terça-feira, 1 de março de 2011

REVOLTA NOS PAÍSES ÁRABES: UM OLHAR SOBRE A LÍBIA

Estive afastado durante alguns dias, como decorrência de um repouso forçado por uma cirurgia, aparentemente simples, mas na prática um pouco incômoda e que me deixou bastante desgastado e sem ânimo também para produzir.

Nesses dias, no entanto, a ebulição que atingiu os países árabes, do Norte da África e Oriente Médio só aumentou. Conforme escrevi no texto que inseri no blog em 31 de janeiro, formou-se o “efeito dominó” esperado. As razões disso acontecer são óbvias, muito embora algumas expressões de surpresas tentem entender o inusitado e até mesmo justificar a tecnologia das redes sociais como as responsáveis pelas revoltas.

Na verdade essas ferramentas foram instrumentos para as ações que se seguiram e que possibilitou o contato com milhares de pessoas, no começo, jovens, em sua maioria, mas em seguida acrescidas da participação de famílias inteiras e trabalhadores organizados. Inclusive, pouco noticiado, de uma greve dos trabalhadores do Canal de Suez, no Egito, um dos pontos mais estratégicos daquela região.

Procurei analisar as causas, mesmo que superficialmente, no texto seguinte, postado em 11 de fevereiro. A rigor as pessoas não são contra um governo que se mantenha muito tempo no poder, nem mesmo uma monarquia, muito embora consideremos após uma análise criteriosa e acadêmica, uma aberração. Desde que as condições econômicas dêem garantia as pessoas de um presente com condições dignas de vida e um perspectiva de que isso se manterá no futuro, as possibilidades de revoltas são mínimas. Se houver a garantia de uma tênue liberdade que lhes permitam ter a capacidade de consumir objetos e de poder se integrarem à sociedade “moderna”, então, diminuem mais ainda essas chances.

No entanto, quando a essas massas são mostradas um mundo de tecnologias espetaculares, e objetos que lhes enfeitiçam e os atraem, e as condições de adquiri-las tornam-se inimagináveis, principalmente aos jovens, aguçam a vontade de superar quaisquer obstáculos com o intuito de garantir a posse desses instrumentos, e das marcas, que os tornam visíveis na sociedade. Aí então, as revoltas podem tornar-se eminentes, porque vão acumulando ao longo do tempo situações de desejos e frustrações.

A crise econômica que se abateu sobre o mundo desde 2008 afetou com profundidade a economia desses países. Mas, principalmente, impediu que as “governanças globais” continuassem a manter suas políticas econômicas acessórias, fundadas nas velhas receitas do Fundo Monetário Internacional e, no caso específico da maioria dos países dessa região, a dependência de uma riqueza extraída do subsolo sem que a mesma se revertesse em investimentos que gerasse desenvolvimento e distribuição de rendas. Principalmente, que pudesse criar infraestruturas que oferecessem aos jovens a oportunidade de empregos com perspectivas de garantias de estabilidade futura.

Ora, isso está a acontecer também nos Estados Unidos, muito embora não se noticie o fato de dezenas de milhares de trabalhadores ocuparem as ruas no Estado de Wisconsin (conforme artigo em http://www.cartamaior.com.br), contra as políticas recessivas e de arrocho sobre os trabalhadores. As manifestações se espalharam para outros Estados, juntando outras dezenas de milhares de manifestantes, sem que a mídia desse o mesmo destaque do que ocorre nos países árabes. Embora em certa medida as causas por trás delas sejam as mesmas.

A LÍBIA COMO A “BOLA DA VEZ”

Depois da Tunísia, Egito, Iêmen, chegou a vez da Líbia. E especulam-se quando o mesmo ocorrerá na Arábia Saudita. Há, no entanto, peculiaridades em relação a cada um desses países. Não devemos vê-los de forma homogênea, somente por se tratarem de Estados-Nações membros da Liga Árabe ou pelo fato de ser o Islamismo a religião hegemônica.

A Líbia, por exemplo, tornou-se república a partir de um processo revolucionário, destituindo a antiga monarquia e formando um governo em que mesclava o islamismo com ideais socialistas, sob o comando de Muammar Khadafi, chefe de Estado desde 1970. Entre suas medidas principais destacaram-se a nacionalização dos bancos, das empresas e dos recursos petrolíferos. Aproximou-se do bloco socialista, fortaleceu laços com a Organização Para Libertação da Palestina e tornou-se forte opositor de Israel.

O fim da Guerra Fria transforma o regime Líbio em uma caricatura do que se propunha, inclusive com o fracasso da tentativa de construir a partir do norte da África o socialismo árabe. Isolado e temeroso das ações dos EUA na chamada “guerra ao terror”, Khadafi começa a ceder às pressões ocidentais, e entrega os terroristas responsáveis pela queda de um avião dos EUA sob os céus da Escócia, em que morreram 270 pessoas. Na escalada da iniciativa de caça aos terroristas, na chamada operação “Justiça Infinita” do governo Bush, o governo Líbio opta por ceder às pressões, estabelece acordos com os Estados Unidos e aliados, inclusive entregando suspeitos de terrorismos e de ligação com a rede Al Qaeda. Promove algumas mudanças na economia, dentre elas aceitando o retorno das grandes corporações estrangeiras na exploração do petróleo e consegue se ver livre das sanções que sufocavam a economia.

