ENTREVISTA COM O PROF. ROMUALDO PESSOA
Por
Osvaldo Bertolino, no Portal da Fundação Maurício Grabois
Publicado
12.09.2013
O
professor Romualdo Pessoa Campos Filho é um dedicado pesquisador da Guerrilha
do Araguaia. Esse baiano de Alagoinhas, de 56 anos de idade, se embrenhou na
região e saiu de lá com um farto material para a sua pesquisa que resultou na
dissertação de mestrado publicada na obra “Guerrilha do Araguaia – a esquerda
em armas”, já em sua segunda edição pela editora Anita Garibaldi. Agora ele
volta ao tema para a sua tese de doutorado, que deve ser defendida em novembro
e igualmente se transformar em mais livro sobre o tema.
Formado
em História pela Universidade Federal de Goiás, após uma ativa passagem pelo
movimento estudantil, tendo sido diretor da UNE entre os anos de 1984 e 1986,
Romualdo Pessoa Campos Filho é professor de Geopolítica no Instituto de Estudos
Socioambientais (IESA) da mesma Universidade e membro da Comissão de Altos
Estudos do Memórias Reveladas – Centro de Referência das Lutas Políticas no
Brasil (1964-1985), vinculada ao Arquivo Nacional.
Na
entrevista a seguir ele comenta seu novo trabalho.
Professor,
fale um pouco sobre mais esse trabalho abordando a região onde atuou a
Guerrilha do Araguaia.
É o meu projeto de doutorado, no
qual dou continuidade ao estudo da região onde aconteceu a Guerrilha do
Araguaia. Como a minha dissertação de mestrado foi sobre a Guerrilha, publicada
em livro, agora eu tento entender como os camponeses viveram nessa região
marcada pelo movimento guerrilheiro. Busco exatamente compreender de que forma
a repressão, que permaneceu na região, se abateu sobre aqueles moradores. E com
isso eu fui investigando e descobrindo que boa parte dos conflitos que
existiram ali teve a terra como elemento principal da disputa, mas que por trás
disso havia muito mais.
À medida que eu ia estudando a
pesquisa documental a que tive acesso — muitos documentos do Serviço Nacional
de Segurança (SNI), do Centro de Informações do Exército (CIE) e do Centro de
Inteligência da Aeronáutica (Cisa) —, fui percebendo que havia uma rede densa
de informações e fui estabelecendo uma relação com a maneira como a área estava
sendo monitorada. A ação dos militares se dava através do serviço que era
desenvolvido pelos agentes de informações comandados pelo major Sebastião
Curió, que atuou na repressão à Guerrilha.
Era
uma ação articulada com o poderoso esquema de poder montado na região pelo
Curió?
Sim. Depois da Guerrilha, o Curió
criou um poder praticamente paramilitar, que era escorado nas ações dos agentes
do serviço de informações, o SNI, o CIE e a Cisa, e em certa medida o Centro de
Informações da Marinha (Cenimar). Por trás de cada um desses conflitos,
portanto, havia a presença de agentes monitorando, acompanhando, dando as
indicativas e as coordenadas sobre quem estava por trás deles. E sempre nesses
relatos aparecia o receio desses militares que comandavam os serviços de
informações de que havia a presença de remanescentes do Partido Comunista do
Brasil (PCdoB) com atuação muito próxima aos camponeses. Havia, de fato, mas os
objetivos eram outros.
Ao lado do PCdoB estavam os padres
vinculados à Teologia da Libertação, das Comunidades Eclesiais de Base, que
faziam trabalho conjunto com os camponeses. E isso incomodava os militares
sobremaneira. Em seus relatórios eles expressavam sempre que tanto os padres
quanto os comunistas estavam reorganizando o movimento guerrilheiro. Portanto,
em toda a ação que gerou assassinatos de camponeses em vários conflitos eu fui
identificando que havia um acobertamento muito forte desses órgãos de informações,
pelo poder do Curió.
Esse aparato esteve presente nas
eleições do Sindicato de Conceição do Araguaia em um momento crucial, no começo
dos anos 1980, quando estava surgindo uma grande liderança, Raimundo Ferreira
Lima, o Gringo, que foi assassinado. Logo em seguida foi assassinado outro
dirigente sindical, João Canuto, militante do PCdoB. E assim sucessivamente.
Aconteceu também com os padres Aristides Camio, Francisco Gouriou e Josimo
Moraes Tavares. Ou seja: os padres que atuavam ali também estavam na lista dos
marcados para morrer.
Mas o principal alvo, o que os
militares mais temiam pela ação que desenvolvia e pela organização que
efetivava, inclusive resgatando antigos membros do PCdoB que estavam
praticamente perdidos depois de participar da Guerrilha, era Paulo Fonteles. Na
maioria dos documentos que eu tive acesso, ele era o nome que mais apareceu.
Havia um temor muito grande dos militares em relação à atuação e à ação de
Paulo Fonteles. E ele terminou sendo assassinado, em 1987.
