sábado, 19 de março de 2011

TERREMOTO NO JAPÃO, REVOLTAS ÁRABES E OBAMA NO BRASIL – XEQUE-MATE NA GEOPOLÍTICA MUNDIAL

Para além dos problemas geofísicos, que os meus colegas geógrafos físicos e geólogos, principalmente, podem melhor explicar, vejo outra dimensão além da tragédia causada pelos deslocamentos das placas tectônicas na parte asiática onde se situa o Japão. Milhares de vidas perderam-se, mas os abalos sísmicos irão causar ainda muitos contratempos a centenas de milhares de pessoas por muito tempo.

Mas as conseqüências do terremoto na ilha localizada no Oceano Pacífico, parte oriental da Ásia, conhecida como a Terra do Sol Nascente, devem tomar uma dimensão muito maior do que a quantidade de vidas humanas perdidas e a destruição de cidades inteiras, afetando a economia da atual terceira maior economia do mundo.

Catástrofes naturais, como esses terremotos de vários níveis, acontecem em larga escala ao longo de anos, décadas e séculos. Não são novidades na história geológica do nosso planeta. São conhecidos, pelos estudos geológicos, os locais mais sujeitos a sofrerem esses abalos. E eles inevitavelmente ocorrerão. Poderíamos inverter a maneira como assistimos as notícias sobre essas tragédias. Olhemos por esse ângulo: não é que os terremotos aconteçam onde existem milhões de pessoas habitando. Na verdade, são milhões de pessoas que habitam locais onde inevitavelmente acontecerão terremotos.

Os estudos geológicos demonstram que esses eventos se repetem há milhões de anos e fazem parte da dinâmica da terra. Contudo, a humanidade passou a viver um cotidiano de citadinos, e concentraram-se em áreas urbanas que crescem a proporções espetaculares. Tóquio, por exemplo, concentra, somando-se a população de todo seu entorno, mais de 30 milhões de pessoas. Isso transforma essas catástrofes naturais em tragédias humanas, devido a quantidade de pessoas que são atingidas. A rapidez com que a informação se desloca pelo mundo amplia, em muito, as repercussões, principalmente pela maneira como a mídia trata o assunto. A seu feitio, espetacularizando a notícia e causando mais pânico do que o próprio evento já proporciona. O efeito, pela forma como essas notícias são passadas, é como se nós fossemos afetados diretamente por esses eventos. Mesmo a milhares de quilômetros de distância.


O TRAUMA NUCLEAR

O agravamento da tragédia japonesa tem outro capítulo. Polêmico historicamente. O fato de uma usina nuclear, em Fukushima, ter sido atingida e liberado radiações nucleares cuja dimensão, até o momento em que escrevo esse texto, é desconhecida. A possibilidade de essa radiação atingir Tóquio tornaria a tragédia em uma escala impossível de prever. Aguardamos com ansiedade todos os trabalhos feitos no sentido de conter o vazamento radioativo e esperamos que essas previsões mais pessimistas não se confirmem. Até lá só nos resta torcer para que mais vidas humanas não sejam perdidas e outras não fiquem com sequelas para o resto da vida. Quanto às informações que nos chegam, elas jamais trarão a verdade em sua totalidade. O governo japonês tentará evitar que o pânico se espalhe, e, portanto, deixará de dar a notícia de acordo com o fato real e o verdadeiro perigo que o cerca. Embora isso possa ter um efeito contrário.

Quanto a isso, o melhor é torcermos e esperarmos. Mas, no tocante ao impacto que tudo isso causa no mundo, creio que podemos fazer algumas conjecturas, baseando-nos em análises geopolíticas e em como a crise econômica estava afetando o Japão.


AINDA REFLEXOS DA CRISE ECONÔMICA DE 2008

O Japão foi um dos países mais afetados pela crise econômica. As medidas desesperadas do governo daquele país incluíam deportar estrangeiros, como os dekasseguis brasileiros e depositar ienes na conta corrente do cidadão japonês para aquecer o consumo. Nada disso impediu que o país entrasse em uma recessão, seguindo-se o efeito dominó da enorme bolha especulativa causada por Wall Street em 2008.

Ainda sem conseguir sair dessa situação de crise, e tendo perdido o posto de segunda maior economia do mundo para a China, os efeitos do terremoto e mais as conseqüências do vazamento nuclear deixará a situação econômica japonesa em situação deplorável. Além do desconforto em ter que depender da ajuda de um vizinho que outrora teve seu território invadido pelos próprios nipônicos, e com os quais disputa na região posições estratégicas no tabuleiro geopolítico mundial. Ou disputava.

