segunda-feira, 17 de outubro de 2011

MADE IN USA: COMO FABRICAR GUERRAS PARA CONTORNAR CRISES

“Por que o cão balança o rabo?
Porque o cão é mais esperto do que o rabo.
Se o rabo fosse mais esperto, balançaria o cão”.

Os Estados Unidos inegavelmente constitui-se na maior potência militar do planeta. Isso o torna, ainda por várias décadas, capaz de ameaçar e intimidar a maioria dos países. Embora sempre exista algum governante mais ousado, a testar sua capacidade bélica, é improvável que optando por fazer uma guerra ele venha a ser derrotado em função dessa capacidade. Mas, como ocorre em duas das guerras das quais ele está à frente, no Iraque e no Afeganistão, suas derrotas podem ocorrer nas estratégias e táticas adotadas. Em função, principalmente, da capacidade de resistência de grupos insurgentes guerrilheiros.
Seguramente a crise econômica atual, tem suas raízes também nos gastos militares absurdos, condição para manter uma estrutura bélica espalhada por todos os continentes, bem como a manutenção dos atuais fronts de batalhas citados.
Mas a guerra, enquanto um componente importante da política, é a continuidade desta por meios violentos, como dizia o teórico e estrategista Carl Von Clauzewitz (Da Guerra, Ed. UnB), tem servido não somente para dominar territórios ricos em fontes energéticas ou de localizações estratégicas importantes. A guerra é também um instrumento para desviar o foco de crises eventuais, seja de governos (política) ou por problemas econômicos.
Quando na semana passada ouvi a notícia da descoberta de um mirabolante plano, envolvendo o governo do Irã e um marginal de um cartel de drogas (apresentado como um informante da CIA), pressenti cheiro de fumaça no ar. A armação, a meu ver, era nítida, por vários elementos que não  analisarei aprofundadamente, mas indicarei alguns artigos que fazem isso. E me chamou a atenção, mais uma vez, o fato disso se dar num momento crucial da crise econômica, nos Estados Unidos e na Europa, antecedendo a uma marcha que envolveria dezenas de países, inclusive os EUA, denominada de “Marcha dos Indignados”, contra o sistema financeiro mundial, o capitalismo e a absurda concentração de riquezas naquele país e em todo o mundo.
geopolíticadopetroleo.wordpress.com
Imediatamente lembrei-me de um filme que eu havia assistido tempos atrás e corri para a locadora, a fim de relembrar-me da trama armada para desviar a opinião pública de um escândalo envolvendo o presidente dos Estados Unidos. Embora ficção, o roteiro apresenta relação entre a história e o tema do filme, citando, por exemplo uma ação estadunidense contra um país centroamericano, situado no Caribe. No ano de 1983 os Estados Unidos invadiram Granada, depuseram e prenderam o então primeiro-ministro Bernard Coard, após um golpe deste contra o anterior, Maurice Bishop. Por trás disso tudo disputas geopolíticas envolvendo Cuba e URSS. A operação, que durou pouco mais de dois meses, teve o sugestivo nome de “Fúria Urgente”.
A citação é feita no transcurso de uma discussão entre um “marqueteiro”, chamado para ajudar o governo a sair de uma enrascada que seria explorada pela mídia num período pré-eleitoral, e um produtor de cinema, contratado para preparar uma encenação espetacular para desviar as atenções da mídia e da opinião pública. A invasão daquele país, embora eminente, teria sido planejada às pressas para desviar a atenção do atentado em Beirute, algumas semanas antes, que culminou com a morte de 241 fuzileiros dos Estados Unidos.
O nome do filme é “Mera Coincidência”(*), título em português  que não apresenta nenhuma semelhança com o original: “Wag the dog”. Mas é aí, no título original, que está a relação com a frase que cito na introdução desse artigo, e que foi extraída dos créditos iniciais do filme. Refere-se exatamente à esperteza utilizada pelos que, na política, possuem os mecanismos para criar fatos e gerar a tão propalada “opinião pública”, que nada mais vem a ser do que as estratégias adotadas entre dois poderes, ou seja, o poder político e o midiático. Seja por meio de uma notícia burlesca, facilmente assimilada por uma mídia atraída pelo sensacionalismo, ou mesmo pelo controle direto dos meios de comunicação, que fazem o jogo da manipulação de forma consciente, por questões ideológicas.
Certamente a distribuidora do filme no Brasil buscou outros elementos do enredo para traduzir o título. Porque o escândalo que irromperia a mídia e corria o risco de causar um estrago na campanha eleitoral do atual presidente dos EUA teria sido um assédio sexual, cometido por essa autoridade que teria abusado de uma estudante no salão oval da Casa Branca. Embora produzido antes do caso Mônica Lewinsk, o filme foi lançado no Brasil posteriormente a esse fato. Ressalte-se que anos antes, mesmo durante a campanha eleitoral, Bill Clinton já havia sido acusado de assédio sexual.
