A crise hídrica, enfim, tornou-se
notícia. Junto com ela a preocupante, e também negligenciada, situação
energética, naturalmente por conta de a principal matriz brasileira de geração
de energia, ser a hidrelétrica.
Mas, como sempre ocorre quando o
assunto é água, prevalece além da tentativa de se apontar o caos para depois de
amanhã, os incontáveis equívocos quanto às formas de se buscar soluções para
esse grave problema.
Além desses dois aspectos, outro
aparece como decorrência da estiagem que acontece em algumas regiões
brasileiras, principalmente naquelas onde esse fenômeno não era tão comum, o
chamado “aquecimento global”. Impossível tratar a tudo isso, com a complexidade
que cerca cada um desses temas, em um espaço reduzido de texto.
Cabe-nos, contudo, estarmos alertas
para questões que são essenciais, de forma, principalmente, a evitar que o
pânico, gerado por informações distorcidas ou enviesadas, tome conta da
população. E para que as medidas a serem adotadas pelos governos, não sigam no
caminho das manchetes que focam somente naquilo que momento atual está
indicando.
Vou tentar resumir como vejo essa
questão, e onde estão os principais gargalos geradores dos problemas. Tendo
claro que a ótica a ser abordada não é meramente técnica, mas também geopolítica,
observando a importância da água como um recurso de enorme importância
estratégica para o Estado-Nação, para a economia, e para o cotidiano da vida
das pessoas em suas relações sociais e pessoais.
É ponto passivo que o país (e grande parte do mundo) vive uma
crise hídrica, consequência das alterações dos regimes de chuvas, que por sua
vez decorre de uma série de fatores de ordem natural, mas também causados pela
intervenção humana, pelo estilo de vida gerado pelo sistema capitalista. Nada disso, contudo, é novidade. Já vem sendo alertado por
pesquisadores há décadas, inclusive em publicações, pesquisas e livros, à
disposição de estudiosos e técnicos dos governos. A batalha pela água ocorre há
muito tempo, e tem despertado interesses de grandes corporações, na medida em
que se torna cada vez mais escassa e passa a ser tratada como uma mercadoria,
ao invés de um recurso vital para a vida e um bem comum a ser compartilhada
pela humanidade.
Muito se tem comentado sobre as
medidas a serem tomadas, absurdamente em caráter emergencial, para garantir
abastecimento às populações urbanas e garantir a geração de energia. A maior
parte daquilo que dizem os representantes dos governos estaduais, contudo, são
diagnósticos tardios e intervenções reparadoras que não são suficientes para
resolver os problemas.
Em primeiro lugar é preciso ter a
clareza de que o maior consumo de água doce é na agricultura e pecuária, com
cerca de 70%, variando de região para região, do total disponível. 20% é
consumo industrial, ficando em torno de 10%, variável, para o abastecimento
urbano.
Evidentemente que o fato de as
cidades terem crescido de forma exponencial, e conviverem com um adensamento
urbano além do que deveria ser aceitável, principalmente em sua verticalização,
levou a um conflito sem precedentes, no limite da capacidade de se obter água
para abastecer uma enorme camada humana, infinitamente inferior à demanda. Os
rios e córregos que cercam as grandes cidades não são suficientes para atender
às necessidades de um consumo que se eleva a cada dia, situação que se agrava
com a poluição descontrolada que toma conta desses mananciais, em muitos casos
tornados verdadeiros esgotos a céu aberto.
Cada vez mais a alternativa tem
sido captar água em lugares distantes. Mas essa medida esbarra em outra
realidade. O volume de águas, mesmo em rios que ainda encontram-se perenes, cai
a cada ano, como decorrência de diversos fatores, desde o desequilíbrio do
regime de chuvas, às destruições das margens por meio de assoreamentos, até, e
o que é mais grave, como decorrência das destruições de veredas, que compromete
e até mesmo faz desaparecer, muitas nascentes, reduzindo a quantidade de água.
Tudo isso se torna mais complexo, quando inúmeros projetos de irrigação entram
em funcionamento, com desperdício de águas decorrentes do uso de enormes pivôs
centrais.