Como a economia mundial está profundamente interligada, seguramente os destroços da economia japonesa atingirão todos os países, em especial Europa e Estados Unidos. Que também ainda encontram-se enredados na mesma crise iniciada em 2008. Em entrevista ao Canal de TV Bloomberg, Nouriel Roubini, economista que primeiro alertou para o estouro da bolha especulativa, opina que inevitavelmente a crise se intensificará no Japão. A queda da bolsa de Tóquio, mesmo com forte injeção de dólares por parte do Banco do Japão é um sintoma disso. Aliado ao desespero que se abate sobre trabalhadores de várias empresas estrangeiras, cuja preocupação é fugir da ameaça nuclear. Portos e aeroportos afetados pela Tsunami, que varreu veículos e mercadorias, junto com milhares de pessoas, dão a dimensão exata das dificuldades que o Japão terá em se reencontrar. Até lá, a tendência é que suas dificuldades afetem seus principais parceiros, e dentre eles, os EUA.

Não bastassem as guerras desastradas do Iraque e do Afeganistão, e da sequência de revoltas em países árabes até então sob forte influência estadunidense, os EUA vê um de seus principais parceiros entrar em uma crise sem precedentes. Tanto pela economia, cujos reflexos o alcançará, como pela posição geopolítica daquele país, essa é mais uma situação a causar transtornos para uma potência nitidamente em declínio, apesar de ainda deter a hegemonia econômica mundial.

Embora com um PIB um pouco distante da Alemanha, não é improvável que o Japão venha a perder o posto de terceira maior economia do mundo. Pior do que isso, para os EUA, é a absoluta fragilidade que impedirá o Japão de poder fazer frente ao poderio crescente da China em uma região também de grande interesse geoestratégico para os EUA, a península coreana.

A tendência, a prosseguir todo o pânico que está girando em torno do desastre nuclear, é que sejam retomadas as discussões entre as duas Coréias, a fim de reintegrá-las em um só Estado-Nação (registre-se que isso não é de interesse dos EUA). Com isso cresceria mais ainda a influência chinesa, acelerando um processo de fortalecimento da China como potência hegemônica mundial no século XXI. Bem antes do que tem sido previsto pelos estudiosos do assunto. Apesar de, no momento, os EUA ainda manterem-se disparados em primeiro lugar no ranking dos países com maior PIB do mundo, o dobro do PIB Chinês. O problema é que enquanto um cai, embora de forma lenta, o outro sobe aceleradamente.


EUA DE OLHO NA AMÉRICA LATINA E NO PRÉ-SAL

Desesperados, ao ter que lidar com diferentes crises por todos os lados, inclusive internamente, o Governo Obama tenta retomar sua influência na América Latina. A visita ao Brasil, cuja presidenta tomou posse a menos de três meses (o que pela primeira vez acontece antes de um presidente brasileiro visitar aquele país), demonstra essa necessidade de o presidente dos EUA se antecipar e tentar recompor uma relação política e econômica que ficou estremecida durante o Governo Lula.

Enquanto isso, às suas costas, ficaram os protestos com milhares de trabalhadores, a maioria do serviço público, opondo-se às políticas econômicas que visam jogar nas costas dos trabalhadores todo o serviço sujo feito pelos especuladores. O corte de direitos, principalmente através de uma lei que proíbe negociações trabalhistas, levada a cabo pelo governo ultraconservador do Estado do Wisconsin (ligado ao Tea Parfty), tem levado dezenas de milhares de pessoas às ruas.

Os estudantes secundaristas realizaram sexta-feira (18/03) uma greve geral e uma grande manifestação. E algumas notícias dão conta de que esses protestos já estão se espalhando por outros Estados, com os trabalhadores se prevenindo contra medidas semelhantes. Lamentavelmente, seguindo a lógica de submissão aos interesses estadunidenses, a mídia tradicional não mostra as manifestações e não dão nenhuma repercussão a essas lutas.

Não são atos direcionados contra o governo Obama. Mas refletem um momento crítico naquele país e ainda conseqüência da crise iniciada em 2008. O próprio Tea Party é um ovo brotado dessa serpente, parafraseando Ingmar Bergman, e o seu filme (de 1979), que trata do nascimento do nazismo na Alemanha pós-primeira guerra mundial.

Os terremotos dos últimos meses, desde os que tratamos apenas metaforicamente, quando nos referimos às revoltas árabes, até os reais abalos sísmicos que estremeceram o Japão, deixarão conseqüências marcantes na economia e na geopolítica mundial. Isso indica que a recuperação econômica sofrerá um revés, e seguirá mais lenta do que tem acontecido até então.


O CERCO À LÍBIA

Nesse quadro, não há dúvidas que EUA e aliados sofrerão mais duramente o golpe. Resta apenas aquela alternativa comum às crises de proporções como essa: a eclosão de uma guerra. As medidas recentes tomadas contra a Líbia (medida completamente oposta ás atitudes em relação ao Bahrein, invadido por tropas sauditas para ajudar a monarquia decadente) sinalizam em direção a uma guerra, de proporção mundial. Talvez só assim para alterar os rumos das transformações geopolíticas que tendem a por fim a hegemonias que atravessaram todo o século XX.