Pode-se
caracterizar esses acontecimentos como legado da Guerrilha?
Sim. Toda a região adquiriu um
poder de reação muito forte, de efetiva participação dos camponeses. Muitos dos
quais conviveram com os guerrilheiros e estiveram lado a lado em suas roças.
Muitos dos quais foram presos também. O líder da revolta da comunidade dos
Perdidos, em São Geraldo do Araguaia, em 1976, era amigo dos guerrilheiros.
Tinha a roça dele ao lado da dos guerrilheiros. Um dos enteados dele se tornou
militante do PCdoB. E havia também a presença de um antigo militante do Partido
que fora para lá como base de apoio dos guerrilheiros, que era o Amaro Lins.
Ele estava atuando ali na região dos Perdidos e foi reencontrado por Paulo
Fonteles.
Mais tarde Paulo Fonteles foi um
dos responsáveis pela organização da caravana dos familiares dos desaparecidos
no Araguaia que percorreu a região em busca de informações sobre seus parentes.
Então, a figura de Paulo Fonteles é um elemento marcante, forte, nesse período
pós-Guerrilha. E, por isso, ele passou a ser visado. O temor dos militares,
presente em todos os documentos aos quais eu tive acesso, era que ele estivesse
preparando um novo movimento guerrilheiro; quando, na verdade, claro, o que
havia era uma luta intensa dos camponeses pela manutenção de suas posses contra
a grilagem, contra o poder dos grandes fazendeiros que constituíam milícias,
que contralavam pistoleiros e tudo mais.
Era,
então, uma neurose dos militares injustificável.
Havia uma luta muito intensa ali. E
nessa luta o PCdoB esteve presente, assim como a Igreja com as Comunidades
Eclesiais de Base. Mas a neurose dos militares trazia consigo o fato de que a
Guerrilha poderia estar sendo reorganizada. Por trás de cada um daqueles
assassinatos que aconteceram ali, por trás de cada uma das grandes repressões,
estava a Polícia Federal atuando ao lado de pistoleiros. Eu tenho comigo,
portanto, que boa parte dessas atuações não tinha o objetivo de resolver os
problemas do conflito de terras. Nem a atuação do Grupo Executivo de Terras do
Araguaia-Tocantins (Getat), que foi criado para isso, mas que não cumpria esses
objetivos.
O objetivo era eliminar possíveis
lideranças que se destacassem na região e que poderiam constituir empecilhos às
políticas que estavam sendo desenvolvidas pelos militares. Principalmente pelo
poder do major Curió, que controlou a região da Guerrilha e depois abriu um
braço de poder em direção à Serra Pelada, que viveu sob seu domínio por muito
tempo. Acredito que possa ser algo difícil de ser comprovado, mas fácil de ser
compreendido quando a gente analisa esses documentos.
O
senhor acha que essa neurose perpassou o tempo e chegou a casos como os
envolvendo o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST)?
É possível que sim. Porque a
questão do MST e dos conflitos que aconteceram ali, como o caso de Eldorado dos
Carajás, têm a ver também com o esvaziamento de Serra Pelada. Serra Pela, em um
primeiro momento, foi um atrativo, serviu para que os militares atraíssem
posseiros para o sonho do ouro e tirassem eles do meio dos conflitos. Só que
quando o ouro se esgotou havia ali em torno de cem mil pessoas e boa parte
delas permaneceu na região. Tornaram-se pistoleiros, foram invadir terras ou
participar de acampamentos do MST.
Essas pessoas também passaram a ser
monitoradas pelos órgãos de informações. A ação repressiva que viria em
consequência das ocupações, dos trabalhos que foram sendo desenvolvidos pelos
camponeses, tinha não só o objetivo de atender, digamos, as pressões dos
fazendeiros; era para conter explosões sociais em uma região já marcada pelo
fato de ter acontecido a Guerrilha do Araguaia. O receio era ligado à
estratégica que eles sempre tiveram para a Amazônia, que sempre foi um elemento
de preocupações dos militares dentro daquilo que se chama de Doutrina de
Segurança Nacional. A preocupação com as fronteiras e principalmente com a
defesa da Amazônia.
Soma-se a isso o fato de ali ao
lado ter os maiores projetos de mineração do Brasil, concentrações enormes de
riquezas minerais e uma montanha de ouro que ainda não foi completamente
explorada. Nos dias de hoje ainda há embates, muitos violentos, como os entre
antigos mineradores por conta do uso de máquinas no local, a exploração em
grande escala. Como se vê, é uma região complicada do ponto de vista da
geopolítica. E os militares sempre tiveram essa questão presente. Toda essa
neurose, essa obsessão.
Não
tem um aspecto positivo nessa visão geopolítica dos militares?