Ora, citei algumas causas da
crescente escassez de água, que tem levado a um estresse hídrico já em estágio
avançado. Mas os problemas se multiplicam, porque a preocupação com a água
sempre foi negligenciada. Tomemos as discussões em torno do Código Florestal, e
as pressões por representantes do agronegócio, com o objetivo de reduzir a área
de proteção das margens dos rios. Ou a absoluta ausência de ação de governos
municipais e estaduais, visando proteger reservatórios essenciais para o
abastecimento de grandes centros urbanos. No entorno desses reservatórios,
atividades econômicas, invasões de residências clandestinas e até mesmo
descarga de esgotos residenciais e industriais, compõem um cenário absurdamente
irresponsável na gestão da água e no cuidado dos rios que compõem a bacia de
onde essas águas são represadas.
Ingenuamente, alguns setores da
mídia insistem em desenvolver reportagens que visam “educar” a população para
consumir água. Ora, isso é como podar os galhos de uma árvore. Eles continuarão
a crescer, pois faz parte de sua natureza. O problema da água não consiste
somente, ou tão principalmente, como alguns querem fazer crer, em estabelecer
regras mais rígidas de controle, ou cobrança de multas, para quem gera
desperdício no uso da água. Tudo bem que se eduquem as pessoas a não
desperdiçarem água. Aliás, não somente água, mas, como também qualquer recurso
da natureza. No entanto, isso não é suficiente, porque os problemas estão na
origem, na maneira com a água é captada, e de como ela é usada para uso
industrial, minerador e agropecuário.
Urgentemente faz-se necessário recuperar
as nascentes de córregos e rios. A recuperação de veredas e a proteção daquelas
que estejam ameaçadas deve ser uma medida emergencial, cujo tempo de começar já
passou; Recompor as margens de rios importantes para as principais bacias, com
fiscalização rigorosa a fim de conter a destruição da vegetação, bem como
coibir a extração de areias que são feitas de forma descontroladas; Frear todo
e qualquer desmatamento em áreas próximas a esses rios, e principalmente a suas
nascentes; e retirar do entorno de todos os reservatórios que servem para
abastecer as cidades as construções erguidas de maneira irregular, ou até mesmo
aquelas que porventura tenham sido autorizadas, mas que se identifiquem também
como possíveis de afetá-los.
Algumas dessas medidas dizem
respeito também à necessidade de se prevenir contra prováveis situações de
diminuição do volume de água em represas responsáveis pela geração de energia
hidrelétrica. As causas são as mesmas, as origens são próximas, e as formas de
combater os problemas também são parecidos. Afinal, estamos tratando do mesmo
recurso, utilizado para fins diferentes: água.
Mas há especificidades,
naturalmente, nas medidas a serem adotadas em um caso e em outro. As discussões
e torno das iniciativas de investimentos em projetos visando atender à
necessidade da crescente demanda por energia são, da mesma forma, complexas,
mas requerem um outro tipo de tratamento e outra abordagem.
A água é o recurso mais importante
para a vida, não se pode mais negligenciar a sua importância estratégica, nem
olhá-la com a ilusão de que aqui no Brasil ela corre em abundância. Isso não é
verdade. Embora detenhamos o maior percentual de água doce dentre todo os
países, ela está localizada de maneira desequilibrada nas regiões. Com excesso
de água naquela região onde existem um contingente menor de pessoas, o Norte, e
uma crescente escassez nas regiões de maior população e desenvolvimento
industrial e agrícola. Não se trata mais de elaborar planejamentos, urge, de
imediato, realizar obras que já tenham sido pensadas décadas atrás. Estamos
correndo contra o tempo, e a água escorre por nossas mãos.
LEIA TAMBÉM:
A CRISE DA ÁGUA EM SÃO PAULO
http://www.gramaticadomundo.blogspot.com.br/2014/11/a-crise-da-agua-em-sao-paulo.html
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A CRISE DA ÁGUA EM SÃO PAULO
http://www.gramaticadomundo.blogspot.com.br/2014/11/a-crise-da-agua-em-sao-paulo.html
Excelente texto professor, faço questão de compartilha-lo.
ResponderExcluirExcelente texto professor, faço questão de compartilha-lo.
ResponderExcluirA água como recurso de sobrevivência, mas, como fator de conflitos futuros (num futuro muito próximo). Na realidade, o território é a categoria que melhor nos conduz a uma análise geopolítica da água.
ResponderExcluirComo sempre, mais um texto do professor Romualdo que me marca.