A dúvida é saber se a economia desses países tem fôlego para suportar mais uma guerra.

São conjecturas. É impossível escrever o futuro, só podemos inventá-lo a partir de nossas análises. O que pensavam as pessoas na manhã do fatídico 11 de setembro de 2001, quando o World Trade Center foi atingido? E o que esperavam os japoneses da recuperação de seu país no dia 11 de março de 2011, dia do terremoto seguido do tsunami? As previsões esbarram no acaso, nas dinâmicas da terra e do mundo globalizado, na ganância que move os senhores da guerra e nas diatribes dos que tem sede de poder.



IMAGENS:

1. g1.globo.com; 2. .portalrg.com.br; 3. reidacocadapreta.com.br; 4. wapedia.mobi; 5. voarnews.blogspot.com;6. cartamaior.com.br; 7. guiaglobal.com.br; 8. planobrasil.com; 9. ponto.outraspalavras.net

3 comentários:

  1. Uma análise ótima, professor! Concordo e acho que tudo que está acontecendo no mundo é bom. São tragédias humanas? As pessoas sofrem? Infelizmente para que aja mudanças acontecem os sofrimentos. Mas é necessário para que a humanidade se arrume, revolucione. Também mostra claramente que a hegemonia estadunidense está acabando. Ainda vai durar um pouco mais, mas vai cair. Viva a Terra! Ela se vinga!

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  2. Considero esta análise, caro amigo Romualdo, excelente! Apenas destaco dois contrapontos para fomentar mais um debate.
    No que concerne à seguinte reiteração: (...)"O efeito, pela forma como essas notícias são passadas, é como se nós fossemos afetados diretamente por esses eventos. Mesmo a milhares de quilômetros de distância." - Concordo contigo quanto ao ponto forte da reflexão crítica que parece ousar captar o poder da mídia como capaz de construir e desconstruir contextos, e, neste caso, até mesmo de revelar e ocultar certas verdades. Discordo quanto ao ponto fraco da reflexão porque sugere o não afetamento direto daqueles eventos em nossas vidas.
    Se não estou equivocado, Karl Marx e Fredrich Engels, já chamava atenção no Manifesto Comunista, para um determinado "antagonismo" via "supremacia do proletariado", que faria desaparecer "as demarcações e os antagonismos nacionais entre os povos" (tensionado, primeiramente, com o "desenvolvimento da burguesia"), que tal ação criaria as condições para sua própria emancipação.
    Noutro momento, gentileza observar "Ideologia alemã", Marx chama a atenção para a especificidade universalista do "proletariado". "O proletariado (44) só pode portanto existir à escala ala história universal, assim como o comunismo, que é o resultado da sua ação, só pode concretizar-se enquanto existência «histórico-universal».
    Mais adiante, ao apontar para a desobstacularização do ‘como’ do estado e sociedade, artefatos burgueses, assevera: “Ora, quanto mais as esferas individuais, que atuam uma sobre a outra, aumentam no decorrer desta evolução, e mais o isolamento primitivo das diversas nações é destruído pelo aperfeiçoamento do modo de produção, pela circulação e a divisão do trabalho entre as nações que daí resulta espontaneamente, mais a história se transforma em história mundial. Assim, se em Inglaterra se inventar uma máquina que, na Índia ou na China, tire o pão a milhares de trabalhadores e altere toda a forma de existência desses impérios, essa descoberta torna-se um fato da história universal.”
    Pareceu-me oportuno reforçar este olhar marxista, que resulta da compreensão e percepção de história como marca universalista, efetivamente. O que, no entanto, logo mais abaixo em seu próprio artigo, aparece mais forte a sua preocupação com esta marca, principalmente,quando procede a análise do “Cerco à Líbia” via poder intervencionista atual de determinadas potências. “Nesse quadro, não há dúvidas que EUA e aliados sofrerão mais duramente o golpe. Resta apenas aquela alternativa comum às crises de proporções como essa: a eclosão de uma guerra. As medidas recentes tomadas contra a Líbia (medida completamente oposta ás atitudes em relação ao Bahrein, invadido por tropas sauditas para ajudar a monarquia decadente) sinalizam em direção a uma guerra, de proporção mundial.”
    O artigo é excelente não somente pela capacidade de reflexão crítica e abertura que o autor possui, mas porque coloca na mesa a questão conjuntural que, de certa forma, delimita a atuação política no mundo atual, em debate.

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  3. Caro mestre,
    Venho me perguntanto se a China não tem perfil para ser os USA do século XXI e digo que por definição, ela não tem. Logo me parece que caminhamos para um cenário multilateral com forças mais distribuidas do que para o imperialismo chines.
    As forças das economias médias e as novas posições assumidas por elas no cenário internacional corroboram com essa tendência.
    Pense seobre isso.
    Satesifação lê-lo.
    Ademir e Janaina

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