Empresas como BP, Exxon, Halliburton, Chevron, Conoco e Marathon Oil juntaram-se a gigantes da indústria armamentista, como Raytheon e Northrop Grumman, a multinacionais como Dow Chemical e Fluor e à poderosa firma de advocacia White & Case para formar a US-Líbia Business Association, em 2005”. (Marcos Baram – Huffington Post. In: www.cartamaior.com.br)

Se isso foi suficiente, por um lado, para garantir uma recomposição da economia líbia, transformando-o no país com melhor desenvolvimento da África, aumentou o poder nas mãos de Khadafi e de seus filhos, ampliando enormemente a sua riqueza e extravagâncias que o transformaram no líder político com o maior grau de excentricidade entre os chefes de Estados. Isso foi aceito e tolerado tanto pelos Estados Unidos como por países Europeus, que se apressaram em assinar acordos visando obter controle sobre o petróleo daquele país. Fecharam-se os olhos, assim, às repressões aos opositores, principalmente porque aquele país, como a Tunísia e o Iêmen se transformaram em aliados na luta contra o terrorismo. Não é surpresa por isso que no início das manifestações populares Khadafi tenha acusado membros da rede Al Qaeda de promoverem aqueles atos.

Mas não só a História, como também a Geografia, nos dão a dimensão do que é a Líbia ,e do que pode se tornar na medida da reação do governo e da intensificação de uma guerra civil. Tanto quanto no Iraque, e em outros países do Oriente Médio, uma característica daquele país é a sua composição tribal, dividindo o país em três regiões importantes herdadas dessas características. Um território dividido por um grande deserto que separa a capital da região onde se concentram os principais poços de petróleo, possibilitou a deflagração da reação a partir de uma área com fortes interesses, não somente locais, como também globais.

A reação de Khadafi tem sido a de todo ditador que encarna na sua personalidade o poder conquistado, e de perpetuá-lo como se fosse fonte de uma predestinação divina, tal qual os reis absolutistas. Visam mantê-lo até a morte, e, embora não sendo monarca, a tendência sempre nesses casos é que o poder seja passado adiante aos seus filhos. Ele mesmo, em suas últimas declarações tem dito que não pode ser destituído porque não é nem rei, nem presidente. Não se sabe até onde irá a sua determinação, nem quais serão as conseqüências disso.

Mas não se pode acreditar, por outro lado, nas fanfarronices dos EUA. É medíocre o papel da mídia brasileira, ao noticiar em manchetes garrafais, que o presidente Obama ordena que Khadafi entregue o poder. Ora, quem está a exigir isso é o povo Líbio nas ruas, e, embora seguramente contando com a presença dos espiões estadunidense, com certeza a forçar a radicalização, principalmente nas áreas ricas em petróleo, os EUA não é o protagonista daquelas transformações. Muito ao contrário, elas ocorrem a partir da falência de suas políticas, pelo fracasso das medidas econômicas neoliberais e pelo apoio à ditaduras que transformaram-se em cães de guardas na fracassada guerra ao terror.

É evidente que tanto os EUA, como os países europeus, principais compradores do petróleo líbio, tem interesse em assumir o controle da revolta. É claro, portanto, que estão se movimentando no sentido, inclusive, de cooptar lideranças oposicionistas a fim de manterem esse controle, assim como certamente buscam acordos com o líder Líbio, conforme já denuncia a oposição. Mas nada indica que, caindo Khadafi, o retorno da monarquia e uma possível radicalização de grupos islâmicos xiitas, como tende a ocorrer no Iêmen, garanta alguma influência imperialista naquele território. Há que se considerar, por trás dessas revoltas, além de um forte componente do Islã, também um renascimento do nacionalismo que pode reacender o pan-arabismo.

Pelo visto assistiremos os estertores da ditadura de Khadafi, mas nada indica que se encerrará por aí o ciclo de revoltas nos países árabes. Seguramente chegará a vez da Arábia Saudita. Antes disso, ou depois, sem querer dar uma de profeta, se acirrará a política da maioria desses países em relação a Israel. Isso pode se acelerar a partir do momento em que despontar alguma revolta palestina, seja em seus territórios (Gaza e Cisjordânia), ou mesmo no Líbano, um dos primeiros daqueles países a passarem por mudanças, e cujo primeiro-ministro atualmente tem fortes ligações com o Hesbollah, que já se constitui na principal força política naquele país.

Enquanto isso o Irã assiste a tudo de camarote, mantendo forte o caráter repressivo do regime dos Aiatollahs, tentando sufocar qualquer tentativa de torná-lo também uma peça do dominó. Muito embora sendo persa, e não árabe, ele pode vir a se constituir no principal beneficiário dessas revoltas.

Teremos ainda para os próximos dias, muitas tensões atingindo o limite da ebulição. A 451° fahrenheit.

IMAGENS:
1. institutoliberal.org.br
2. cartamaior.com.br
3. pt.news-win.com
4. cartamaior.com.br
5. nazret.com/blog/
6. chimpplanet.blogspot.com
7. geomundo.org
8. diexismovenezolano.blogspot.com

2 comentários:

  1. Caro Prof. Romualdo !!
    Agradeço pela reflexão hIstórica QUE
    sua palavras conseguiram revelar sobre os verdadeiros interesse politicos-economico do jogo arquitetado contra o nacionalismo pan-arabismo !!
    saudações .. Lennon C. Lustosa

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  2. Estas reflexões coloca em foco a importância do olhar geográfico sobre tais conflitos de difícil compreensão....Foi esclarecedor obrigado.
    Roniclei alves

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