domingo, 26 de agosto de 2012

A GREVE NAS UNIVERSIDADES: NENHUMA NOVIDADE, OS MESMOS EQUÍVOCOS DE OUTROS TEMPOS


“O bom estrategista, para vencer uma batalha, faz antes muitos cálculos no seu templo, pois sabe que eles são a chave que o conduzirá a vitória. É calculando e analisando que o estrategista vence previamente a guerra na simulação feita no templo. Portanto, fazer muitos cálculos conduz à vitória, e poucos, à derrota”. (Sun Tzu)
A política é como uma guerra, já diria outro teórico, estudioso da estratégia, ela é a continuidade dessa por meios violentos. Lênin por muitas vezes repetia isso, dito por Carl Von Clauszewitz. Quando entramos em um movimento trabalhista, principalmente uma greve, mesmo que não seja contra um patrão-burguês, em nosso caso contra um governo que dirige um estado-nação, devemos saber que entramos em uma guerra, mas que nela exercitamos também a arte da política. Tanto pelo comando, liderança que é exercida sobre os trabalhadores, bem como pelo embate que necessariamente medirá forças. E dele sairá o resultado desse confronto.
Mas nenhum exército ou grupo organizado pode jamais entrar em um confronto sem saber do seu poder de forças, assim como das forças que possuem o inimigo. Para tal, é preciso estabelecer não somente estratégias inteligentes, como também táticas coerentes com o objetivo que se deseja alcançar. Conhecer o inimigo e a si mesmo, é condição para evitar colocar a vitória em risco. Esse é mais um ensinamento de Sun Tsu, outro estrategista que por séculos tem orientado aqueles que estudam a guerra, e também os que desejam saber dos ensinamentos que possam orientar suas decisões e escolhas no cotidiano de um tempo de permanentes desafios. Nos dias de hoje, mais do que nunca, saber tomar as decisões baseadas em estratégias corretas é condição sine qua non para obter sucesso na busca por alcançar determinados objetivos.
Antes da assembleia que deflagrou a greve na UFG escrevi um artigo para o meu blog que o qualifiquei como um “desabafo”. Eu já participei de várias greves. Logo que entrei na universidade, em meio à empolgação, aceitei ser representante de minha unidade no Conselho de Representantes do Sindicato. Em seguida estourou uma greve da qual eu participei ativamente, embora um novato na universidade. No ano seguinte tornei-me vice-presidente e, logo depois, por forças das circunstâncias virei presidente da ADUFG. O então presidente assumiu a tesouraria da Andes e deslocou-se para Brasília. Foi quando aconteceu uma nova greve. Voltei mais uma vez a ser presidente da Adufg de 2004 a 2006, em um momento em que divergimos profundamente da Andes e consolidamos um rompimento que já vinha da diretoria anterior.
Mas foi mesmo no final dos anos 1990 que fui inicializado em um ambiente de um sectarismo extremo, onde a empolgação superava qualquer análise racional. Não me excluo, também fui contaminado por esses comportamentos. Mas logo passei a estranhar a lógica do movimento, pelo qual se criava um comando e a diretoria do sindicato, legitimamente eleita, praticamente ficava à margem das decisões. O sindicato servia apenas para bancar as despesas, que não eram poucas, e via suas receitas esvaírem-se com atividades que nem sempre traziam resultados. O deslocamento de “delegados” para Brasília e o pagamento de diárias e hotéis traziam gastos exorbitantes. E o mais estranho, quem passava a dirigir os professores em greve não eram os diretores eleitos, mas um comando de greve, escolhidos em assembleias cujas participações eram bem menores do que o quantitativo daqueles que davam o quórum para as eleições. O resultado dessa equação, esquisitamente democrática, era que o comando passava a ser dirigido majoritariamente por aqueles que não tinham conseguido sagrar-se vitoriosos nas disputas eleitorais.
E assim essa prática persistiu por todas as demais greves acontecidas. Isso levava quase sempre a um embate, e alterava a lógica do processo de escolha daqueles representantes que deviam dirigir o movimento: a diretoria do sindicato. É claro que existe uma lógica nisso tudo, na medida em que o “comando” é formado em assembleias radicalizadas, escolhe-se para compô-lo aqueles com discursos mais radicais, quase sempre os mais engajados no movimento e com vinculação com a Andes, sempre apontando greve até os extremos. Isso possibilita que na composição do Comando Nacional da greve seus membros sejam afinados com essas posições, contribuindo para emperrar qualquer negociação, já que não se abre mão daquilo que se revindica inicialmente. É uma estratégia, mas que já se demonstrou completamente nociva para a categoria, e talvez seja a responsável, em larga medida, pelos fracassos na definição de uma carreira mais coerente com nossa importância na estrutura do Estado.