Para desatar esse nó, que poderia levar à derrota do então presidente – agora me refiro ao enredo do filme – esses dois personagens, o marqueteiro e o produtor de filmes de Hollywood, bolam uma história mirabolante:  deflagração de uma guerra contra a Albânia, em função da ação de grupos terroristas naquele país, e que ameaçavam a integridade dos Estados Unidos (os fantasmas de sempre).
A justificativa para a escolha da Albânia é hilária, mas sintetiza o menosprezo que há na política externa dos Estados Unidos com a população de alguns países, notadamente aqueles mais pobres. “Por que a Albania?” pergunta a assessora ao marqueteiro. “O que você sabe sobre eles? Você conhece algum deles? Parecem instáveis, encrenqueiros... Você conhece alguns albaneses? Quem confia neles?”
Assim, a Albania é momentaneamente alçada à condição de centro do terrorismo internacional, e além dos perigosos terroristas poderia estar sendo preparada uma bomba nuclear. Aí, parodiando o título em português, não é uma mera coincidência. Para completar a ironia recai também sobre a capacidade do povo americano (sic) de se indignar. “Quem vai resmungar? O povo americano? O que viram da guerra do golfo? Só o bombardeio a um prédio. Poderia ser uma maquete”.
Parte-se então para a montagem de cenas produzidas em estúdio que pudesse ser apresentada à população como sendo uma guerra. Todos os elementos são explorados, como num filme, para chocar, emocionar e revoltar. E assim é feito. Uma guerra virtual com todos os seus componentes apresentados como se fosse real. Aos poucos, utilizando da estratégia da manipulação da informação, a população vai esquecendo-se das notícias do escândalo e quando começa a haver questionamento da existência real da guerra seus roteiristas confundem mais ainda a população com a criação de um falso herói. Um combatente que teria ficado detido nas mãos do inimigo. Mediante o uso de certos simbolismos esse herói é construído, sem existir, e comove a opinião pública. Não vou entrar em mais detalhes para não contar partes interessantes e surpreendentes do filme, para que os leitores do blog possam assisti-lo. Mas cito um detalhe importante: o elenco é de primeira.
Enfim, esses fatos, tanto o filme que não reflete propriamente um absurdo, como a notícia envolvendo uma trama internacional gerada pelo governo iraniano, são roteiros de uma mesma lógica estratégica adotada desde há muito pelos Estados Unidos. Embora não somente por este país.
No caso do Irã, isso se repete desde a revolução dos Ayatollahs, ou dos turbantes, que derrubou o Xá Reza Pahlevi, então aliado dos EUA. Mas potencializado desde que se descobriram as movimentações iranianas para adquirir a capacidade de enriquecer urânio, meio caminho andado para produzir bombas nucleares. Juntem-se a isso os interesses geopolíticos que opõe, na região do Oriente Médio, Israel de um lado e Arábia Saudita do outro, com objetivos semelhantes, derrotar os xiitas islâmicos que estão à frente do governo iraniano.
Sintomaticamente, na notícia, aparentemente fabricada, o plano seria para assassinar o embaixador saudita em Washington. E, naturalmente, a reação dos representantes da Casa de Saud, foi imediatamente intempestiva, cobrando explicações do governo iraniano, porque supostamente envolvia a guarda republicana daquele país. Aliás, esta sempre envolta em polêmica porque está diretamente ligada ao conselho dos Ayatollahs, não necessariamente subordinadas ao presidente Marmud Ahmadinejad.
Tudo parece ser mais uma grande farsa das agências de espionagem estadunidense. Mas desta vez, ao que tudo indica, não emplacará como uma informação passível de permitir uma reação bélica, apesar de acirrar os ânimos dos países citados, à espera de uma chance para deflagrarem uma guerra contra o Irã. Apesar dos discursos beligerantes e surpreendentemente radicais nessa questão, tanto do presidente Barack Obama, quanto, principalmente, da Secretária de Estado, Hilary Clinton.
Não vou entrar mais a fundo nessa análise porque li recentemente dois artigos que dão conta de explicar as tramas por trás dessa suspeita notícia e cito-os aqui para o leitor do blog. O artigo de Clóvis Rossi (http://www1.folha.uol.com.br/colunas/clovisrossi/991104-a-mal-contada-historia-do-complo.shtml), na Folha de São Paulo deste domingo (16/10) e o artigo de Pepe Escobar, no site Carta Maior (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18692).
Não pretendo também aqui neste texto entrar na análise sobre o regime iraniano. Espero poder em breve, assim como fiz em relação aos demais países do Oriente Médio envolto em revoltas, escrever um artigo abordando a importância geopolítica do Irã, suas complicadas fronteiras e as divergências com Israel e com a Arábia Saudita, estas ainda não inteiramente explicitadas, mas insufladas nos bastidores pelos Estados Unidos.
