centro de Seleção da
UFG, cargo que ocupava até o dia de sua morte. E foi assim, como esse jeito envolvente,
que ela conquistou a simpatia daqueles que estavam sob a sua coordenação.
Verbena se foi em um momento que demonstrava não somente capacidade intelectual
– poucos anos antes ela havia se tornado doutora – mas por demonstrar também
uma competência gerencial, comprovada na maneira diferente com que ela
transformou aquela unidade da UFG em pouco tempo. Grande amiga e companheira
foi uma perda inestimável, que nos deixou profundamente abalados.
Procuramos dar todo o apoio ao nosso amigo Orlando, que perdera
não somente sua amada companheira, mas também o bebê, que eles tanto sonharam
em ter. Assim, por semanas prosseguimos tentando encontrar respostas para algo
que não pode ser explicado, oferecendo nossa solidariedade a um amigo que foi
um dos mais ativos e empolgados pela realização do reencontro de nossa geração.
Mas
esse apoio se deu também por parte de alguém que queria retribuir ao carinho
que recebeu enquanto esteve doente. Lembro-me de um dia, quando fui chamado
pelo Horácio, amigo e cunhado do Orlando, para nos encontrarmos com ele,
juntamente com suas irmãs, em um bar no Jardim América, para que pudéssemos
distraí-lo, em meio a tanta tristeza. Ao saber aonde eu iria, imediatamente a
Carol se dispôs a ir comigo. Imediatamente eu a fiz saber que ia a um bar onde
não havia espaço para crianças, ao que ela me respondeu: “mas pai, eu quero ir
para ver o Orlandinho”.
E a vida me reservava uma tragédia ainda maior, que
acabaria por unir os fios daquela teia que nos envolvia a todos, e,
principalmente, ligavam ao Gilson, a Verbena, ao Orlando, ao Benaias, a mim, a
Viração. Uma nova internação da Carol e a identificação de uma doença perversa
se deram em um curto tempo, três dias, no mês de dezembro, sem que houvesse
chances para que minha pequena pudesse reagir e lutar por sua vida conosco.
Carol partiu no dia 13 de dezembro, e quis o destino que as duas pessoas que
fosse até nossa casa nos dar essa trágica notícia, estivessem ligadas por laços
de amor e amizade a essas três personagens: Orlandinho, que meses antes vivera
ele próprio o mesmo desespero, e a Cláudia, por quem a Carol se afeiçoara
tanto, e que também se tornou grande amiga do Gilsinho e da Verbena.
Infelizmente 2007 não deixaria em nós a lembrança alegre
de nosso reencontro como momento mais marcante. Porque as tragédias, as perdas,
as partidas de pessoas queridas que tanto amamos, deixam muito mais presentes
em nós as marcas e cicatrizes de infortúnios e infelicidades do que as alegrias
pelo reencontro de grandes amigos. Esses
amigos e amigas, certamente estarão novamente juntos em outros encontros,
falaremos mais uma vez de alegrias e tristezas, mas os que partiram, pessoas
que compartilhavam conosco esses momentos deixarão apenas a lembrança e a
saudade em nossos corações e mentes. Já não os veremos mais. Os nossos planos
de reencontros os terão somente na tela a embalar nossos lamentos, como assim
estiveram em março aqueles que partiram antes.
Gilsinho, Verbena e Carol, conseguiram fazer com que nos
mantivéssemos mais unidos, e, é assim que eu penso, compreendendo melhor o
valor das amizades. Ao longo de menos de dois anos, entre perdas e reencontros,
pusemos à prova alguns desses valores, quebramos barreiras que nos distanciavam
por mesquinharias políticas, e percebemos que não precisamos ser todos iguais
no viver e no pensar para mantermos firme uma velha e boa amizade. Só
precisamos ser mais tolerantes.
Certamente, passados os momentos de dor e tristezas
profundas, suas lembranças serão fortes motivos para prepararmos os próximos reencontros.