Mas, além dessa bizarrice “democrática”, em que a diretoria do sindicato fica praticamente “destituída” momentaneamente, o movimento transforma-se em uma verdadeira batalha política pelo desgaste não somente do governo, mas também daqueles que porventura discordem dos encaminhamentos dados pelo “comando”. A prática sempre foi agressiva, de intimidação, de discursos duros contra os que se opõem aos encaminhamentos, de manobras nas pautas das assembleias, e nos longos e cansativos discursos que terminavam por esvaziar os plenários. E todos esses tem uma única direção: a rigidez da pauta de reivindicações.
A “pauta” sempre funcionou como um texto sagrado, um dogma, que não pode ser alterado. E a estratégia, sempre equivocada, foi de garantir, independente das circunstâncias, ou das análises das forças em disputas, a integralidade do que estava sendo apresentado. Os governos (já que nos referimos a várias greves, com as mesmas práticas) é quem deveriam ceder. Os que ousassem apresentar propostas alternativas seriam considerados traidores, “pelegos” e aliados do “inimigo”.
Não somente neste caso, como em outros, já que foram várias as greves nas duas últimas décadas, os erros foram sendo repetidos e os comportamentos sectários, de absoluta inflexibilidade nas pautas iniciais das reivindicações, levaram, quase sempre, a um final frustrado desses movimentos. Embora com os representantes dos governos cedendo – mesmo que não a contento do que nós sempre desejamos – esses “comandos” insistiam em manter a defesa de uma pauta enrijecida. Quando o tempo se esvai, e o governo retrai em sua posição e aproxima-se o prazo final para definir a Lei de Diretrizes Orçamentárias, o “comando” (leia-se a Andes) resolve apresentar alterações na pauta, mas ainda sem considerar os impactos que isso possa causar financeiramente. Sempre são contrapropostas que pouco mudam em relação ao que se propunha no início do movimento. Desejável por todos nós, mas impraticável já que qualquer governo leva sempre em conta os impactos que esses aumentos causam.
Para piorar, no que eu sempre publicamente questionei, a Andes insiste em preparar suas greves organizando o movimento de forma ampla, unindo as nossas reivindicações às de uma genérica categoria de servidores públicos. O objetivo é nitidamente provocar um desgaste político ao governo e ampliar seu grau de influência política, unindo a objetivos ideológicos maiores, nos quais não desejo aqui entrar, já que isso não é exclusividade da Andes. O problema é que, isso feito às custas de uma grande expectativa da categoria quanto a resultados concretos em sua carreira, constitui-se em uma perversa manobra política.
É um erro de estratégia monumental, entrarmos em uma greve conjuntamente com as demais categorias do serviço público, tendo como principal bandeira a correção de distorções em nossa carreira.
Será sempre difícil atingir resultados desejáveis quando dezenas de outras categorias lutam ao mesmo tempo por reajustes salariais. Todas as demais carreiras que corrigiram suas distorções o fizeram de forma isolada. Mas lamentavelmente a Andes se recusa a prosseguir as discussões e se opõe sistematicamente a manutenção de uma mesa de negociação, quando isso é exatamente o caminho correto a ser tomado. Tanto que uma das últimas de nossas conquistas, um novo degrau em nossa carreira, a de Professor Associado, foi conquistado em uma mesa de negociação, sem ter sido necessário deflagrar greve para isso.
Jamais devemos entrar em um movimento sem calcular os impactos que serão causados por aquilo que desejamos na luta. Devemos ter o pleno conhecimento de até onde podemos ir em nossas reivindicações. Não somente pelo que desejamos, mas também pelo que é possível ser aceitável. Em se tratando de uma circunstância marcada pelo fato de existirem dezenas de outras carreiras também reivindicando reajustes, devemos ter clareza de que há limites para qualquer governo aceitar percentuais que criem impactos muito elevados em suas contas. Esse é o erro ao sempre insistirmos na greve geral, se o nosso objetivo maior não é o reajuste, mas a correção em nossa carreira.
Mas que seja feita a ressalva, de que pelo quadro criado, os percentuais que foram acordados – embora recusado pela Andes e a maioria das assembleias dos professores – em alguns casos ultrapassa o dobro do que foi oferecido a outras categorias. E que se diga também que isso já vem sendo discutido há mais de um ano, embora no estilo paquidérmico de um governo leniente, fortemente preocupado em dar resposta a uma crise econômica que tem como origem uma forte inversão nos investimentos. Por isso as pressões são necessárias, mas devem primar pela coerência, objetividade e capacidade de compreender cada momento, e os limites que possam estar sendo impostos nas negociações em curso. Até para que, ao final, quando os resultados forem apresentados, não fique a frustração de que nada foi conseguido e a luta teria sido em vão.