Farei também uma abordagem do regime iraniano e as absurdas restrições às liberdades individuais, principalmente em relação às mulheres, impostas pela rigidez com que os ayatollahs interpretam o Alcorão. E na oportunidade farei também uma comparação com a Arábia Saudita, identificando as razões porque essas mesmas restrições não são alvos da indignação ocidental, em comparação com as tentativas de demonização das ações iranianas, embora devessem ser semelhantes às da monarquia saudita, que impõe medidas semelhantes e, ao contrário do Irã, sequer existem eleições democráticas. Também já nem sei dizer qual o sentido de democracia, em função de determinadas eleições, tanto lá quanto no ocidente, já que fraudes e o poder do dinheiro são determinantes.
O que quero com essa postagem é exatamente abordar um dos elementos centrais que me motivou a criação deste blog, desconstruir certas informações, plantadas na mídia para desviar as atenções das pessoas de situações mais graves em curso, ou até mesmo justificar ações belicistas.
No caso citado, a abordagem que faço decorre de uma análise pessoal. Considero que o crescimento da crise econômica e o aumento da gravidade da situação nos Estados Unidos, aliado a um movimento popular que começa a incomodar com a ação do “Occupy Wall Street” é o elemento motivador. Não por acaso, segundo minhas convicções, a notícia do suposto plano para assassinar o embaixador saudita foi divulgado poucos dias antes das grandes manifestações programadas para um dia de jornadas de protestos em todo o mundo, denominado “United for Global Change”.
Essas manifestações, ocorridas no dia 15 de outubro, e que mobilizaram manifestantes por 83 países do mundo, não focam somente no ataque á crise econômica, mas também à própria lógica gananciosa do sistema que criou uma disparidade absurda, onde 1% das pessoas controlam mais de 50% da riqueza mundial. São críticas ao sistema financeiro, às grandes corporações e ao capitalismo. 
Em alguns países, como na Itália, a população radicalizou nos protestos, acontecendo muitos confrontos policiais num ato que reuniu mais de 200 mil pessoas. A manifestação aconteceu também em mais de 900 cidades, irradiada a partir de Wall Street, em algo inédito na crítica à maneira desigual como funciona o sistema capitalista e só comparável às manifestações pela paz às vésperas da segunda guerra ao Iraque, em 2003.
São situações que marcam uma conjuntura complexa, e uma realidade mundial de conseqüências imprevisíveis. Do que posso imaginar, pelo que acompanho pela história e nas análises geopolíticas, poucas conclusões me restam além de acreditar na possibilidade de as potências mundiais em crise criarem uma situação de beligerância, que possa levar restrições justificadas por uma necessária economia de guerra.
Ou seja, avalio como de difícil solução a atual crise, na medida em que um verdadeiro nó górdio foi dado nas finanças mundiais com as sucessivas quebradeiras de grandes bancos e a impossibilidade de os Estados arcarem com isso. Restando a guerra, como já aconteceu em outras épocas, para que as grandes potências possam retomar o controle da economia e as corporações possam lucrar com as reconstruções do pós-guerra. Isso justificaria o ataque ao tesouro de alguns países, que na periferia caminham a passos largos para superar a hegemonia que até agora se encontra nas mãos dos Estados Unidos e de alguns de seus aliados estratégicos na Europa.
São dúvidas, questionamentos, apoiados na realidade do presente e no que a história conta do passado. Prever o que pode acontecer é um exercício profético, não tem bases científicas, mas, da mesma maneira como se tentou criar uma guerra a partir de uma montagem hollywoodiana, como no filme citado, também exercito, quem sabe, uma capacidade roteirista, para imaginar uma guerra sendo preparada para cumprir a sina gananciosa dos que detém o poder hegemônico mundial. Pelo menos até agora. E se isso acontecer, teremos forças para impedir?


(*) Ficha do filme:
Título no Brasil:  Mera Coincidência
Título Original:  Wag the Dog
País de Origem:  EUA
Gênero:  Comédia
Tempo de Duração: 97 minutos
Ano de Lançamento:  1997
Direção:  Barry Levinson
Elenco:
Dustin Hoffman ... Stanley Motss
Robert De Niro ... Conrad Brean
Anne Heche ... Winifred Ames
Willie Nelson ... Johnny Dean
Kirsten Dunst ... Tracy Lime
Woody Harrelson ... Sergeant William Schumann

2 comentários:

  1. Parabéns pelo texto professor. Também concordo, que a notícia criada pelos EUA trata-se de uma grande falácia, cujo objetivo maior é criar uma situação de grande animosidade entre os governos saudita e iraniano.

    Espero em breve, poder ler seu artigo sobre a importância geopolítica do Irã, suas complicadas fronteiras; as divergências com Israel e a restrição da liberdade das mulheres iranianas.

    No Irã as mulheres sofrem com a falta de liberdade desde os tempos do regime do Xá...

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