Olha, no aspecto do controle das
fronteiras sim. O problema é que com a Doutrina de Segurança Nacional ela gera
uma concepção extremamente maniqueísta. E dentro dessa visão da luta contra o
inimigo externo e interno há sempre a preocupação em conter o comunismo. Essa
neurose foi construída tendo a preocupação com a Amazônia, mas vendo o
comunismo como seu inimigo principal. O que do ponto de vista lógico,
estratégico, e de quem de fato monitora a região e tem interesse por ela, é
completamente equivocado. É o inverso, o oposto; a preocupação com aquela
região e o seu monitoramente sempre se deu a partir dos Estados Unidos.
O
senhor acha que os militares hoje ainda têm essa neurose anticomunista, essa
propensão a se aproximar dos interesses norte-americanos?
Penso que não. Muito embora a
Doutrina de Segurança Nacional ainda esteja presente no imaginário dos
militares. Não só brasileiros. Essa doutrina fomenta a política externa dos
Estados Unidos. Mas hoje eu vejo de forma diferente. Até o começo dos anos 2000,
sim, ainda estava bastante presente entre os militares brasileiros.
O
senhor chegou até esse ponto na pesquisa?
O foco do meu estudo vai até mais
ou menos o ano 2000. Constato que essa neurose vai se enfraquecendo à medida
que novas gerações de militares assumem e aqueles que carregavam esses
preceitos vão indo para a reserva. Tanto que o foco de grande resistência às
políticas progressistas adotadas no Brasil está presente no Clube Militar, em
áreas de reservas desse oficialato. O que não quer dizer que não exista esse
tipo de pensamento. Eles estão lá. Acredito que não são dominantes como eram
antes.
Isso foi muito ruim para a região.
Porque eles acabaram adotando uma política inversa àquela que planejaram
inicialmente, na década de 1970, que era ocupar a região com camponeses, com migrantes.
Modificaram isso a partir do final da década de 1980 e abriram a Amazônia para
as grandes empresas, para os grandes fazendeiros, para grandes conglomerados
agropecuários e até para grandes grupos financeiros. Bancos passaram a investir
na Amazônia. Multinacionais, como a Vokswagem, passaram a investir na Amazônia.
Atrás
de lucros?
Aparentemente para ter controle
sobre as terras; parte delas para a criação de gado. A terra se mostrou
infértil para a grande produção agrícola. Ela dá certo para a agricultura
tradicional. Mas não para essa grande agricultura que rompeu o cerradão.
Prevaleceu a criação de gado em enormes fazendas, de onde foram expulsas
quantidades muito grande de pessoas, antigos posseiros. Essa mudança no foco da
política por conta da neurose criada foi a responsável por transformar o Sul do
Pará e boa parte da Amazônia em uma terra de pistoleiros, de grileiros. Uma
terra sem lei, que tinha por trás o reforço da Doutrina de Segurança Nacional,
que transformou aquilo ali em um Frankstein. E que é responsável pelo grande
atraso existente até hoje, uma região em que as terras estão nas mãos de
grandes latifundiários.
Tem
previsão para terminar o trabalho?
Acredito que em novembro faço a
defesa da tese. Pretendo entregá-la no mês de outubro para a banca e espero
fazer a defesa em novembro para a obtenção do grau de doutor.
A
ideia é ter um segundo livro sobre o tema Guerrilha do Araguaia?
Na tese anterior eu trato da
Guerrilha em si; fiz como dissertação de mestrado. O objetivo agora é dar continuidade
à produção anterior. O título da tese provavelmente vai ser “Araguaia depois da Guerrilha — outra
guerra”. Será exatamente isso: esse olhar sobre a região tendo como foco a
Doutrina de Segurança Nacional, que vai impregnar a ação dos militares ali e
como consequência o surgimento dos conflitos, dos quais em alguns deles os
camponeses agiram de fato com tática de guerrilha. O que levou os militares a
imaginar ser o surgimento de novas guerrilhas, com os comunistas por trás. De
fato, os comunistas estavam por trás, assim como a Igreja progressista, mas no
apoio à luta dos camponeses por suas terras.
Não
cabia mais a organização de guerrilha...
Não era esse o objetivo, até porque
o Brasil já estava passando por um processo de transição, com o apoio do PCdoB.
Mas em 1986 esses remanescentes da espionagem, dos serviços de informações,
ainda soltaram relatórios dizendo que os comunistas estavam preparando uma nova
guerrilha no Sul do Pará. O que é inverossímil
Leia também:
Veja o programa "Linha direta" sobre
a violência no Sul do Pará
http://www.youtube.com/watch?v=ppe6at7A0cM
Achei um completo suícidio esses jovens idealistas se oporem ao aparato militar para tentarem a tomada do poder pela luta armada, a única dúvida que eu fico é: Qual seria o rumo tomado pelo país se a guerrilha triunfasse? Será que seríamos hoje uma Cuba? Será que eles substituiriam uma ditadura pela outra, já que em seus quadros vários guerrilheiros tinham passado por formação de guerrilha em Cuba?
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