Na forma como o movimento foi conduzido, por um “comando” avesso à negociação, e a ceder em suas pretensões iniciais, levou inevitavelmente a greve para um beco sem saída. Esgotou-se sua capacidade de apresentar justificativas para a continuidade. Só não é concebível que a alternativa seja esquivar-se de por fim ao movimento, nem iludir os professores com propostas alternativas, que já não fazem mais sentido, porque perdeu-se o “timming” no processo de negociação. Como fazer numa situação como essa? Radicalizar no discurso e culpar o “inimigo” interno pelo fracasso de sua estratégia, pois não se sabe como encerrar a greve. Talvez a aposta desesperada seja que uma maioria aprove a proposta de retorno, muito embora esse mesmo “comando” insista em continuar a “luta”. Com isso, desfeito o “comando”, responsabiliza-se os “conciliadores”, por um fracasso que foi criado por sua impertinência e sectarismo político.
Tenho me espantado com algumas discussões postadas nas redes sociais, e em alguns momentos fico preocupado com a agressividade e o estilo fascista de alguns comportamentos intolerantes. Um total desrespeito às opiniões divergentes de forma absolutamente desrespeitosa. O Facebook parece um divã de psicanalista, onde todas as vozes surdas se fazem ouvir, mas com um autismo impressionante. E as diatribes são constantes. Aberrações e ofensas são ditas demonstrando uma tendência perigosa que vem sendo construída, inclusive dentro da universidade. Lamentavelmente, isso não ficou somente restrito ao mundo virtual, e em muitas situações descambou para agressividade explícita.
O que se espera, de um ambiente que deve se pautar pela capacidade de conviver com opiniões diversas e antagônicas é o respeito e a tolerância. Pois se isso não ocorre nos limites de uma universidade pode-se esperar que a sociedade venha a entrar em um novo ciclo de fascistização de imposições pelo argumento da força, e não, como deve ser na academia, pela força dos argumentos.
Professores decidiram pela
continuidade da greve e rejeitam acordo
em 14/08/2012
É impraticável a continuidade da greve. A conjuntura impõe que aceitemos a proposta apresentada, nitidamente mais abrangente do que foi oferecido pelo governo às demais categorias. Não há mais prazo para prosseguirmos em um movimento que já se esgotou no tempo que lhe era permitido para que as negociações fossem feitas. Isso não significa a aceitação do acordo como aquilo que queremos em definitivo para nossa carreira. Mas concebendo o fato de que podem seguir adiante as discussões, em uma mesa permanente de negociação sobre nossa carreira, como proposto no acordo e aceito pelo governo.
Mas que no final do movimento não se repitam as tensões de alguns desses momentos agressivos e intolerantes. Nem que manobras na pauta final de nossa assembleia sejam postas com o intuito de artificializar uma situação e de tumultuar um processo que, pelo ambiente político, já não tem mais para onde prosseguir. Já não há muito mais o que fazer. O que deve ser discutido, ao final, nessa que esperamos seja a última assembleia desse movimento, é a aceitação ou não do acordo que está proposto e o encerramento da greve com a retomada do calendário acadêmico.
E que saibamos sair dessa luta com a clara percepção de que o que conseguimos não foi o ideal, mas o real, e que o que nos foi oferecido supera claramente o que as demais categorias receberam. E a luta? A luta continua, racionalmente, utilizando-se de estratégias inteligentes, de negociação com o governo, mas de articulação política com parlamentares que possam assumir a bandeira do resgate de uma carreira tal como imaginamos como sendo a ideal. A nós, professores universitários, não está posto somente a greve como forma de luta. Só precisamos adotar estratégias inteligentes, que possam nos conduzir para vitórias mais consistentes, sem tantos desgastes como vivemos nos últimos meses. E que saibamos reconhecer as transformações pelas quais as universidades passaram nos últimos tempos. E a nossa em particular. Talvez os mais novos não reconheçam isso, por não terem vivido esses vários momentos, mas aqueles que estão aqui há mais de dez anos jamais poderão negar o salto que tivemos. E, por mais que consideremos que temos crescido com muitos problemas a serem corrigidos (o que é normal, já que é uma crise decorrente da expansão), não podemos negar que as melhorias em nossas estruturas foram consideráveis.
Sermos pessimistas nesse momento só nos impede de agir como se espera de educadores, com a plena necessidade de incentivarmos nossos alunos a serem justos em seus julgamentos e a jamais desconhecerem, porque é história, que já vivemos piores momentos em nossa instituição. Alguns devem sair da caverna, ao invés de insistir em um olhar aprisionado a ela, e de dentro dela.
Além do mais a universidade não pode conviver com um clima onde as opiniões não devem ser expostas, porque se teme comportamentos agressivos e intolerantes. Isso não corresponde a um centro de conhecimento, mas a um quartel, onde se policia os comportamentos que conflitem os interesses do comando.
“O comandante sábio deve considerar a combinação de ganho e perda,
deve ter discernimento das reais vantagens em situações difíceis e confiar nos seus esforços.
Se for capaz de perceber as vantagens prováveis, as dificuldades serão resolvidas.”
SUN TSU