E como a nos mostrar que a vida é essa somatória de
momentos contraditórios, de difícil relação com a morte e da aceitação das
perdas, mas também de situações felizes que envolvem aos que estão ao nosso
redor, presenciamos também o nascer de uma nova geração. Nesse período pudemos
acompanhar o nascimento do neto de uma grande companheira, que também esteve
conosco na preparação do reencontro dos viracionistas. A nossa “jovem” amiga
Izalice tornou-se avó. Nascera o filho da Marília, esta uma bela garota fruto
de uma relação com outro amigo e companheiro viracionista, Eugênio, mas que o
tempo se encarregou de encerrar, deixando sementes que simbolizam o eterno
ciclo da vida. Chegou também para animar o cotidiano dessa nossa “velha” amiga,
também ela, como todos nós, envolvida em meio a infortúnios e alegrias.
Vidas que vão, vidas que vêm. E assim seguimos convivendo
com alegrias e felicidades, e com momentos tristes por nossas perdas, sem
querer nos conformar com a única certeza que temos: que um dia,
inevitavelmente, a morte virá. Celebramos a vida efusivamente, embora nem
sempre saibamos aproveitá-la bem, já a morte não somente nos tira pessoas
queridas, e às vezes seremos nós mesmos, como deixa nossa vida mais vazia, pela
ausência de quem preenchia parte de nosso cotidiano.
Não devemos parar por isso. Essa é uma frase difícil de
dizer quando se perde alguém querido, principalmente uma filha. Mas é a vida. E
ela segue numa rotina ao nosso redor que parece não ter sido desfeita, as
pessoas, nossos amigos e amigas, continuam cumprindo o roteiro traçado por seus
destinos. Talvez isso seja o pior momento quando tentamos nos recuperar dessas
tragédias. Pensamos em nossa filha que se foi, nos amigos que também partiram,
e olhamos para aquela criança que nasceu há pouco tempo radiando felicidade, e
só nos resta conviver com um grande dilema: sentir tamanha perda e lembrar
sempre de nossa filha, compartilhar a dor dos amigos que também perderam
pessoas queridas, e viver a vida que segue adiante, diferente para nós, mas
seguindo a rotina ao nosso redor, e até em alguns casos com mais alegrias. E
como para tudo há um tempo certo que segue em direção ao seu fim, é preciso
aproveitar esses momentos alegres com muita intensidade.
E como um eterno recomeço, já imagino um novo reencontro
de Viração, torcendo para que tragédias semelhantes não marquem esse período,
mas sabendo que essa é uma expectativa absolutamente incerta. Mas, fica uma
certeza, de que a única coisa que nos deve parar é a morte, e, até que isso aconteça,
devemos cumprir em vida nosso destino.
“Carpe diem quam
minimum credula postero”*
“Colha o dia, confia o mínimo no amanhã
Não perguntes, saber é proibido, o fim que os deuses
darão a mim ou a você, Leuconoe, com os adivinhos da Babilônia
não brinque. É melhor apenas lidar com o que cruza o seu caminho.
Se muitos invernos Jupiter te dará ou se este é o último,
que agora bate nas rochas da praia com as ondas do mar.
Tirreno: seja sábio, beba seu vinho e para o curto prazo
reescale suas esperanças. Mesmo enquanto falamos, o tempo ciúmento
está fugindo de nós. Colha o dia, confia o mínimo no amanhã.”*
"Odes"
(I,, 11.8) do poeta romano Horácio (65 - 8 AC)
(*) A publicação deste
artigo no blog se deve ao fato de estarmos reorganizando mais um encontro dessa
geração de lutas, que fez história na década de 1980. O III Encontro de Viração
acontecerá no próximo mês de junho e será mais um momento aprazível para
reencontrarmos companheiros e companheiras, camaradas, amigos e amigas, e
revivermos momentos saudosos de nossas lutas políticas, das festas, e dos
embates no movimento estudantil. Será momento até mesmo de reencontrarmos os
nossos opositores, que também serão convidados. E de relembrarmos com saudades
daqueles que partiram e não estão mais entre nós. E, como será o III Encontro,
os dois outros serão também muito lembrados, bem como será o momento de
relembrar que minha filha esteve presente, esbanjando alegria, no primeiro
deles, em 2007, ano de seu falecimento. Como esquecer?...
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