8 comentários:

  1. Mais uma vez o prezado colega Prof. Romualdo expõe seus pensamentos de forma clara e alentadora. Sou testemunha de que o presente artigo retrata, muitíssimo bem, os fatos e parabenizo o prezado colega pelo mesmo.

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  2. O texto do Prof. Romualdo Pessoa é m diagnóstico da nossa situação atual em relação à essa greve que muitos não querem ter fim. Quando o autor fala do "timming" que os andesinos e sinasefianos perderam ao apresentarem propostas me faz lembrar da assembleia que tivemos em nosso Campus do IFF em Itaperuna na semana passada em que se falou de "aditamentos" e "aditivos" nas propostas para dar fôlego a esse "movimento". Sábias palavras como foi sábio Sun Tzu.

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  3. A partir de sexta-feira, 31 de agosto, não estará mais nas costas do governo federal o ônus de negociar com os sindicatos os reajustes salariais dos servidores. A bola passará para o Congresso Nacional, que tem uma bancada de peso eleita por diversas categorias do funcionalismo, principalmente entre os integrantes do PT, partido da presidente Dilma Rousseff. Os parlamentares avaliarão a proposta do Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2013 (Ploa 2013), que deverá ser enviada pelo Executivo no último dia deste mês. O texto modificado e aprovado pelos deputados e senadores será encaminhado para a sanção da presidente da República.

    O Ministério do Planejamento vem barrando nas negociações pedidos de aumento, sob a alegação de que em tempos de crise o governo não poderá ultrapassar 15,8% divididos em três anos — praticamente a inflação esperada. Algumas categorias têm reivindicação de reajuste que chega a 151%. Se o Congresso decidir ir além do que o governo colocou no Ploa, terá que indicar também a fonte para fazer frente aos novos gastos. Atender todos os pedidos de reajuste do funcionalismo implica desembolso de aproximadamente R$ 90 bilhões, a metade da folha anual hoje.

    FONTE: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2012/08/27/internas_economia,319206/a-partir-do-dia-31-negociacoes-por-reajuste-serao-feitas-pelo-congresso.shtml

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  4. O prof. Romualdo, com conhecimento de causa, descreve muito bem o momento que vivemos na UFG e em outras IFES ainda paralisadas. Ele mostra com argumentos que o foco do movimento não é a carreira docente, mas sim o embate político-partidário. Tenho me perguntado a todo instante: os nossos dirigentes não vão tomar posição???!!!
    Antônio Baleeiro - Engenharia Elétrica/UFG.

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  5. tÁ CERTO rOMUALDO, VAMOS NA ASSEMBLEIA FAZER VALER A VONTADE DA MAIORIA DOS PROFESSORES.
    Lembro que a greve de 2001, contra o PID (plano de incentivo a docência) depois de 100 dias de greve teve uma grande" vitória: mudou o nome para GED (gratificação de estímulo a docência.

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  6. Realmente, o professor Romualdo tem toda a razão. Eu mesma me senti oprimida na penúltima reunião, onde uma certa professora pediu para filmar a mim e a outros professores amigos por votarmos contra a continuidade da greve.
    Em um local onde deveria-se respeitar a opinião alheia, ouvimos vaias e xingamentos. Isso é um absurdo!

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  7. Ótimo texto. Coerente e sensato.

    Geógrafo e Analista da Receita Federal do Brasil Leandro Vecci

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